A Paraíba passa a contar com uma legislação que restringe o financiamento público de eventos culturais que façam apologia ao crime organizado. A Lei nº 13.869, de autoria do deputado estadual Sargento Neto (PL), foi sancionada pelo governador João Azevêdo e publicada no Diário Oficial do Estado (DOE).
A norma proíbe a utilização de recursos públicos estaduais em shows, apresentações artísticas e eventos culturais que promovam ou façam apologia ao crime organizado, vedando, assim, a contratação, o patrocínio, o apoio ou a divulgação dessas iniciativas. Ainda estabelece diretrizes para fiscalização e prevê sanções administrativas, civis e penais para quem descumprir as normas.
De acordo com o texto, é considerado apologia ao crime qualquer manifestação artística que exalte, enalteça ou glorifique organizações criminosas, suas práticas ou símbolos. Para garantir o cumprimento da legislação, o Governo da Paraíba deverá criar mecanismos de análise prévia de conteúdo dos projetos e eventos culturais, a fim de identificar possíveis violações antes da liberação de recursos. Caso seja detectada desconformidade com a lei, a dispensação de verbas ou a realização de contratos será suspensa imediatamente.
Já os órgãos de controle estaduais, como o Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB), terão a incumbência de fiscalizar a aplicação dos recursos públicos destinados a eventos culturais, acompanhando contratos, convênios e subvenções, de modo a garantir o cumprimento da legislação.
O descumprimento da lei implicará penalidades severas: devolução integral dos valores públicos utilizados, corrigidos monetariamente; multa equivalente a 50% do valor total empregado; além da responsabilização administrativa, civil e penal dos gestores públicos e demais responsáveis pela contratação ou aprovação do apoio financeiro.
Na justificativa da lei, o deputado Sargento Neto destacou a preocupação com a influência de conteúdos que romantizam o crime, sobretudo entre os jovens. “Eventos que exaltam comportamentos ilegais ou violentos podem contribuir para a normalização dessas práticas na sociedade, especialmente entre os jovens, grupo mais vulnerável à influência de conteúdos que romantizam o crime”, afirmou.
Ele também ressaltou que a medida visa preservar o patrimônio cultural paraibano, orientando os recursos do Estado para iniciativas que respeitem os valores éticos, morais e sociais da população.
Posicionamentos
Apesar da defesa, a medida já gera polêmica. Setores culturais e especialistas em Direito questionam a objetividade dos critérios de análise e alertam para o risco de censura. Também há dúvidas sobre como será garantido o direito de defesa de artistas ou organizadores que se sintam prejudicados. Juristas avaliam ainda que a norma pode ser contestada judicialmente por suposta violação da liberdade de expressão e de manifestação artística.
O ativista Alex Araújo, integrante do coletivo Hip Hop Paraíba, criticou a iniciativa. Para ele, a lei retrocede na liberdade artística e cultural, sobretudo para a juventude periférica. “Ela demonstra um ímpeto de censura às culturas urbanas e transfere para a arte a responsabilidade no combate ao crime organizado, criminalizando jovens que usam a cultura como forma de resistência e sobrevivência. Isso pode trazer consequências graves, empurrando ainda mais essa juventude para a marginalização”, declara.
Já o advogado constitucionalista Henrique Toscano considera que a norma é válida, devendo-se ter a cautela de não criminalizar a prática de denunciar injustiças por meio da arte. “Existe uma apologia ao crime, que é algo mais direto: a convocação à prática do crime ou a celebração de um criminoso — não de um resistente —, validando os seus atos quando se está em um contexto de democracia. Isso é um tanto quanto diferente de encenações artísticas que retratam situações do passado, remontando cenas históricas, e que representam um retrato ou reconstrução de uma crítica social das injustiças”, aponta.
Toscano exemplifica, então, um cenário em que a lei pode ser aplicada. “Artistas já devidamente conhecidos, que fazem apologia ao tráfico de drogas como algo a ser incentivado, não podem, de forma alguma, ter qualquer tipo de benefício do dinheiro público, tendo em vista que, além de ser crime o que fazem, o Estado não pode promover esse tipo de atitude”, defende.
Lei Anti-Oruam
A iniciativa ficou conhecida como Lei Anti-Oruam em referência ao rapper carioca que motivou a discussão sobre o tema. Projetos semelhantes já foram aprovados em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Manaus, Palmas e Campo Grande, além de municípios como Ariquemes (RO) e Cascavel (PR). Em todos os casos, o objetivo é impedir o uso de verbas públicas para financiar eventos que façam apologia ao crime organizado, ao consumo de drogas ou a comportamentos ilegais.
Oruam é o nome artístico de Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, de 25 anos, um dos nomes mais populares da cena do trap nacional. Com mais de 13 milhões de ouvintes mensais no Spotify, ele tem presença marcada nos principais festivais do país. Seu repertório transita entre funk, rap e R&B, com letras que falam de ostentação, relacionamentos e vivências da periferia.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de setembro de 2025.