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Maior desafio na defesa da mulher está na dimensão cultural, diz Estela

publicado: 07/03/2016 16h17, última modificação: 07/03/2016 16h17
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Estela Bezerra iniciou sua trajetória política aos 13 anos e hoje preside a Comissão de Constituição e Justiça, mais importante da ALPB - Foto: Altair Castro

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José Alves


A Assembleia Legislativa conta atualmente com quatro deputadas (de um total de 36) e a Câmara Municipal com apenas duas vereadoras (de 27 parlamentares), e mesmo com esse número reduzido do sexo feminino no parlamento, a deputada Estela Bezerra, afirma que as mulheres paraibanas têm o que comemorar no Dia Internacional da Mulher (8 de março), porque na Paraíba foi implantado um conjunto de políticas públicas em prol das mulheres que estão se consolidando e virando leis na Casa Epitácio Pessoa. Nessa entrevista exclusiva ao jornal A União, a deputada explica porque as mulheres estão em menor número no parlamento e conta como iniciou sua luta política ainda na pré-adolescência, aos 13 anos de idade.

“Na Assembleia nosso trabalho em defesa das mulheres é grande, mas temos muito que avançar, e nosso maior desafio está na dimensão cultural. A violência contra a mulher precisa ser tratada como uma coisa bem mais grave e é essa mudança cultural que precisa apontar as coisas que precisam ser transformadas. As mulheres não precisam estudar mais e trabalhar mais para ganhar menos. Isso é totalmente injusto”, observou a deputada.

Ao falar sobre a representatividade dos espaços para a mulher no parlamento, a deputada afirmou que a Assembleia Legislativa é como se fosse uma caixa de ressonância dos valores da sociedade. Aqui se constitui a representação política a partir dos seguimentos e da organização da sociedade.

Estela reconhece que atualmente existe uma sub-representação das mulheres em todo o parlamento brasileiro e a Paraíba não foge dessa regra. Segundo Estela, a ALPB tem hoje a menor bancada feminina dos últimos tempos. “Temos três deputadas em representação titular [Estela Bezerra (PSB), Daniela Ribeiro (PP) e Camila Toscano (PSDB)], e uma ocupando o cargo na condição de suplente [Olenka Maranhão (PMDB)]. Na Câmara Municipal temos apenas duas vereadoras [Elisa Virgínia (PSDB) e Raíssa Lacerda (PSD)]. A deputada lembrou que a Paraíba já teve seis deputadas titulares. “Perdemos espaço e deixamos de avançar, uma vez que a sociedade tem mais de 51% de composição de mulheres”.

Mas mesmo com esse número reduzido, Estela resaltou que na Assembleia Legislativa existe uma Comissão dos Direitos das Mulheres que tem uma atuação importante. Nós temos uma formulação de legislação que visa proteger as mulheres nas áreas de maior desigualdade que são a violência contra a mulher. Porém, do ponto de vista da discussão cultural, que toca naquilo que é a base da desigualdade das discriminações, as mulheres por serem mulheres, são mais vulneráveis e inferiores e essa discussão ainda não é adequadamente bem conduzida na Casa. A expressão do machismo é constante e continua em todos os ambientes e também está presente nos discursos feitos na AL.

“A percepção que tenho é que o machismo que está na sociedade, também está presente nos espaços da política. Para você estar na política é preciso muito tempo disponível para a vida pública. E as mulheres ainda são as maiores responsáveis pela organização da vida doméstica. É muito difícil uma mulher ir à noite para uma reunião de sindicato ou de reorganização comunitária. Para a mulher, ainda é complicado estar disponível em todos os horários, sem se preocupar com a agenda dos filhos ou com as pessoas da casa que estão doentes. Ela precisa estar atenta a tudo isso e também com a rotina administrativa”.

Segundo Estela, essa agenda segue as mulheres que compartilham responsabilidades públicas e privadas e isso explica, porque as mulheres estão em menor número no parlamento, porque não são estimuladas à fala pública. Essa parte ainda cabe aos homens em muitas comunidades. As mulheres ficam sempre com a parte da organização. É muito comum quando as mulheres estão falando alto, e alguém dizer aquela é uma mulher histérica. Os homens gritam quase que o tempo todo e ninguém chama um homem de histérico por isso.

Trabalho à frente da CCJ

Na Assembleia Legislativa Estela é presidente da Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante comissão da Casa. Para ela, estar à frente da CCJ tem sido um grande aprendizado. “Foi muito atrevimento meu entrar na Casa no primeiro mandato e presidir a CCJ. Mas eu tenho sido muito feliz em ter essa oportunidade. Afinal, sou a primeira mulher a presidir essa comissão e espero estar realizando esse trabalho adequadamente e tenho aprendido muito com meus colegas que têm mais experiência.

Segundo Estela, tem pessoas na AL que têm vocação mesmo para o parlamento. Pessoas que eu não conhecia a postura, mas que passei a admirar porque eles têm sido exemplo. “Eu espero que ao término de minha experiência à frente da CCJ, ter feito uma contribuição diferenciada e com muitas inovações”.

Início por liberdade e acesso à cultura

Estelizabel Bezerra de Souza, mais conhecida como Estela Bezerra ou simplesmente Estela, é formada em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba. Ela contou que sua luta política teve início na pré-adolescência, aos 13 anos, bem antes da formação acadêmica. Ela contou que no início tinha mais atribuições domésticas que seus irmãos, mas não aceitava. Logo em seguida percebeu que era uma estudante de periferia, vinha de uma família de servidores públicos, era usuária de transporte coletivo, praticante de esporte, e por conta de sua habilidade desportiva chegou a ter acesso a bolsa de estudos em uma escola privada.

Estela contou também que tinha uma vida muito regrada. Era uma vida de estudo e de treino, e tudo isso usando os transportes coletivos. “Eu era mais vulnerável do que meu irmão por ser mulher e às vezes a gente não tinha a condição de vir pra casa almoçar, porque o transporte coletivo demorava muito. Morávamos no Conjunto Zé Américo, um conjunto novo que na época era considerado distante. Desde então, comecei a reivindicar, logo cedo mais transporte coletivo, ou seja, o direito de ir e vir, bem como o acesso à cultura, e à meia-entrada no cinema. Essas foram minhas primeiras causas políticas”, lembrou a deputada.

Estela disse que a partir dessas reivindicações, começou a se organizar em grupos estudantis. Passou a fazer parte do Movimento Estudantil Secundarista, momento em que participou do histórico movimento em frente ao Liceu pela meia-entrada e sofreu repressão, porque o período ainda era de ditadura. Ela afirmou que foi um movimento importante para a época (início dos anos 80), e mais importante ainda, para sua formação política.

Histórico sem herança de mandato

Depois de passar dez anos como gestora de políticas públicas, como secretária das Mulheres e secretária da Transparência Pública, coordenando o Orçamento Democrático da cidade de João Pessoa, Estela assumiu o cargo de secretária de Planejamento, período em que pôde transformar a cidade de João Pessoa num lugar mais justo, mudando principalmente a periferia da cidade. Estela também foi secretária de Comunicação Social durante a primeira gestão de Coutinho como governador.

Mas ela ganhou mesmo notoriedade quando foi indicada pelo PSB e por Ricardo Coutinho como pré-candidata a prefeita da capital paraibana em 2012, após vencer uma polêmica disputa interna dentro do partido com o então prefeito Luciano Agra, ex-aliado de Coutinho e de quem também foi secretário de Planejamento que buscava disputar a sua reeleição.

Nas eleições municipais de 2012, com o apoio do governador Ricardo Coutinho, foi candidata a prefeita de João Pessoa ficando com o terceiro lugar na disputa com uma votação de 74.498 votos (20,08% dos votos válidos) e de fora do segundo turno por uma diferença de apenas 672 votos, sendo superada respectivamente pelo candidato Luciano Cartaxo do PT, apoiado pelo prefeito Luciano Agra, e pelo senador e ex-prefeito Cícero Lucena do PSDB que teve apenas 0.19% dos votos a mais que Estela.

Vitória na ALPB

No entanto, ela teve mais votos que o ex-governador José Maranhão do PMDB que ficou em quarto lugar. Após a luta pela prefeitura Estela se elegeu deputada estadual em 2014 com 34.929 votos pelo Partido Socialista Brasileiro, sendo a mais votada na capital João Pessoa.

Atualmente, como deputada Estela disse estar fazendo o possível para que a política lhe faça bem e também que ela seja uma boa política. “Certamente se isso acontecer, o natural é que no futuro, eu assuma outras missões”, pontuou a deputada.

Ela enfatizou que sempre tem assumido missões mais desafiadoras. E se tudo der certo, certamente irá responder por outras demandas. “Acredito que faço parte de um pequeno grupo de um perfil da política que não herdou mandato. Que não tem uma trajetória na forma antiga de fazer política. Então, nosso desafio é muito maior, é estar no espaço político não se deixando contaminar pelos vícios do ambiente e ao mesmo tempo consolidando uma nova maneira de fazer política, respeitando a trajetória que me constituiu como agente político que vem dos movimentos sociais, com a coragem de fazer o debate do contraditório”.

No que diz respeito à crise econômica que passa o País, a deputada reconhece o momento mas não vê essa crise como a pior do Brasil. Segundo Estela a moeda brasileira já foi muito mais desvalorizada. O que temos no País é uma crise ética e política e para que ela seja superada é preciso muito rigor e postura íntegra, principalmente pelo segmento político.

“Quem não presta para a política tem que ser retirada dela. Quem tem que estar na política é quem se interessa pelo interesse coletivo e não pelo interesse privado e individual. Esse é o grande desafio que temos hoje em nossa sociedade e eu estou muito antenada em não me distanciar dessa realidade”, concluiu a deputada.

Líder reconhecida junto à sociedade

A deputada contou que também atuou como ativista dos direitos das mulheres, ao entrar para a ONG Cunhã – Coletivo Feminista – onde começou exercendo o cargo de estagiária, e em seguida, o cargo de coordenadora executiva. Ela disse que foi na Cunhã que obteve o maior crescimento de sua vida profissional, porque teve a oportunidade de conhecer a América Latina, a capilaridade social da cidade de João Pessoa e do Estado da Paraíba e também a oportunidade de conhecer a Argentina e o Chile, o que lhe proporcionou sua visão de mundo.

Para Estela, o feminismo e o materialismo histórico, lhe deram a condição de perceber onde são geradas as desigualdades entre homens e mulheres. “O mais interessante é que foi através da Cunhã que eu pude ser identificada como uma liderança”.

Em seguida virei gestora de políticas públicas, na primeira gestão de Ricardo Coutinho como prefeito de João Pessoa. Foi o período que assumi a Secretaria das Mulheres e a partir daí, tive uma outra experiência histórica, que foi sair do lugar de formadora de políticas públicas e ir para lugar de responsável por fazer funcionar essas políticas”, disse Estela afirmando que essa mudança foi muito interessante em sua vida.