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cotas de gênero

Fraudes já levaram a 40 cassações

publicado: 28/08/2023 14h41, última modificação: 28/08/2023 14h41
Tribunal Regional Eleitoral registrou 27 processos em relação às últimas eleições por causa de irregularidades
Tribunal Regional Eleitoral da Paraiba - Foto Arquivo A União (GF)

TRE-PB registrou 27 processos relacionados a irregularidades ocorridas nas últimas eleições municipais - Foto: Arquivo A União/GF

por Juliana Cavalcanti*

O Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) registrou 27 procedimentos relativos a fraudes à cota de gênero que já foram julgados envolvendo as eleições municipais. Conforme dados do órgão, as decisões que reconheceram essas irregularidades e determinaram novas eleições atingiram, desde 2019, cinco cidades e em três delas o novo pleito já foi realizado: Monte Horebe (nove vereadores); Gado Bravo (prefeito e vice-prefeito) e Boa Ventura (nove vereadores).

Nas outras duas cidades as eleições ainda vão ocorrer, mas a fraude já foi reconhecida pelo TRE-PB: Boqueirão (11 vereadores) e Mãe D’Água (nove vereadores). Assim, ao todo foram 40 perdas de mandato, sendo 38 vereadores cassados, além de prefeito e vice-prefeito. Este número não inclui os suplentes.

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Fátima Maranhão: maioria dos processos foi procedente - Foto: Roberto Guedes

De acordo com a desembargadora e presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, Fátima Maranhão, a maioria dos processos envolvendo as cotas de gênero foi julgada procedente, alguns com perda de mandato e novas eleições e outros deles com perda de mandato e recontagem de votos (retotalização de votos), assumindo os suplentes. E em raras situações, foi identificado que não houve a intenção de burlar a cota de gênero, mas sim uma situação, impeditiva e justificada.

Atualmente, o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba é uma das cortes que mais julgam processos de fraude à cota de gênero e por isso esse número de ações de candidaturas femininas fictícias pode, inclusive, ser atualizado pelo órgão futuramente. Até agora os processos revelados envolvem apenas as Câmaras Municipais e uma Prefeitura paraibana e não atingem a Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB).

A burla à cota de gênero representa a candidatura de mulheres apenas para cumprirem a cota dos partidos políticos. No entanto, elas não chegam a fazer campanhas e muitas sequer votam nelas mesmas. De acordo com a desembargadora Fátima Maranhão, estes processos propostos no Tribunal e julgados correspondem a municípios onde uma ou mais pessoas solicitaram o reconhecimento de fraude à cota de gênero com aplicação de inelegibilidade e novas eleições.

Segundo a desembargadora, além dos 27 processos julgados, aproximadamente 10 processos ainda estão tramitando, mas como eles ainda não foram a julgamento, não é possível revelar seus resultados.

A magistrada acrescentou ainda que desde 2019, quando foi julgado o caso de candidaturas fictícias nas eleições de  Valença (PI), relativas às eleições de 2016, o TSE fez algumas definições, entre elas a de que a comprovação da fraude derruba toda a coligação ou partido, ou seja, compromete todo o DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários) do partido naquela localidade.

Por essa razão, as irregularidades no cumprimento da cota de gênero alteram a composição política nas cinco cidades paraibanas onde foi determinada a realiação de novas eleições no Plenário do TRE-PB. No que se refere às decisões de cassação por fraude à cota de gênero que importaram em retotalização dos votos (e não em nova eleição), o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba não divulgou o número do total de vereadores atingidos. 

Nas cidades de Monte Horebe e Boa Ventura as eleições suplementares já aconteceram e foram destinadas à ocupação de nove vagas na Câmara Municipal em cada uma destas cidades, já que a cassação dos vereadores não atinge apenas a mulher, mas todo o DRAP. Conforme a desembargadora, alguns vereadores, inclusive, foram reeleitos. Em Gado Bravo o novo prefeito e vice já foram escolhidos.

Já nos municípios de Boqueirão e Mãe D’água, as eleições suplementares estão previstas para ocorrer no dia 12 de novembro, mesmo dia da segunda prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2023) em todo o Brasil. Tanto a prova como as urnas eletrônicas utilizam o espaço das escolas dos municípios, fato que já foi comunicado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão que define as datas das eleições suplementares. Este último órgão elabora um calendário definindo que as eleições suplementares neste segundo semestre podem ocorrer nas seguintes datas válidas para todos os Tribunais Regionais, incluindo a Paraíba: 6 de agosto, 3 de setembro, 1º de outubro, 12 de novembro e 3 de dezembro.

Atualmente o TRE-PB aguarda uma posição do TSE sobre uma possível alteração da data para as eleições suplementares.“ 12 de novembro é a previsão porque todo esse processo eleitoral é bem trabalhoso e temos que seguir prazos. Temos que acompanhar a resolução da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal Regional Eleitoral.

A Corregedoria já nos enviou uma resolução sugerindo esse prazo de 12 de novembro para fazer a eleição”, informou a presidente do TRE-PB.

Legislação prevê estímulo à presença feminina na política

O estímulo à participação feminina através da cota de gênero está previsto na legislação brasileira desde 1997, no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições: a Lei nº 9.504/1997. Ela define que cada partido ou coligação deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa do Distrito Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Subentende-se, portanto, que os partidos precisam lançar 30% de candidaturas femininas, regra que passou a ser obrigatória a partir de 2009.

Segundo a secretária judiciária e de informação do TRE-PB, Andreia Gouveia, a fraude é constatada a partir de certas características: mulheres que se candidatam, mas que têm uma votação zerada ou com um ou dois votos; que não gastam recursos com propaganda; que tem um membro da família muito próximo que está sendo candidato adversário, mas é do gênero masculino e que está fazendo campanha como se fosse “adversário”; a contabilidade da campanha é um pouco “maquiada”, dentre outros aspectos.

Já a desembargadora Fátima Maranhão observa que a lei que estabelece regras para as eleições não estava sendo totalmente respeitada e, por isso, os Tribunais têm tomado a seguinte posição:  identificada a burla à cota de gênero, isto é, identificado que não foram cumpridos os 30% destinados às mulheres, essa eleição estaria nula, prejudicando os candidatos eleitos e todo o DRAP (àquele partido/ coligação que envolve determinados vereadores).    Desta forma, burlam a lei as mulheres que se mantêm candidatas e nas urnas suas votações são zeradas ou suas votações são consideradas insignificantes.  “O Tribunal teve que ter uma posição muito rígida. A exceção são as mulheres que se candidatam e, após todo um trabalho de campanha, precisam se afastar por uma doença grave. Outro caso seria a candidata que desistiu formalmente. Em nenhum destes últimos dois exemplos não se pode dizer que a lei foi desobedecida”, ressaltou a presidente do TRE-PB.

Conforme a desembargadora, em vários processos julgados no órgão, é verificado que as candidatas não tiveram sequer um voto, o que significa que elas não votaram nem em si próprias. “Em outras situações, algumas mulheres votaram no irmão, no pai, no amigo, no compadre e sendo candidata, tendo seu nome no registro deferido pelo TRE  como candidata a vereadora. É lamentável que as mulheres se candidatem só para cumprir tabelas, que as mulheres se candidatem tão somente para preencher aquela faixa de cota, mas não façam campanhas”, comentou.

Inclusive, nas cidades que tiveram vereadores cassados na Paraíba desde 2019, alguns mesmo não participando da fraude, também foram atingidos com a perda do mandato, sendo cassados devido à irregularidade cometida pelo partido.

Diferentes ilícitos podem anular o pleito eleitoral

De acordo com a secretária judiciária e de informação do TRE-PB, Andreia Gouveia, uma eleição pode ser anulada devido a diferentes tipos de ilícitos que podem implicar em uma cassação dos eleitos como abuso de poder econômico, abuso de poder político, captação ilícita de sufrágio, conduta vedada, desinformação do processo eleitoral, dentre outros crimes previstos na Legislação Eleitoral, a exemplo da fraude à cota de gênero.

No caso das eleições proporcionais do Poder Legislativo (para vereadores e deputados) se a fraude for comprovada e os candidatos comprometidos tiverem mais do que 50% dos votos válidos da população, os candidatos são cassados em plenário e a eleição suplementar deve ser realizada. Quando existe a cassação pelo plenário, um acórdão é mandado para publicação. Depois, o processo vai para a Corregedoria Regional Eleitoral para que esta elabore uma resolução que vai definir a data do novo pleito. De acordo com esta data, é que todo o calendário para registro de candidaturas, propaganda e prestação de contas é definido.

Por outro lado, se o partido envolvido na fraude à cota de gênero elegeu políticos cujos votos receberam menos do que 50% dos votos válidos, esses votos são anulados e os Tribunais Eleitorais fazem o reprocessamento da eleição. Neste caso, não há necessidade de eleições suplementares, pois aquela quantidade de votos foi menor do que 50%. “Se a fraude ocorrer em um partido que de nove vereadores, seis estão envolvidos, por exemplo, certamente a quantidade de votos válidos foi mais do que 50%. Neste caso, não é possível reprocessar a votação e a lei manda fazer nova eleição. Mas, às vezes, a fraude é cometida por um partido que recebeu menos votos (só elegem duas pessoas por exemplo) e só aqueles votos são anulados, isto é, retirados do sistema do TRE para que seja feita a recontagem e o partido envolvido é desconsiderado”, diferenciou Andreia Gouveia.

Assim, na Paraíba, três municípios já realizaram suas eleições suplementares: Monte Horebe, Gado Bravo e Boa Ventura. Já as cidades de Boqueirão e Mãe D’água realizam o novo pleito no dia 12 de novembro (previsão). Porém, em Santa Rita, por exemplo, houve a recontagem de votos. “Destes 27 processos julgados, alguns não foram acolhidos pelo Tribunal porque a maioria destes processos são propostos pelo partido político que não se saiu bem na eleição, candidatos que ficaram na suplência e é preciso que se prove que realmente houve essa burla: que tivemos uma candidata, que essa candidata não deu atenção às regras da eleição e não se candidatou para valer ”, pontuou a desembargadora Fátima Maranhão.

Conforme a magistrada, as eleições suplementares acontecem da mesma forma que as outras eleições para as Câmaras Municipais. Mas resguardam-se aqueles que não foram atingidos pelo DRAP, e os que não foram afetados pela condenação ficam em seu mandato.“Mas, existem situações tão sérias em que toda a Câmara é cassada, porque todos estão envolvidos nessa fraude. Foi o que aconteceu com Monte Horebe, onde a Câmara ficou tão esvaziada que ficou sem condições até do prefeito votar a Lei Orçamentária Anual (LOA). Então, ficamos preocupados em dar celeridade a esse cumprimento para que o Executivo Municipal não sofra consequências graves”

Fátima Maranhão conta que, inicialmente, pensou-se na possibilidade de manter os candidatos que foram cassados em seus cargos até que os novos eleitos fossem diplomados para evitar o fechamento da Câmara. No entanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em suas resoluções determinou que a cassação é imediata. Se a perda de mandato é imediata, o TRE-PB precisou reconsiderar essa decisão para seguir o TSE.

A secretária judiciária TRE-PB reforçou ainda que a eleição suplementar tem como única diferença levar para as urnas apenas os cargos que tiveram políticos cassados. Mas, do ponto de vista operacional, envolve a mesma estratégia de servidores, combustíveis, gastos, além de prazos definidos para registro de candidatura, propaganda, prestação de contas, dentre outros itens.   Os custos de uma nova eleição são do TSE e, assim, como a quantidade de servidores mobilizados e número de urnas utilizadas são itens que variam de acordo com o tamanho do município. Na eleição de Boa Ventura (com cerca de cinco mil habitantes), por exemplo, a previsão do TRE-PB para a remessa de verba alcançou aproximadamente R$ 100 mil para organizar o pleito.

“Estão envolvidos todos os servidores das zonas, todos os mesários porque todas as sessões eleitorais daquele município vão ter que ter urnas, além de o suporte do Tribunal”, disse

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 27 de agosto de 2023.