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Danos foram descritos em relatório do Conselho Indigenista Missionário

Conselho aponta extração ilegal em terras tabajaras

publicado: 28/11/2022 09h59, última modificação: 28/11/2022 09h59
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Os caciques Ednaldo dos Santos e Carlos Batista denunciaram a retirada ilegal de areia ao Ministério Público - Foto: Foto: Arquivo pessoal

por Ana Flávia Nóbrega*

 

Invasão, exploração ilegal de recursos naturais e dano ao patrimônio em terra indígena. Os delitos ocorreram na Paraíba e foram descritos no relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, com dados de 2021. Segundo a publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o caso ocorreu na terra do povo tabajara. Os principais fatores apontados para isso são a não demarcação do território, por parte do Governo Federal, e o desrespeito ao território indígena.

“Os indígenas do povo tabajara, em luta pela regularização de seu território tradicional há anos, têm denunciado que invasores continuam adentrando seu território para exercer atividade ilegal de mineração, atividade que está depredando o meio ambiente, poluindo os rios e comprometendo a saúde dos indígenas e da população da região”, descreve a publicação.

Segundo o cacique Ednaldo dos Santos Silva, da Aldeia Vitória, e o cacique Carlos Batista de Sousa, da Aldeia Barra de Gramame, ambos do Povo Tabajara, a ação ocorreu para a exploração de areia. “Essa ação foi denunciada ao Ministério Público Federal e foi encaminhado para a Polícia Federal. Hoje se encontra parada e toda a contenção de areia relacionada ao território Tabajara, se encontra parada. A Justiça tomou conta”, explicou Ednaldo.

Mesmo com a denúncia e ações judiciais e policiais para encerrar a exploração, o receio de novas explorações e conflitos segue acompanhando os indígenas.

“Lá a denúncia foi feita e, até o momento, estava contido. Agora o estrago foi muito feio, muito grande. Fizeram uma grande escavação, acabando com Mangabeira, Coroa de Frade que a gente tinha muita, perto do rio... É bastante complicado. Mas é preciso fazer fiscalização para ver se continuam tirando areia porque não confiamos e porque o fluxo retirado da região é muito intenso”, completou o cacique Carlos.

Além da exploração de areia, os indígenas também denunciam a atuação de empresas que produzem cimento e brita, segundo informa o relatório.

Ao todo, o Cimi registrou 305 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, que afetaram pelo menos 226 terras indígenas em todo o país no ano de 2021. Os casos foram registrados em 22 estados: Amazonas (43), Pará (42), Acre (33), Roraima (32), Rondônia (29), Mato Grosso (24), Maranhão (20), Tocantins (13), Mato Grosso do Sul (11), Rio Grande do Sul e São Paulo (9 cada), Minas Gerais (8), Santa Catarina (7), Paraná (6), Bahia e Ceará (5 cada), Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte (2 cada), Paraíba, Goiás e Piauí (1 cada).

Documento denuncia conflitos de direitos

O relatório traz ainda o detalhamento de conflitos relativos a direitos territoriais. Ao todo, o Cimi registrou 118 casos, sendo dois ocorridos na Paraíba. O primeiro deles envolve a terra indígena Monte Mor, dos povos potiguara. Segundo o relatório, o processo de demarcação da TI Monte Mor seguiu paralisado no ano de 2021, ainda aguardando pela homologação do presidente da República. Enquanto isso, a comunidade Potiguara seguiu enfrentando graves e constantes conflitos com posseiros.

O segundo confronto citado ocorreu também por omissão e morosidade na demarcação da terra indígena tabajara, situado no município de Conde. De acordo com o Cimi, os povos tabajaras lutam pelo reconhecimento e demarcação do território desde, pelo menos, 2006. O processo chegou a ser iniciado pela Funai, mas o relatório de identificação e delimitação da área não chegou a ser publicado durante o ano de 2021.

“Assim, cerca de 900 pessoas do povo seguem ocupando parte do território reivindicado, organizado em três aldeias: Vitória, Barra de Gramame e Nova Conquista. Após solicitação do povo, o MPF comprometeu-se a ingressar com uma ação civil pública para a demarcação do território. Até o final de 2021, entretanto, a providência ainda não havia sido tomada”, informa o Cimi.
Em função da morosidade, o procurador da República, José Godoy Bezerra de Souza, do Ministério Público Federal da Paraíba (MPF-PB), judicializou o processo da demarcação das terras em agosto de 2022. Segundo o procurador, a não demarcação acarreta graves problemas para os povos originários, incluindo a dignidade humana e a insegurança alimentar. E, por isso, é necessário atenção judicial para que o Governo Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai) possam, de fato, agir.

“Em decorrência das constantes ameaças a sua relação com a terra tradicional, os indígenas enfrentam dificuldades em manter a forma própria de organização social, e, com isso, têm dificuldades de passar para as próximas gerações os seus costumes, suas línguas, suas crenças e tradições. Por força dessa dramática situação, muitas famílias indígenas desaldeadas têm visto seus filhos tornarem-se “favelados” nas periferias de João Pessoa, desapossados de suas terras tradicionais. Outra situação gerada pela ausência da demarcação é a notória insegurança alimentar”, descreve José Godoy Bezerra.

No processo, o MPF solicitou a condenação do Governo Federal e Fundação Nacional do Índio (Funai) com a obrigatoriedade de fazer a demarcação física da Terra Indígena Tabajara, e concluir o processo de demarcação, inclusive com a desintrusão de posseiros que ocupam a área.

Outra medida prevista foi a condenação do município de Conde com o pagamento de multa diária no valor de R$ 20 mil em caso de concessão de novas licenças, alvarás de construção, autorização para ligação de água ou energia, certidão de “habite-se” de obras, ou licença ambiental prévia, de operação ou de instalação, para empreendimentos situados na área reivindicada pelos tabajaras.

José Godoy solicitou também que a audiência de conciliação ou de mediação seja realizada e o adiantamento do julgamento por parte do MPF. Até o momento, segundo informa o cacique Ednaldo, o processo segue em andamento.

Para além do direito à terra, o procurador compreende a necessidade básica manifestada pelos povos indígenas para que o processo siga com maior agilidade “em detrimento não apenas do sustento econômico-material das populações que sobrevivem da relação com os rios, mar e floresta, como da própria cultura indígena, seus costumes e tradições, bens culturais constitucionalmente amparados”, finaliza José Godoy. Bandeira levantada também pelo cacique Ednaldo “Lutamos por nosso território em defesa do meio ambiente, além de uma saúde e educação diferenciadas, que são as nossas bandeiras atualmente”, enfatizou.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 27 de novembro de 2022.