O relator do projeto de lei (PL) antifacção na Câmara dos Deputados, Guilherme Derrite (PP-SP), retirou, do novo parecer do PL, alterações propostas na Lei Antiterrorismo e trechos que poderiam alterar competências da Polícia Federal, em resposta a críticas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto foi protocolado na noite de ontem. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sinalizou ao longo do dia que atenderia aos argumentos governistas nesses dois pontos.
“Após amplo debate democrático e criteriosa análise técnica, contudo, optei por retirar as disposições relativas às organizações criminosas, paramilitares e milícias privadas do referido diploma, para instituir um diploma autônomo de enfrentamento do crime organizado armado”, justificou Derrite sobre o recuo em relação à sua proposta anterior, que equiparava organizações criminosas ao terrorismo.
No novo relatório apresentado ontem, Derrite retirou do texto qualquer disposição expressa sobre a competência da Polícia Federal.
“A adoção de um diploma autônomo torna desnecessária qualquer disposição expressa sobre a competência do Ministério Público, da Polícia Federal ou das polícias judiciárias estaduais, uma vez que, não se tratando de crime disposto na Lei Antiterrorismo, prevalecem integralmente as regras constitucionais e legais já vigentes”, afirmou Derrite.
A nova versão do deputado deixa de mexer na Lei Antiterrorismo para propor a criação de uma nova legislação: o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado.
Governistas apontam que a proposta original de mexer na lei do terrorismo poderia causar danos econômicos e vulnerabilizaria a soberania brasileira, legitimando possíveis intervenções dos Estados Unidos, por exemplo, sob alegação de que estaria combatendo células terroristas brasileiras.
A oposição mantém o entendimento de que é preciso equiparar organizações criminosas ao crime de terrorismo.
“Se a decisão do relator for retirar a questão do terrorismo do texto dele, nós do PL temos interesse no projeto antiterrorismo”, afirmou Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara, ainda antes de o texto ser protocolado. “Crime de terrorismo exige cooperação de inteligência internacional, que está faltando ao Brasil para combater o crime organizado”.
Na segunda-feira (10), a Polícia Federal divulgou nota manifestando preocupação com o texto sugerido por Derrite, que, segundo a organização, retirava atribuições do órgão de investigação criminal.
“A proposta original, encaminhada pelo Governo do Brasil, tem como objetivo endurecer o combate ao crime e fortalecer as instituições responsáveis pelo enfrentamento das organizações criminosas. Entretanto, o texto em discussão no parlamento ameaça esse propósito ao introduzir modificações estruturais que comprometem o interesse público”, disse a PF.
A proposta do deputado, aponta a PF, obrigaria a instituição a só entrar em investigações a pedido de governos estaduais, “o que constitui um risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado”.
Divergências entre líderes partidários da Câmara dos Deputados adiaram a votação do projeto de lei antifacção, que estava prevista para acontecer ontem. A expectativa, agora, é que a análise da proposta ocorra hoje.
As lideranças da Câmara não conseguiram chegar a um acordo acerca das modificações feitas pelo relator do projeto, Guilherme Derrite (PP-SP).
O maior ponto divergente, dizem parlamentares, é sobre o papel da Polícia Federal no combate ao crime organizado. Governistas dizem que o texto apresentado por Derrite enfraquece a PF.
Para chegar a um consenso, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos) reuniu--se com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e depois voltou a se encontrar com líderes para trazer as sugestões de ajustes na redação.
“O texto está em negociação”, disse Motta após a reunião da manhã com líderes partidários. Antes, afirmou que a Câmara “não permitirá que a Polícia Federal perca as suas prerrogativas”.
O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), afirmou que atuará com Planalto e Hugo Motta para chegar a um entendimento com o relator, e disse acreditar que o projeto será votado hoje.
“Estou muito empenhado, desde as 7 da manhã, com Motta, na busca de um entendimento. O diálogo está ocorrendo. Vou agora ao Palácio e vamos construir um entendimento naquelas questões centrais. O debate agora é sobre o mérito do projeto”, disse.
Na segunda versão do texto, apresentada na segunda--feira (10), Derrite alterou o trecho sobre a atuação da PF. Agora, a PF poderá investigar facção por solicitação do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual, ou por iniciativa própria da PF, mediante comunicação às autoridades estaduais.
Líderes do governo na Câmara criticaram a proposta. “A autoria desse projeto é do Poder Executivo e o relator desfigurou esse projeto”, diz Lindbergh Farias (RJ), líder do PT na Casa legislativa.
“A questão da Polícia Federal é muito grave. O Comando Vermelho, por exemplo, não atua só no Rio de Janeiro. É interestadual. Reduzir o papel da Polícia Federal é gravíssimo e é uma espécie de blindagem”, afirmou Taliria Petrone (RJ), líder do Psol na Câmara.
Deputados ainda discutem se organizações criminosas seriam tipificadas como terrorista — outro ponto em que o governo é contra, argumentando que essa mudança cria pretexto para interferências de países estrangeiros no Brasil.
Caso o relator ceda nesse ponto, parlamentares do Centrão acreditam que o aumento das penas sugerido por Derrite se manteria ainda assim.
Derrite licenciou-se do cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo para reassumir temporariamente sua vaga como parlamentar, e foi escolhido por Motta para ser relator do projeto do governo Lula contra facções criminosas. Governistas consideraram a indicação um “desrespeito” ao presidente e sinalizaram um estremecimento na relação entre o Planalto e Motta.
Governistas tentarão “aperfeiçoar” a proposta
Por: Pepita Ortega e Victor Ohana (Agências Estado)
O líder do PT na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias (PT-RJ), afirmou, ontem (11), que foi “importante o recuo” do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) de não propor a tipificação das facções criminosas dentro da lei antiterrorismo. O deputado classificou como uma “vitória da racionalidade” a proposta de uma lei autônoma para o marco legal do combate ao crime e alfinetou: “Bastava ir no projeto original, que era justamente aquilo, um novo tipo penal. Era isso que a gente defendia, era mais fácil ter discutido o texto-base”.
Logo após o anúncio por Derrite de que serão propostas as tipificações do marco legal do crime organizado fora da Lei Antiterrorismo, governistas convocaram uma coletiva para reivindicar a autoria da proposta.
O líder do PT considera que Derrite anunciou um “recuo parcial”, mas que a base quer um “recuo total”, especialmente nos pontos que tratavam da atribuição da Polícia Federal, e aguarda a publicação do relatório do deputado — que é secretário de Segurança de São Paulo, licenciou--se do cargo e, assim que retornou à Câmara, foi escolhido pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos), como relator do projeto, encaminhado pelo Governo Federal. “Em relação à PF, não aceitamos negociar um milímetro de texto para retirar competências”, indicou.
De acordo com Lindbergh, a bancada ainda tentará “aperfeiçoar” pontos relacionados ao perdimento dos bens. Com relação a um acordo para a votação do texto, Lindbergh disse que o líder do governo, José Guimarães, “busca o acordo perfeito”, mas sinalizou que ele “está com o pé atrás”, diante das movimentações que ocorreram ante o PL antifacção no fim da semana passada.
Críticas
O texto inicialmente apresentado por Guilherme Derrite foi criticado por especialistas, pelo Governo Federal e pela Polícia Federal por condicionar as operações conjuntas entre policiais federais e estaduais a uma solicitação do governador.
O líder do governo, José Guimarães, defendeu que as atribuições da Polícia Federal não devem ser alteradas pelo projeto. “Polícia Federal nem dá para tirar, nem botar. É deixar como está. A Polícia Federal tem autonomia para fazer as operações que ela quiser. E, portanto, nós vamos buscar esse entendimento”, afirmou.
Outro tema de divergência era em relação às modificações na Lei Antiterrorismo. O substitutivo de Guilherme Derrite incluiu nessa lei as penas mais duras para os membros de facções criminosas.
O governo concorda que é possível aumentar as penas, mas que seja feito na Lei das Organizações Criminosas para evitar que país estrangeiro use a questão para prejudicar o Brasil.
“Nós somos favoráveis a aumentar a pena, então por que colocar na Lei Antiterrorista? Os prejuízos econômicos serão enormes, como já explicou o ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad. Um fundo da Arábia Saudita, que quer investir no país, às vezes tem cláusulas que não pode investir no país que tenha organizações terroristas”, justificou Guimarães.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de novembro de 2025.