Políticos da Paraíba rechaçaram as declarações do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que, ao criticar a formação de um fundo para o Nordeste, Centro-Oeste e Norte, disse que a região estaria tendo “um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito”. As reações foram inúmeras. No último domingo, o governador João Azevêdo (PSB), que é presidente do Consórcio Nordeste, emitiu uma nota demonstrando preocupação com o movimento. Azevêdo colocou que não houve intenção de separatismo na criação do Consórcio Nordeste. A nota repercutiu em todo o país.
“O Consórcio Nordeste imediatamente anuncia em seu slogan que é uma expressão de ‘O Brasil que cresce unido’. Enquanto Norte e Nordeste apostam no fortalecimento do projeto de um Brasil democrático, inclusivo e, portanto, de união e reconstrução, a referida entrevista parece aprofundar a lógica de um país subalterno, dividido e desigual. Já passou da hora do Brasil enxergar o Nordeste como uma região capaz de ser parte ativa do alavancamento do crescimento econômico do país e, assim, contribuir ativamente com a redução das desigualdades regionais, econômicas e sociais”, enfatiza a nota do Consórcio Nordeste.
As declarações do presidente do Consórcio Nordeste abriram as portas da insatisfação em outros representantes políticos da Paraíba. O presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), deputado estadual Adriano Galdino, intitulou a fala de Zema como delinquente e criminosa. “Essa fala atenta contra o pacto federativo e contra nossa Constituição Federal. Na fala dele tem uma verdade, quando diz que os estados do Sul e Sudeste são mais desenvolvidos do que o Nordeste. Isso acontece porque a nação brasileira sempre investiu maciçamente no Sul e Sudeste, em detrimento do Norte e Nordeste. Dos 39 presidentes do Brasil, 32 foram do Sul e Sudeste e esses presidentes quando eleitos, só investiram nos seus estados e nas cidades natal e na sua região. Deixando o Norte e o Nordeste com as sobras orçamentárias, com os restos orçamentários. Por tudo isso que o Sul e o Sudeste são desenvolvidos e o nosso Nordeste passa por dificuldades financeiras. Nós precisamos nos unir para combater esse tipo de fala preconceituosa”, disse.
O coordenador da bancada federal paraibana no Congresso, Damião Feliciano (PDT), disse que a declaração foi inoportuna e infeliz e que os deputados estarão unidos contra esse tipo de fala. O Brasil tem dimensões continentais e precisa ser unido e não ter ideias separatistas. Temos que trabalhar a ideia de união.
Governador de Minas Gerais quer frente em resposta ao NE
As declarações de Romeu Zema foram feitas no último fim de semana, durante entrevista ao Estadão, ao defender a formação de um consórcio entre Sul e Sudeste em resposta à articulação entre governadores nordestinos. Romeu Zema disse em trechos durante a entrevista:
“Já decidimos que além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos - que é o que nunca tivemos - protagonismo político. Outras regiões do Brasil, com estados muito menores em termos de economia e população, se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília. E nós, que representamos 56% dos brasileiros, mas que sempre ficamos cada um por si, olhando só o seu quintal, perdemos”.
"Já passou da hora do Brasil enxergar o Nordeste como uma região capaz de ser parte ativa do alavancamento do crescimento econômico do país" João Azevêdo
“Ficou claro nessa reforma tributária que já começamos a mostrar nosso peso. Eles queriam colocar um conselho federativo com um voto por estado. Nós falamos, não senhor. Nós queremos ser proporcional à população. Por que em sete estados em 27, iríamos aprovar o quê? Nada. O Norte e Nordeste é que mandariam. Aí, nós falamos que não. Pode ter o Conselho, mas proporcional. Se temos 56% da população, nós queremos ter peso equivalente”.
“A reforma tributária e a representatividade no Senado [ao falar sobre a agenda prioritária para o Cossud]. Temos feito o mesmo trabalho com os senadores de nossos estados e o que nós queremos é que o Brasil pare de avançar no sentido que avançou nos últimos anos - que é necessário, mas tem um limite - de só julgar que o Sul e o Sudeste são ricos e só eles têm que contribuir sem poder receber nada”.
“Está sendo criado um fundo para o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Agora, e o Sul e o Sudeste não têm pobreza? Aqui todo mundo vive bem, ninguém tem desemprego, não tem comunidade...Tem, sim. Nós também precisamos de ações sociais. Então Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década. Se não você vai cair naquela história, do produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito”.
Após a repercussão negativa, o próprio Romeu Zema utilizou as redes sociais para tentar amenizar as questões. “A união do Sul e Sudeste jamais será para diminuir outras regiões. Não é ser contra ninguém e sim a favor de somar esforços, diálogo e gestão são fundamentais para o país ter mais oportunidades. A distorção dos fatos provoca divisão, mas a força do Brasil está no trabalho em união”.
Presidente do Senado diz que tratamento será igual
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se pronunciou no início da tarde de ontem”que os estados terão tratamento igualitário na Reforma Tributária. Infelizmente temos alguns governadores que estão ‘em modo eleição’”, disse.
O prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena, lembrou que Minas Gerais é um estado beneficiado pelos recursos da Sudene. “O Vale de Jequitinhonha é beneficiado pela Sudene da mesma forma que os estados do Nordeste. Qualquer cidadão de bem do país pode alimentar o separatismo no país, isto é facismo. Temos que buscar a união de um país mais justo, mais humano, mais igualitário, independente do processo geográfico”, disse o prefeito da capital.
O Consórcio Nordeste foi criado em 2019 como uma espécie de ferramenta de gestão para os nove governos estaduais. Ele permite realizar compras compartilhadas em larga escala de produtos comuns aos estados, além de fortalecer as articulações políticas da região junto ao Governo Federal e ao Congresso Nacional. Integram o Consórcio os estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, com o propósito de promover o desenvolvimento sustentável.
A nota do Consórcio classificou como danosa a fala de Zema e pontuou: “O Consórcio Nordeste, assim como o da Amazônia Legal, valendo-se da profunda identidade regional, cultural e histórica, foram criados com o objetivo de fortalecer essas regiões, unindo os estados em torno da cooperação e compartilhamento de melhores práticas e soluções de problemas comuns, buscando contribuir com o desenvolvimento sustentável e a mitigação de nossas desigualdades regionais. É importante reafirmar que a união regional dos estados do Nordeste e, também, os do Norte, não representa uma guerra contra os demais estados da Federação, mas uma maneira de compensar, pela organização regional, as desigualdades históricas de oportunidades de desenvolvimento. Nesse contexto, indicar uma guerra entre regiões significa não apenas não compreender as desigualdades de um país de proporções continentais, mas, ao mesmo tempo, sugere querer mantê-las, mantendo, com isso, a mesma forma de governança que caracterizou essas desigualdades”.
Sobre a formação de um Consórcio do Sul e Sudeste a nota diz que pode representar um avanço na consolidação de um novo arranjo federativo no país. “Esse avanço, porém, só vai se dar na medida em que todos apostamos num Brasil que combate suas desigualdades, respeita as diversidades, aposta na sustentabilidade e acredita no seu povo. Assim, nós, governadores e governadoras da região Nordeste, além de defendermos um Brasil cada vez mais forte e próspero, apelamos pela união nacional em torno da reconstituição de áreas estratégicas para o nosso país, a exemplo da economia, segurança pública, educação, saúde e infraestrutura”.
Em uma das principais falas, Romeu Zema afirmou: “Está sendo criado um fundo para o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Agora, e o Sul e o Sudeste não têm pobreza? Aqui todo mundo vive bem, ninguém tem desemprego, não tem comunidade...Tem, sim. Nós também precisamos de ações sociais. Então Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década. Se não você vai cair naquela história, do produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito”.
Acolhido por parte da direita como um dos possíveis sucessores de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, Romeu Zema foi defendido pelo deputado federal bolsonarista Cabo Gilberto, que intitulou a questão como fake news. “Os políticos foram criticando as falas do governador sem ler a matéria”, disse o parlamentar.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 8 de agosto de 2023.