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Há 95 anos, morria João Suassuna

publicado: 09/10/2025 09h11, última modificação: 09/10/2025 09h11
Pesquisadores afirmam que político marcou a história da Paraíba e deixou legado de lealdade, honestidade e firmeza
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Sertanejo, João Suassuna governou a Paraíba de 1924 a 1928 | Foto: Reprodução/Domínio Público

por Paulo Correia e Carolina Oliveira*

Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1930 — Em uma manhã ensolarada na então capital do país, o deputado federal João Suassuna foi brutalmente assassinado, um evento que José Nunes, diácono, jornalista, cronista, imortal da Academia Paraibana de Letras (APL) e integrante do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), destaca como um marco na história política brasileira.

Nascido em Catolé do Rocha, em 16 de janeiro de 1886, de uma tradicional família de proprietários rurais, João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna formou-se em Direito, no Recife (PE), em 1909. “Ao retornar à Paraíba, rapidamente se integrou aos círculos do poder, exercendo funções relevantes e sendo eleito deputado. Sua proximidade com o então governador Sólon de Lucena o impulsionou ao comando do Estado, onde governou de 1924 a 1928”, diz José Nunes.

A carreira do filho de Alexandrino Felício Suassuna e Joana Pessoa de Vasconcelos Suassuna foi marcada por atuações como advogado em Mossoró (RN), juiz em Umbuzeiro, Campina Grande e Monteiro e procurador da Fazenda Nacional na Paraíba. Foi auxiliar dos governos de Castro Pinto e Antônio Pessoa, destacando-se como um jovem promissor no cenário político paraibano, atraindo a atenção de figuras como Epitácio Pessoa. “Além de sua vida pública, dedicava-se às atividades agrícolas, residindo na Fazenda Malhada da Onça, em Desterro, e sendo sócio na Fazenda Acauã, em Sousa”, completa o integrante do IHGP.

Conhecido por seu desejo de viver junto ao povo sertanejo, Suassuna era um profundo conhecedor das aspirações de sua gente. Em suas palavras, ele se via como um “homem do campo” que, embora pouco a par do socialismo moderno, não era indiferente às necessidades da classe operária. Ele enfatizava a importância “do aplauso e da solidariedade do povo”, ressaltando que não era provável agir politicamente sem “a sagração e o apoio de tão indiscutível soberania”.

O desembargador Marcos Cavalcanti, do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), destaca que João Suassuna administrou a Paraíba num momento muito difícil. O governo tinha que combater os cangaceiros, que atuavam na Região Nordeste. “A Paraíba foi, algumas vezes, visitada por Lampião com o seu bando. Entretanto, há registros de que Suassuna trabalhou tão bem neste sentido, que o próprio Lampião mesmo nunca veio ao Sertão paraibano na gestão dele”, destaca.

Para José Nunes, o legado do político é marcado pela lealdade, honestidade e firmeza em suas posições. Ele demonstrou um olhar para a cultura popular, valorizando as manifestações do povo, do Sertão ao Litoral. “Sua preocupação em preservar as raízes culturais de sua gente se manifestou no apoio a poetas populares e repentistas, que encantavam as noites sertanejas e também as fazendas produtoras de café e algodão no Brejo”, pontua.

O governo de João Suassuna destacou-se pela implementação de políticas voltadas para a modernização do Estado. O diretor do Museu de História da Paraíba, Ian Pontes, lembra que o então gestor do Estado investiu em Infraestrutura, Educação e Saúde, buscando atender às demandas da população. “Sua administração também foi marcada por uma tentativa de equilibrar interesses entre diversas classes sociais, apesar das tensões políticas da época”, pondera.

A rivalidade com João Pessoa refletia as tensões entre diferentes classes sociais e interesses políticos. “Suassuna, em muitos aspectos, defendia uma continuidade do status agrário, enquanto João Pessoa buscava atender as classes médias emergentes”, afirma Pontes, que interpreta que tal dicotomia é representativa das disputas políticas da época, em que diferentes visões sobre o futuro da Paraíba se confrontavam.

A aliança de Suassuna e sua família durante a Revolta de Princesa foi crucial para a mobilização e a resistência contra os desafios políticos da época. “Essa aliança fortaleceu a posição dos liberais e ajudou a moldar o cenário político da Paraíba, com a rivalidade entre perrepistas e liberais intensificando a luta por poder. A Revolta destacou as divisões sociais e políticas, e a participação de Suassuna ajudou a consolidar sua posição como uma figura importante na política paraibana”, avalia Ian.

Contribuição cultural

Antecedido por Sólon de Lucena e sucedido por João Pessoa no Governo do Estado, na vida pessoal, o político falecido há 95 anos, era casado com Rita de Cássia Villar Suassuna e, com ela, teve nove filhos, inclusive o professor, cineasta, historiador e romancista Ariano Suassuna. Neto de Ariano, João Suassuna carrega o nome do bisavô, que é descrito, através das lembranças familiares compartilhadas, como uma pessoa bem-humorada, carismática, com memória privilegiada e um exímio contador de histórias. “Ele cultivava a cultura de forma descentralizada, promovendo encontros de violeiros, repentistas e poetas populares, inclusive dentro do palácio”, afirma o bisneto.

Apesar de ter perdido o pai aos três anos de idade, Ariano manteve uma conexão profunda com seu legado. Em 1946, aos 19 anos, organizou um encontro de violeiros no Teatro Santa Isabel, um evento que, embora tenha enfrentado resistência da sociedade por sua natureza popular em um ambiente erudito, é, hoje, reconhecido como um marco precursor do Movimento Armorial.

A biblioteca do pai foi o portal de Ariano para a literatura e, mais importante, para o próprio pai. A partir da leitura de autores como Dostoiévski e Miguel de Cervantes, ele não apenas descobriu a literatura, mas também as convicções e ideais de seu pai. “Essa imersão o levou a descoberta de seu próprio propósito de vida, que era defender o Brasil e o povo brasileiro através da cultura e da arte”, conta João.

Ariano Suassuna considerava-se, antes de tudo, um poeta. Sua poesia, rica em elementos de sua infância, encontra sua expressão mais simbólica em “Acauã, a malhada da onça”. A iluminogravura, um neologismo que funde arte plástica e poesia, é homenagem ao pai, poeticamente referido como “um cavaleiro sem mancha e sem medo”. Ariano retratava o Sertão de forma mítica e fabulosa, vendo-o como um espaço redentor e libertário, uma visão influenciada pela figura do pai.

O assassinato não gerou um sentimento de revanchismo na família. A bisavó de João, Dona Ritinha, criou os nove filhos com dedicação, e todos se tornaram pessoas de sucesso. A frase de Ariano, “Não nos limitamos a cultuar as cinzas dos nossos antepassados. Mas devemos tentar levar adiante a chama imortal que os animava”, encapsula a essência de manter vivo o legado de seus antepassados.

João Suassuna, neto de Ariano, expressa grande satisfação com a forma como a história de seu bisavô tem sido revisitada e contada de maneira fidedigna. Ele destaca o lançamento de livros sobre ele e a inauguração do Museu de História da Paraíba, no Palácio da Redenção, onde seu avô nasceu e seu bisavô trabalhou. Para ele, os grandes homens não morrem, mas “se encantam”, e seu trabalho, feito com correção e grandeza, torna-se eterno.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 09 de Outubro de 2025.