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Família paraibana aguarda justiça

publicado: 01/04/2024 09h18, última modificação: 01/04/2024 09h18
Tia da ex-vereadora assassinada no Rio de Janeiro, Marlene Cavalcante, conta último diálogo com a sobrinha
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Marlene Cavalcante mostra foto de Marielle em seu primeiro casamento | Fotos: Ortilo Antônio
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Marinete (Mãe de Marielle) ao lado de Marielle e sua irmã Anielle Franco (ministra da Igualdade Racial), durante uma recepção na casa da família na Paraíba | Foto: Reprodução
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por Filipe Cabral*

“Olha, no dia 8 de março - Dia Internacional da Mulher - de 2018, ano que mataram Marielle, ela ligou para falar comigo, mas eu tinha ido ao mercado. No dia seguinte eu falei com ela de manhã. Parece que eu estava adivinhando, porque eu disse para ela: ´Olha, minha filha, não confie em ninguém. Você está em um mundo que não é verdadeiro. Pelo amor de Deus, Marielle. Você é uma mulher linda, uma pessoa que faz as coisas pelo povo. Não confia´. Ela disse: ‘Eu sei, tia’. E essas foram as últimas palavras dela pra mim”.

Essa é a última lembrança que a paraibana Marlene da Silva Cavalcante, tia de Marielle Franco, tem da sobrinha. Aos 83 anos de idade, “Dona Marla”, como é conhecida entre os familiares e amigos próximos, conta que recebeu a notícia no último domingo sobre a prisão dos supostos mentores do assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes quando ia para a missa na igreja que frequenta em João Pessoa.

“Foi um Domingo de Ramos que ficou para história, né? Eu fui para a igreja e quando eu cheguei lá uma amiga disse: ´Dona Marlene, a senhora viu que pegaram os mandantes da morte de Marielle?´”, recorda.

Embora tenha comemorado a prisão dos suspeitos pela morte da sobrinha, a mais velha da família de 11 irmãos ainda desconfia que o caso não está totalmente resolvido e que “muitas coisas que ainda precisam ser explicadas”.

“O que mais chocou a família toda foi aquele delegado. Uma vez eu questionei com a minha irmã. Eu disse: ´Marinete [mãe de Marielle], olhe, esse delegado aí, eu não tenho muita fé nele, não. Ele é devagar demais´. Aquilo ali foi uma tragédia de Judas. Uma pessoa próxima, quase de casa, abraçando a gente, ser o mentor!? Ele, como delegado, era pra dizer : ´Isso é um absurdo! Não vamos fazer isso´”, comentou Dona Marla.

“Mas Deus está no comando de tudo. E eu espero em Deus que, quem fez, pague. Porque quem faz coisa errada tem que pagar”, concluiu.

Você está em um mundo que não é verdadeiro.  Você é uma mulher linda. Não confia   --   Marlene da Silva Cavalcante

Família

Nascida no interior da Paraíba, em Alagoa Grande - cidade de Margarida Maria Alves, histórica líder sindical assassinada em 1983 -, Marlene lembra que Marinete da Silva, mãe de Marielle foi a primeira da família a concluir o Ensino Superior. Segundo ela, Marielle nasceu logo depois que Marinete se formou advogada e sempre visitava os familiares na Paraíba.

“Todo ano ela vinha com minha irmã.Aos sete anos de idade ela já vinha sozinha. Minha irmã botava as duas [Marielle e Anielle, ministra de Estado da Igualdade Racial] no avião e eu pegava aqui. Elas ficavam um mês aqui comigo. Aqui mesmo na rua tem várias pessoas da idade dela que jogavam bola aqui com ela. São todas loucas por ela. Ela era um doce de criatura”, relembra.

Sobre os seis anos de luto e espera por respostas, a “matriarca” - como costumava ser chamada pela sobrinha - diz que foi, para toda a família, um período de “coração endurecido”. Segundo ela, mesmo com uma possível solução do crime e responsabilização dos culpados, “a vida nunca será a mesma”.

“Nós somos de uma família em que é todo mundo muito unido e Marielle era uma menina que existem poucas pessoas como ela. A nossa vida nunca será a mesma, até porque às vezes a gente está aqui, assistindo  televisão, vendo qualquer notícia e de repente passa ela”, explica.

“O que nos resta é ter gratidão a Deus pelos anos que ela passou aqui na terra com a gente, que foram muito bons e muito gratificantes. É vida que segue, mas no coração da gente jamais vai cicatrizar essa ferida”, pontua.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 31 de março de 2024.