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LUTA PELO VOTO

Desinformação e IA serão desafios na eleições

publicado: 19/08/2024 10h09, última modificação: 19/08/2024 10h09
Lei fixa padrões para uso de instrumentos digitais durante a campanha e estabelece punições para infratores
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O mundo virtual é o ambiente onde se encontram as maiores dificuldades para o controle das regras eleitorais, que buscam garantir o equilíbrio e a lisura do processo | Ilustração: Bruno Chiossi

por Tiago Bernardino*

A desinformação e a inteligência artificial são os grandes desafios na propaganda eleitoral para as Eleições 2024. A propaganda eleitoral começou na última sexta-feira (16), com a liberação do pedido de voto nas ruas e na internet. No mundo virtual, é que encontramos a maior dificuldade para o controle das regras eleitorais, que buscam garantir o equilíbrio e a lisura do processo eleitoral.

O professor Edvaldo Carvalho, da Universidade Federal da Paraíba, explica que a desinformação não é algo recente, que o processo de seleção de que informações seriam e como seriam repassadas é algo presente na sociedade há tempos. No entanto, ele adverte que, com o advento das redes sociais digitais, o processo de desinformação ganhou novos contornos.

“Diria que se amplificou, pois a maioria das pessoas passou a perceber e construir interpretações da realidade a partir do acesso e apropriação de informações, em sua grande maioria falsas (fake news) ou distorcidas, nas redes sociais digitais, com grande relevância do WhatsApp. Isso originou o que passou a se constituir no fenômeno das bolhas digitais, onde as pessoas têm acesso, se apropriam e compartilham informações apenas com um grupo limitado, que possuem a mesma visão social de mundo e tomam estas informações como verdades, muitas vezes inquestionáveis”, afirmou Edvaldo Carvalho.

As redes sociais digitais, plataformas de streaming e aplicativos de mensagens são muito pouco reguladas no Brasil e no mundo, o que as torna uma ferramenta utilizada intencionalmente para o processo de desinformação. O professor Edvaldo Carvalho conta que essa desregulação traz sérios problemas para a manutenção dos valores e princípios da democracia e do Estado democrático de direito.

“Os dois últimos processos eleitorais foram fortemente marcados pela desinformação. A produção, disseminação e uso de informações falsas foram decisivas para o resultado e me parece que neste também será, pois os mecanismos de produção de informações falsas, com a entrada em cena das IA Generativas, deu outro salto qualitativo”, destaca Edvaldo Carvalho.

Com foco no combate à desinformação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmou uma parceria com a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) para uma campanha informativa para auxiliar no enfrentamento às mentiras nas eleições. Com o mote “Jornalismo é confiável, fala nossa língua, protege da desinformação e fortalece a democracia”, a iniciativa conta com duas cartilhas em formato playbook — uma para eleitoras e eleitores e outra para jornalistas — com linguagem adaptada para atender às diferentes regiões do país e alcançar um público mais amplo.

A campanha, que tem o slogan “A mentira destrói seu voto”, também foi realizada em parceria com outras 11 associações e instituições relacionadas ao jornalismo profissional. “Agradeço aos integrantes das áreas do conhecimento e, especialmente, ao jornalismo responsável, independente e forte do Brasil, que tem segurado, com tanta frequência e com tanto empenho, a democracia no país, como foi nas últimas eleições, de 2018, 2020 e 2022”, afirmou a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, ao lançar a iniciativa.

As políticas públicas e ações para o combate à desinformação são essenciais para a sociedade, como são feitas pelo TSE e a exemplo do Resilicom, que desenvolve práticas de combate à desinformação nas escolas públicas do estado, que é coordenado pelo professor Edvaldo Carvalho juntamente com o professor Felipe Brasileiro, também da UFPB.

“É essencial que a sociedade civil organizada pressione o Estado para que seja desenvolvida política estatal que efetivamente regulamente o funcionamento das plataformas digitais, pois elas são uma das que mais lucram com a desinformação”, finaliza Edvaldo Carvalho.

TSE amplia combate contra fake news

Ainda no combate à desinformação, o TSE disponibiliza duas plataformas: o Fato ou Boato e o Sistema de Alertas de Desinformação Eleitoral (Siade). A plataforma Fato ou Boato, criada em 2020, permite que os eleitores confiram se informações que circulam na internet, a partir de sites, aplicativos de streaming, aplicativos de mensagens ou redes sociais são verídicas ou não. As informações contidas na plataforma são verificadas por instituições que prestam o serviço de verificação de informações e seguem a metodologia proposta pela Internacional Fact-Checking Network.

O Siade permite que qualquer pessoa aponte fatos notoriamente inverídicos e que tenham o potencial de causar danos ao equilíbrio nas eleições e à integridade do processo eleitoral. “Uma vez recebidos, os alertas são processados por uma equipe interna, que avalia o enquadramento no escopo do programa e, em caso positivo, adiciona dados de contexto, como, por exemplo, matérias de checagem de fatos ou notas de esclarecimento oficiais que permitam evidenciar falsidades de conteúdo ou de contexto. Na sequência, os alertas são enviados às plataformas digitais, para que avaliem a hipótese de violação de seus termos de uso, aplicando as medidas correspondentes. Havendo a perspectiva de crimes ou ilícitos eleitorais de caráter administrativo, os alertas são também encaminhados às instâncias competentes”, informa o TSE.

O Siade pode ser acessado também pelo telefone. Nesta eleição, o eleitor conta ainda com o SOS Voto, um disque-denúncia do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criado para receber relatos de mentiras e desinformação sobre o processo eleitoral nas redes sociais. A ferramenta pode ser acessada gratuitamente por qualquer cidadão, em todas as regiões do país, por meio do número de telefone 1491.

O SOS Voto funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h, e no sábado, das 9h às 17h, com capacidade para atender até mil ligações diárias. O atendimento é realizado por colaboradoras e colaboradores do TSE especialmente treinados para receber as denúncias.

O número 1491 foi criado para o TSE pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que faz parte do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde). O disque-denúncia é ferramenta auxiliar do Siade, que concentra os relatos de desinformação eleitoral e é acessado na internet.

Primeiro pleito com uso digital amplo 

A utilização de inteligência artificial nas propagandas eleitorais foi autorizada pelo TSE em regulação editada em fevereiro. Pela legislação, é proibido o uso de deepfake e é obrigada a veiculação de aviso sobre o uso da inteligência artificial na propaganda eleitoral.Segundo o TSE, caso o candidato descumpra a legislação, poderá ter o registro ou mandato cassado, com apuração das responsabilidades conforme o disposto no Código Eleitoral.

As alterações feitas em áudios e em vídeos são, em sua maioria, utilizadas para fazer parecer que alguém disse ou fez algo que não aconteceu na realidade. Para auxiliar na tomada de decisões dos juízes eleitorais sobre a utilização da inteligência artificial nas eleições, o TRE-PB desenvolveu, em parceria com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), um sistema com foco na identificação das deepfakes de áudio, também conhecida como clonagem de voz, que são áudios manipulados ou sintetizados por IA para parecerem autênticos.

A utilização do software uIAra, na Paraíba, foi autorizado pela portaria nº 284/2024-TR-PB. De acordo com a portaria, o software será utilizado por magistrados e magistradas do TRE-PB para auxiliar na análise de áudios em processos judiciais, com a geração de relatórios contendo o resultado da análise e o respectivo percentual de acurácia.

“O resultado fornecido pela uIAra não vincula a decisão do magistrado, sendo utilizado apenas como subsídio na análise da mídia em questão”, diz o artigo 3º da portaria.

O professor Leonardo Lopes, coordenador do Laboratório Integrado de Estudos da Voz (Liev), um dos envolvidos no desenvolvimento da ferramenta, explica como os juízes e magistrados vão utilizar a uIAra. “No momento em que alguém denunciar que um áudio não é verdadeiro, o juiz designado para a demanda poderá fazer o upload desse material e a uIAra vai mostrar se a voz analisada é autêntica ou se é uma deepfake, indicando percentualmente a probabilidade deste resultado”, explica.

Ainda de acordo com ele, a tecnologia por trás da uIAra é uma IA de aprendizagem profunda (deep learning), que se caracteriza pela inspiração na estrutura neural de organismos inteligentes, semelhante ao cérebro humano. Isso proporciona o aprendizado “profundo” e a diferencia das demais categorias de IA. Foram utilizados mais de 1.500 pares de amostras de fala, de pessoas da região e de outras partes do país, para ‘treinar’ a ferramenta, que também foi alimentada com material audiovisual dos próprios políticos disponíveis em plataformas na internet e nas redes sociais.

“Com todo esse material, criamos uma voz ‘clone’ das vozes originais para alimentar a ferramenta e ajudá-la a ser cada vez mais precisa no reconhecimento de vozes falsas ou verdadeiras. Alimentando-a constantemente, ela é capaz de identificar características e padrões que são típicos de vozes humanas reais e de vozes que foram geradas artificialmente”, afirma.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de agosto de 2024.