Em resposta à onda de violência que resultou em, pelo menos, 121 mortes em operações policiais nos complexos da Penha e do Alemão, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, anunciaram, ontem, a criação do Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado. O núcleo, que será coordenado pelo secretário estadual de Segurança, Victor Santos, tem o objetivo de integrar forças estaduais e federais para agilizar decisões no enfrentamento à criminalidade.
O anúncio foi realizado no Palácio Guanabara, após reunião entre as autoridades. Lewandowski detalhou medidas de apoio do Governo Federal, incluindo o reforço com 50 agentes da Polícia Rodoviária Federal e o aumento do efetivo de inteligência no estado.
O ministro reconheceu a crise orçamentária, mas afirmou que a União disponibilizará vagas em presídios federais e peritos para auxiliar nas investigações. “Dentro do possível, vamos cooperar para sair o mais rápido possível dessa crise de segurança”, declarou.
Posição sobre GLO
Lewandowski manifestou discordância em relação ao termo “narcoterrorismo”, utilizado pelo Governo Estadual para se referir ao Comando Vermelho. “Terrorismo sempre envolve um fator ideológico. As facções são grupos de pessoas que se juntam e cometem crimes previstos no código penal”, explicou.
Sobre a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o ministro afirmou que não há posição definida do Governo Federal, cabendo ao governador a solicitação. Castro, por sua vez, descartou a necessidade do recurso: “A situação é completamente diferente de 2018. Temos salários decentes, equipamentos, infraestrutura”.
Blindados
O governador abordou o tema dos blindados da Marinha, negados em ocasiões anteriores, mas afirmou que suas declarações anteriores foram mal interpretadas. “Não vai ficar respondendo nem ministro nem autoridade que queira transformar esse momento em uma batalha política”, ressaltou.
Em relação à operação nos complexos da Penha e do Alemão, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, revelou que houve contato em nível operacional, mas a PF considerou a ação “não razoável” e incompatível com seu modo de atuação.
Lewandowski acrescentou que o escritório emergencial representa um embrião da PEC da Segurança Pública, ainda pendente de votação no Congresso, e que há um projeto de lei para aumento de penas para diversos crimes, além de um plano “bastante abrangente” contra facções criminosas.
Operação supera violações do Carandiru
Por Alana Gandra (Agência Brasil)*
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Dani Monteiro (Psol), comparou a Operação Contenção, que já contabiliza 121 mortos, ao massacre do Carandiru, no qual morreram 111 detentos da Casa de Detenção de São Paulo, em 1992.
“Se esses dados se confirmarem, tem uma violação maior que o Carandiru. Então se torna a maior violação cometida pelo Estado na história da nossa redemocratização”, declarou Dani, ontem, durante atendimento da comissão para acompanhar os desdobramentos da ação policial nos complexos do Alemão e da Penha, em parceria com diversas instituições. A parlamentar explicou que, de acordo com a ciência, ações que resultam em mais de seis mortos podem ser consideradas chacinas.
Até a noite de ontem, a Operação Contenção contabilizava oficialmente 64 mortos. Na madrugada de ontem, entretanto, moradores do Complexo da Penha localizaram dezenas de corpos em uma região de mata e começaram a levá-los para a Praça São Lucas, formando uma enorme fila de cadávares que eram, pouco a pouco, reconhecidos por parentes e amigos. A associação de moradores chegou a anunciar que haviam sido recuperados 70 corpos, o que totalizaria 134 mortos, mas ao longo da tarde o Governo do Rio de Janeiro confirmou apenas 121.
ONU
Dani Monteiro destacou que a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu esclarecimentos ao Estado brasileiro sobre a megaoperação no Rio de Janeiro. “[O governo brasileiro] tem um longo lastro de julgamentos e condenações por violações de Direitos Humanos, exatamente em operações como essa” comentou.
A presidente da comissão afirmou que operações policiais deveriam ser precedidas de uma investigação para que se possa dizer se as pessoas mortas eram de fato envolvidas com o crime organizado. “O mínimo que a gente deveria era já ter essa investigação prévia atestando que aquelas pessoas eram envolvidas no crime organizado do território”, lamentou.
A deputada acrescentou que, se os policiais usassem câmeras corporais, seria possível confirmar uma reação violenta da parte dos traficantes, o que justificaria o uso escalonado da força policial.
Dani Monteiro acompanhou o deslocamento dos familiares e dos corpos localizados por moradores do Complexo da Penha. “Para ter, minimamente, a autópsia dos corpos e que a gente comece a fazer investigação se todos essas pessoas mortas tinham mandados de busca pela polícia, já tinham investigações criminais. O que a polícia conseguiu reconstruir da vida delas que confirmasse esse envolvimento com o crime organizado?”. Para a deputada, o que há são especulações. A parlamentar avalia que o governador não tem como confirmar o que tem dito à mídia, que todos os mortos eram envolvidos com o tráfico. “É uma violação dos Direitos Humanos.”.
O governador do estado disse, na manhã de ontem, que pode “tranquilamente classificar de criminosos” todos os mortos, com exceção de quatro policiais.
Suporte
Equipes da Comissão de Direitos Humanos estão dando suporte aos familiares dos mortos. Dani Monteiro informou que não havia executivos do Governo do Estado na favela. Quem retirou os corpos da mata e dos becos e levando para o Instituto Médico-Legal (IML) foram os moradores locais. A presidente da comissão ressalta a importância de que seja feita perícia no local e exame de balística.
Na terça-feira (28), a comissão oficiou o Ministério Público do Estado, a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), responsável pelo comitê de monitoramento da ADPF 635, solicitando informações urgentes sobre o planejamento, a execução e as responsabilidades pela ação.
“O que vimos no Alemão e na Penha é o retrato de um Estado que perdeu qualquer limite”, disse a presidente da comissão em nota divulgada na manhã de ontem. “Virar a madrugada contando corpos não pode ser rotina de um Estado de direito sem pena de morte. O Rio precisa de justiça, não de chacinas eleitoreiras fantasiadas de operação policial”, completou a nota.
A Comissão de Direitos Humanos manifestou, também, solidariedade aos familiares dos policiais mortos, reafirmando que todas as vidas importam e que a violência não pode ser política pública de governo.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de outubro de 2025.
