O presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu, ontem (10), em discurso na abertura oficial da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), um dos argumentos centrais na defesa do financiamento climático, ao mencionar o desvio do fluxo de recursos para ações socioambientais, em detrimento de gastos com guerras.
“Se os homens que fazem guerra estivessem aqui, eles veriam que é mais barato ajudar o clima do que fazer guerra”, declarou. Antes da fala do presidente brasileiro, o secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, Simon Stiell, usou seu discurso de abertura para traçar as vantagens econômicas para a transição para o desenvolvimento sustentável.
Lula reconheceu, ainda, que seria mais fácil realizar a COP em uma cidade sem problemas do ponto de vista logístico, mas alegou que a Conferência em Belém estaria sendo uma proeza. Lula pediu ainda para os delegados e outros participantes aproveitarem a cultura da cidade. “Trazer a COP para o coração da Amazônia foi uma tarefa árdua, mas necessária”, declarou.
O governo está refutando os argumentos sobre a possível falta de estrutura da capital paraense para a 30a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. “Quando se tem disposição política, compromisso com a verdade, não tem nada impossível para o homem”, afirmou Lula.
Realizada pela primeira vez na Amazônia — bioma com a maior biodiversidade do planeta e um regulador do clima global —, a COP30 tem o enorme desafio de recolocar o tema das mudanças climáticas no centro das prioridades internacionais.
Lula enfatizou que o aquecimento global pode empurrar milhões de pessoas para a fome e a pobreza, fazendo retroceder décadas de avanço, e lembrou o impacto desproporcional que a mudança do clima causa sobre mulheres, afrodescendentes, migrantes e grupos vulneráveis, o que deve ser levado em conta nas políticas de adaptação.
O presidente reafirmou o papel dos territórios indígenas e de comunidades tradicionais nos esforços de mitigação do aumento das temperaturas, pela preservação das florestas e, consequentemente, a regulação do carbono na atmosfera. “No Brasil, mais de 13% do território são áreas demarcadas para os povos indígenas. Talvez ainda seja pouco”.
Crítica aos negacionistas
Em seu discurso, Lula fez duras críticas aos que negam a ciência e usam a desinformação para contrariar as evidências trágicas das mudanças no clima global. Ele repetiu fala anterior de que a COP30 será a “COP da verdade”.
“Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo. Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio e espalham o medo. Atacam as instituições, a ciência e as universidades. É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas. Sem o Acordo de Paris, o mundo estaria fadado a um aquecimento catastrófico de quase cinco graus até o fim do século. Estamos andando na direção certa, mas na velocidade errada”, apontou.
Acelerar a ação climática
Lula pediu que os líderes acelerem as ações necessárias para conter o aumento da temperatura do planeta, voltou a defender um mapa do caminho para superar a dependência dos combustíveis fósseis — que causam 75% do aquecimento global — e sugeriu a criação de um conselho mundial sobre o tema.
“Avançar requer uma governança global mais robusta, capaz de assegurar que palavras se traduzam em ações. A proposta de criação de um Conselho do Clima, vinculado à Assembleia Geral da ONU, é uma forma de dar a esse desafio a estatura política que ele merece”, pontuou.
Ao citar o chamado à ação por parte do Brasil na COP30, Lula destacou a necessidade de formulação e implementação de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) mais ambiciosas, garantia de financiamento, transferência de tecnologia e capacitação aos países em desenvolvimento, além de priorizar políticas de adaptação aos efeitos da mudança do clima.
“A mudança do clima já não é uma ameaça do futuro. É uma tragédia do presente. O furacão Melissa que fustigou o Caribe e o tornado que atingiu o estado do Paraná, no Sul do Brasil, deixaram vítimas fatais e um rastro de destruição. Das secas e incêndios na África e na Europa às enchentes na América do Sul e no Sudeste Asiático, o aumento da temperatura global espalha dor e sofrimento, especialmente entre as populações mais vulneráveis”, observou.
Fafá de Belém
A abertura da COP30 contou também com a participação da cantora Fafá de Belém e da ministra da Cultura, Margareth Menezes. Juntas elas cantaram a canção “Emoriô”, de João Donato, e Fafá interpretou a música “Amazônia”, de Nilton Chaves. Também subiram ao palco indígenas da etnia Guajajara, do Maranhão, que dançaram e entoaram cantos em um ritual.
Governo ampliará monitoramento de desastres
Por: Paula Ferreira (Agência Estado)*
O governo brasileiro vai ampliar a cobertura do Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden). Até 2026, o centro que hoje monitora 1.133 municípios passará a monitorar 1.942 cidades — com isso, a cobertura chegará a 70% da população brasileira.
O Brasil tem sido vítima de sucessivos desastres ambientais. Nos últimos anos, o país viu catástrofes como as chuvas no Rio Grande do Sul e a seca na Amazônia. Mais recentemente, na semana passada, três tornados atingiram o Paraná e deixaram seis pessoas mortas. A adaptação climática é uma das prioridades do governo brasileiro na Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30).
“O convênio vai na direção de levar o que temos disponível de tecnologia para as cidades”, afirmou a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos.
Georreferenciamento
O Cemaden é o principal órgão de monitoramento de desastres do Brasil e já viveu sucessivas crises de falta de financiamento e escassez de mão de obra. Além da ampliação do Cemaden, o governo trabalha para disponibilizar os dados que hoje já existem a Estados e municípios. A ideia é que os entes usem essas informações para desenvolver políticas de adaptação à mudança do clima.
Uma proposta é criar um Sistema Nacional de Informações Georreferenciadas para fornecer os dados de forma compartilhada. Atualmente, o modelo existe apenas em três regiões metropolitanas: Belém (PA), Florianópolis (SC) e Teresina (PI). Agora, o formato será expandido para todo país.
“Vamos colocar o Cemaden, que tem estações geológicas e hidrológicas, que medem tanto a parte dos alagamentos, como também o deslizamento de barreiras, nós vamos fazer um acerto para que possa dispor dessas estações geológicas, hidrológicas, radar meteorológico, dados”, afirmou a ministra Luciana Santos.
Fundo de prevenção
Outra proposta que será apresentada pelo governo é a estruturação de um fundo para financiar projetos de prevenção a desastres em municípios de pequeno e médio porte, que tornem as cidades mais resilientes à mudança do clima. O ministro das Cidades, Jader Filho, afirmou que o haverá um aporte inicial de R$ 100 milhões. A ideia é mobilizar atores do setor privado para que possam contribuir.
Jader Filho reuniu-se com representantes da União Europeia para pedir apoio à iniciativa em favor das cidades brasileiras. O governo ainda não tem clareza sobre o funcionamento do mecanismo, que pode inclusive ser incorporado ao Fundo de Apoio à Infraestrutura para Recuperação e Adaptação a Eventos Climáticos Extremos (Fierce).
“O que a gente tem percebido é que os projetos, quando chegam para nós, não são projetos consistentes. A gente precisa financiar isso. Mas não adianta só arrumar o financiamento, tem que também ajudar na montagem desses projetos”, disse o ministro.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 11 de novembro de 2025.