Durante a realização da COP30 — fórum global que discutiu, em novembro, soluções para lidar com os efeitos das mudanças climáticas —, o Brasil apresentou seu novo Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, que defende a mudança do foco da resposta a desastres para a gestão proativa de riscos. Também no mês passado, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) publicou um panorama da situação da Defesa Civil nos municípios do país. O estudo apontou que, de 2013 a 2024, 12% das Prefeituras do país não possuíam órgão específico para a Defesa Civil, realidade que contribuiu para um prejuízo aproximado de R$ 732 bilhões nos municípios brasileiros.
Conforme o levantamento técnico, intitulado “Diagnóstico da Estrutura das Defesas Civis Municipais”, as catástrofes naturais atingiram níveis críticos na última década, no país, e 95% dos municípios brasileiros foram afetados por desastres como inundações, secas, deslizamentos e incêndios florestais, que têm ocorrido com frequência e intensidade crescentes.
As precariedades na estrutura das Defesas Civis municipais revelaram a vulnerabilidade das Prefeituras na capacidade de gestão de riscos e desastres. O estudo da CNM destacou os principais fatores para essa fragilidade: orçamento limitado; equipes reduzidas; falta de exclusividade nos órgãos que atuam na defesa civil; e ausência de fundos específicos de recursos.
Na Paraíba, o estudo da CNM evidenciou um cenário com desafios significativos para a estrutura das Defesas Civis municipais. Dos 43 municípios paraibanos que participaram da pesquisa, apenas 9,3% declararam possuir equipes exclusivas com a quantidade adequada de viaturas, equipamentos e instrumentos para ações de prevenção e resposta a desastres. O quadro de servidores é enxuto, com 58,1% dos municípios contando com, no máximo, três pessoas atuando nessas funções. Em relação ao tipo de órgão que realiza as ações, 39,3% utilizam outros órgãos que não são exclusivos da Defesa Civil.
Vinculada à Secretaria de Estado da Infraestrutura e dos Recursos Hídricos, a diretora-executiva de Proteção e Defesa Civil da Paraíba, Márcia Andrade, atua na interlocução entre as ações estaduais junto aos Municípios e à União. Conforme a gestora, a maior dificuldade enfrentada pelo órgão é a capacitação das Defesas Civis municipais, “devido à grande rotatividade no quadro de servidores e às equipes reduzidíssimas”. “É um trabalho que está constantemente precisando ser refeito, dificultando que consigamos fazer uma capacitação continuada dessas equipes”, pontua.
Para Márcia Andrade, uma estrutura básica para a gestão municipal seria composta por “um coordenador e, pelo menos, dois a três agentes; uma sala equipada com computador e internet; e uma viatura, para que esses agentes possam fazer vistorias de campo, atendimento de ocorrência, apoio a famílias afetadas pela seca ou por eventual excesso de volume de chuvas”.
O município de Emas, localizado no Sertão paraibano, possui pouco mais de três mil habitantes e ilustra esse desafio de atuar com uma equipe reduzida. A Coordenadoria de Defesa Civil local é vinculada à Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente e conta, atualmente, com apenas um funcionário.
Para o coordenador Matheus Rufino, a principal demanda do município é o combate à estiagem. Em novembro, Emas decretou estado de emergência, por conta do baixo volume de chuva registrado. O responsável pela Defesa Civil municipal pontua, ainda, que vem realizando a recontagem da população atingida para solicitar os recursos necessários e assegurar o direito ao acesso à água potável e de qualidade.
“Um sonho que tenho, enquanto funcionário, é estudar uma forma de atender essa população atingida pela estiagem, promovendo a aquisição de novas cisternas ou, quem sabe, um dia, por meio do excelente trabalho da gestão, conseguir água encanada para atender esses moradores da Zona Rural, resolvendo, assim, o problema por completo”, diz.
Mesmo em cidades com organização mais robusta, como João Pessoa, a estrutura municipal de prevenção e combate a desastres naturais possui limitações. Na capital, onde vivem 900 mil pessoas, a Defesa Civil é vinculada, diretamente, ao gabinete da Prefeitura e conta com uma equipe de cerca de 35 servidores — o que, na visão do coordenador, Kelson Chaves, é insuficiente.
Para o gestor, além do quadro de funcionários efetivos mínimo, a falta de um orçamento específico é o que mais compromete a atuação do órgão. “A gente espera que, um dia, possa mudar a Lei de Orçamento Anual. Tem que mudar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o orçamento tem que prever o pagamento para esses profissionais. A gente tem que ter um concurso público”, defende.
Atribuições
A Defesa Civil trabalha em um sistema de responsabilidade compartilhada. Segundo a Lei nº 12.608/2012, a União estabelece as diretrizes e fornece recursos financeiros; os Estados oferecem suporte técnico e logístico; e os Municípios estão na linha de frente, sendo responsáveis por identificar os riscos e fiscalizar o uso do solo. Essa estrutura é acionada de formas diferentes, dependendo da gravidade do evento, sendo a classificação correta fundamental para a liberação dos recursos necessários.
Quando os danos são parciais e a Prefeitura ainda consegue administrar a situação com algum apoio, é decretada uma situação de emergência. Por outro lado, o estado de calamidade pública acontece quando os serviços essenciais entram em colapso e o Município não consegue mais responder ao desastre por conta própria. Nesse caso, é preciso uma intervenção rápida e forte dos governos Estadual e Federal para garantir a sobrevivência da população.
CNM alerta para falta de suporte na implementação de plano
Na semana passada, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) emitiu um alerta a respeito de limitações importantes no processo de implementação do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil 2025–2035. Prevista na Lei nº 12.608/2012, a iniciativa busca integrar ações de setores como Meio Ambiente, Saúde e Educação, com foco no fortalecimento da prevenção, preparação, resposta e recuperação diante de desastres em todo o território nacional.
O Decreto nº 12.652/2025 definiu princípios, diretrizes e objetivos do plano, enquanto a Portaria no 3.318/2025 aprovou e instituiu formalmente o Plano Nacional. Com isso, o documento passa a orientar a elaboração dos Planos Municipais de Proteção e Defesa Civil, incluindo diretrizes para identificação de riscos, critérios de classificação e recomendações para ações de prevenção, monitoramento e resposta.
No entanto, para a CNM, não foram estabelecidas metas claras nem mecanismos concretos para garantir condições técnicas e financeiras que permitam aos Municípios executar as ações previstas.
Segundo a entidade, a ausência de um suporte estruturado transfere responsabilidades aos governos locais, sem considerar as desigualdades federativas e a capacidade real de execução no nível municipal.
De acordo com o levantamento realizado pela CNM sobre a realidade das Defesas Civis Municipais, 1.217 Prefeituras brasileiras ainda utilizam órgãos não exclusivos para exercer a função e 70,7% informaram que o custo mensal de suas estruturas não ultrapassa R$ 50 mil. Apenas 12% afirmam contar com equipes exclusivas e estrutura adequada de viaturas, equipamentos e instrumentos, enquanto 43% dos Municípios dispõem de até três servidores para atuar na área.
Além disso, cerca de 67% dos Municípios afirmam necessitar de auxílio financeiro para ações de prevenção de desastres e 56% ressaltam a falta de assistência técnica, fundamental para atividades como avaliação de danos e prejuízos. A carência também se reflete nos instrumentos de planejamento: 21% dos Municípios não possuem qualquer instrumento de defesa civil, 66% contam com Plano de Contingência (Plancon) e apenas 26% possuem Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR).
Diante desse cenário, a CNM defende que a implementação de mais um instrumento de proteção e defesa civil exige apoio técnico contínuo e financiamento adequado. “Sem isso, a efetividade das ações previstas tende a ser comprometida, especialmente em Municípios com menor capacidade instalada, ampliando ainda mais a distância entre o planejamento nacional e a realidade local”, argumentou a entidade.
Através deste link, acesse o estudo técnico da CNM na íntegra
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de dezembro de 2025.