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cotas de gênero

Justiça Eleitoral reconhece fraudes

publicado: 06/11/2023 09h46, última modificação: 06/11/2023 09h50
TRE começa a julgar processos e forma maioria para comprovar irregularidades praticadas por partidos em CG

por Juliana Teixeira*

O Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE) começou a julgar, na semana passada, os processos que tratam de fraudes na lei de cotas de gênero de três partidos de Campina Grande nas eleições de 2020: o Solidariedade, o Pros e o União Brasil. As ações visam comprovar o reconhecimento de candidaturas laranjas nas siglas partidárias. No julgamento, o TRE analisou cinco ações.

O Tribunal formou maioria para reconhecer a prática de fraude nos partidos União Brasil e Pros, reconhecendo a inexistência quanto ao Solidariedade. Com isso, ficam alcançados pela decisão e cassados os vereadores Dinho Papaléguas e Waldeny Santana, do União Brasil; e Carol Gomes e Rui da Ceasa, eleitos pelo Pros. A inelegibilidade de oito anos foi mantida para as candidaturas laranjas e também com relação ao vereador Waldeny Santana, que era à época presidente do União Brasil – e afastada quanto a Dinho Papaléguas.

Este é apenas um dos tantos casos de fraudes nas cotas de gênero, identificados pela Justiça Eleitoral. De dezembro de 2021 até o fim do ano passado foram pelo menos 16 processos em que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) julgou.

O estímulo à participação feminina através das cotas de gênero está na legislação brasileira desde 1997, quando foi lançada a chamada ‘Lei das Eleições’, a Lei nº 9.504/1997. Ela define que cada partido ou coligação deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa do Distrito Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Subentende-se, portanto, que os partidos precisam lançar 30% de candidaturas femininas, regra que passou a ser obrigatória a partir de 2009.

Tentativa de burlar a lei é problema histórico

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Tássia alerta para as candidaturas laranjas - Foto: Divulgação

Para a Tássia Rebelo, que é Cientista Política, a história do enfrentamento à sub-representação de mulheres no Legislativo brasileiro no cenário recente é muito marcada pela política de cotas, surgida na Lei das Eleições, e pela tentativa dos partidos políticos de burlar essa política. Foi daí que surgiram as chamadas ‘candidaturas laranjas’. “O que aconteceu é que ao invés de preencher as vagas, de início, os partidos apenas se comprometeram em reservar as vagas. Os partidos não chegavam a indicar nem os 30% previstos na lei, em vagas femininas”, diz.

Foi o movimento feminista que percebeu que não havia esforço e empenho dos partidos na construção de uma nova realidade, incluindo mulheres verdadeiramente. Então, após esforços, parlamentares conseguiram apoio no Congresso para mudar a lei já existente. Em 2009, quando foi elaborada uma minirreforma eleitoral que se acrescentou à lei vigente a necessidade de preencher com 30% do número de vagas as candidaturas de mulheres. Na verdade, o texto estabelece o termo sexo diferente, o que termina a apontar para as mulheres, que são mais alijadas, ou seja, excluídas destes espaços.

As candidaturas laranjas surgiram nessa perspectiva de que mulheres se candidatam, formalmente, mas que não são candidaturas competitivas, são pessoas orientadas a não disputar votos com os outros integrantes daquela chapa. São candidaturas sem o registro de votos, sem realização de campanha, sem uma atividade política com a intenção de buscar votos.

Foi nesse período que a cientista política aponta para o papel importante do Judiciário, que iniciou também uma cruzada contra os partidos que tentaram burlar essa legislação. “Os partidos tentaram ignorar essa legislação, então começou um trabalho forte do Judiciário para punir envolvidos. A maneira de combater essas candidaturas é combatendo a impunidade. A partir do momento que os atores políticos percebem que podem colocar em risco seu futuro eleitoral, então, pensam duas vezes. Foi o que aconteceu em uma cidade da Paraíba”, destaca Tássia Rebelo.

O caso citado pela cientista política aconteceu em Diamante, no Sertão da Paraíba, em fevereiro deste ano, quando a Justiça Eleitoral na Paraíba anulou votos, cassou mandatos e declarou inelegibilidade por oito anos de todos os vereadores e suplentes da cidade.

Este é um trabalho significativo, que na maioria das vezes, traz à própria mulher na política, o compromisso. A deputada estadual Camila Toscano, vice-presidente do PSDB, fez um discurso forte em que se comprometeu em promover verdadeiramente um salto na participação feminina nas próximas eleições. Foi durante a convenção realizada pelo partido, que tem focado o compromisso também em incluir os mais jovens e a diversidade em uma agenda política que visa pensar o futuro e construir mecanismos para aumentar a participação dessa parcela considerável da população nos processos decisivos na Paraíba.

Partidos incentivam mais participação

De acordo com Camila Toscano, o PSDB tem desenvolvido, por meio do PSDB Mulher, uma rede de apoio para todas as filiadas, incentivando-as a participarem da política mais diretamente, sendo candidatas ao cargo eletivo que desejarem. “O nosso objetivo é termos um grande número de mulheres participando das campanhas e chegando aos espaços de poder.

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Camila defende mais mulheres nas campanhas - Foto: Divulgação

Ainda falta muito. Sabemos que temos um trabalho pela frente, já que o grande problema da ausência feminina na política ainda é cultural, uma questão de educação. Precisamos incentivar a presença feminina em espaços de liderança e poder desde a escola. Isso vai permitir a presença de mulheres em todos os locais, sobretudo na política. É bem verdade que ainda temos muito para avançar, também, dentro dos partidos políticos. Sabemos que a maioria não incentiva como se deve a participação feminina, com apoio às candidaturas, ofertando recursos e orientações”, disse a parlamentar.

Apesar de não ter meta em números, haverá uma agenda pensada para que em 2024, as ações do partido voltadas às mulheres possam se ramificar pelos lugares mais distantes.
“ No próximo ano, faremos incursão pela Paraíba, levando orientações e treinamento para que mais mulheres tucanas estejam preparadas para as eleições. É essencial que estejamos nas Câmaras Municipais e nas prefeituras de todo o estado”, planejou.

E a construção da imagem e da estrutura feminina no partido passa também pelas mulheres trans e por toda a diversidade da vida atual. Nicole D´Lamark é mulher trans e vem liderando um trabalho que visa ressaltar a importância de abrir a política para a diversidade. “Com a inclusão de mulheres trans nesse processo, podemos trazer à tona pautas indispensáveis, como saúde, educação, emprego e moradia. Por isso temos que ter força para mostrarmos a cara e buscarmos espaços que também podem ser nossos. Temos trabalhado no PSDB essa oportunidade. A legenda abre portas. É um processo longo, mas que deve ser traçado passo a passo”, refletiu a integrante do movimento Diversidade Tucana.

Famup quer ampliar atuação das mulheres

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George, da Famup: foco na mulher na política - Foto: Divulgação

Já a Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup) tem mantido o foco em colaborar com o crescimento da participação feminina nas gestões municipais. Para isso, tem trabalhado nesta perspectiva, visando aumentar o número de mulheres vereadoras e prefeitas. Atualmente, na Paraíba, dos 223 municípios, apenas 40 são administrados por mulheres. De acordo com o presidente da Famup, George Coelho, é importante que as gestoras tenham sempre à disposição capacitações. “É de extrema importância incentivar que mais mulheres disputem e ocupem cargos de poder. Nós decidimos fazer esse treinamento para as mulheres para auxiliá-las no dia a dia da gestão e também nessa disputa eleitoral. A Famup tem um movimento de mulheres, comandado pela nossa 3ª vice-presidente Anna Lorena, que empodera mulheres, promove capacitações e luta contra o assédio e a violência política de gênero”, disse o presidente da Famup, George Coelho.

Para especialistas em marketing político, melhorar a comunicação pode ser fundamental na construção de uma candidatura e até no êxito de uma campanha. A jornalista Marly Lúcio tem uma vasta experiência em campanhas políticas e levanta a necessidade de se fortalecer a comunicação no processo de conquista de espaços, pois ainda há uma quantidade muito pequena de mulheres que se colocam como porta-vozes, que constroem base política, que estão capazes de obter força para a disputa.

“A comunicação é um atributo necessário em qualquer área de atuação. Para as mulheres que estão na política ainda mais! Não podemos esperar que apenas nosso trabalho fale por nós, é preciso que nossa voz seja realmente utilizada para expressar nossas ações, nossas ideias e nossos posicionamentos. Não devemos terceirizar essa competência. A comunicação é uma importante estratégia em defesa do empoderamento feminino e do fortalecimento das mulheres em espaços de liderança e poder. Entender isso se faz urgente”, explicou Marly Lúcio.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 05 de novembro de 2023.