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Norma é zona cinzenta para gestores

publicado: 09/12/2025 08h46, última modificação: 09/12/2025 08h46
Dificuldades na assimilação e no cumprimento de regras resultaram na abertura de mais de quatro mil processos
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Dados do TCE-PB, órgão responsável pelo controle externo, apontam que falhas mais recorrentes concentram-se nas fases de planejamento e execução contratual | Foto: Divulgação/TCE-PB

por Paulo Correia*

A modernização da gestão pública brasileira é um processo contínuo que enfrenta desafios constantes. Um bom exemplo disso é o cumprimento da Lei nº 14.133, que, desde 2024, passou a ser obrigatória nos processos licitatórios, modificando, significativamente, a forma de aquisição de bens e serviços pela administração pública.

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos foi promulgada em 2021, prevendo um período de dois anos de transição para sua obrigatoriedade. Em março de 2023, foi prorrogada via Medida Provisória nº 1.167, facultando aos gestores, até dezembro de 2023, a adoção da nova ou da antiga legislação. Sendo assim, desde 2024, todos os processos licitatórios são regidos pela nova legislação, o que ainda acaba gerando dificuldades aos gestores para o seu cumprimento.

De 1º de janeiro a 26 de novembro de 2025, o Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB) julgou 4.364 processos relacionados à nova Lei de Licitações. De acordo com o presidente da Corte, Fábio Nogueira, as falhas mais recorrentes concentram-se nas fases de planejamento e execução contratual.

“Existe uma necessidade premente de aperfeiçoar as rotinas de gerenciamento de riscos, desde a formulação da demanda até o recebimento do objeto contratado. Identificamos, também, a necessidade de melhorias nas pesquisas de preços”, pontua.

 Conforme o presidente do TCE-PB, servidores das Prefeituras de Teixeira, Catolé do Rocha, Serra Branca, Picuí, Guarabira e Itabaiana foram submetidos a treinamentos e, neste mês de dezembro, serão realizadas atividades nas cidades de Bayeux, Região Metropolitana de João Pessoa, e Picuí, na região da Borborema.

“Já iniciamos preparativos para futuras capacitações de equipes responsáveis, previstas para acontecerem ao longo de 2026, com fins de que o tema seja levado diretamente para o maior número possível de fiscais e gestores de contratos”, declara.

O secretário-chefe da Controladoria Geral do Estado (CGE), Letácio Guedes, defende que a nova lei busca simplificar a burocracia e tornar as compras públicas mais objetivas, focando na real necessidade da administração. Contudo, a lei ainda sofre resistência dos gestores por conta de “mais de 20 anos de uma legislação com rigidez que parte para outra em que você tem mais liberdade”.

A mudança de paradigma do menor preço para o melhor preço é apontada como uma das principais mudanças na lei. Para Letácio Guedes, muitos gestores não assimilaram que “a lei mudou a chave” e é preciso encontrar o melhor preço para as necessidades de determinada localidade.

Além disso, Guedes também reforça a incorporação da Gestão de Riscos como um dos principais desafios para o cumprimento da nova lei. “É essa cultura que tem que ser assimilada pela administração. É como a gente fala: ‘quem tem gestão de riscos, administra contingências; quem não tem, administra crise’”, aponta.

O presidente da Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup), George Coelho, avalia positivamente a nova legislação, uma vez que ela permite maior proteção jurídica aos gestores e maior transparência nos processos licitatórios. Por outro lado, ele acredita que a falta de qualificação técnica, principalmente nos municípios de pequeno porte, pode comprometer a correta aplicação da lei, gerando problemas na tramitação das licitações.

George Coelho pondera que a entidade não registrou nenhuma reclamação sobre a lei, por parte de um gestor municipal, e tem realizado constantes treinamentos e assessoramento aos Municípios, “para o aprimoramento das equipes de licitação, fazendo com que a proteção do recurso público seja sempre consolidada com os órgãos controladores”.

Controladorias municipais são aliadas nos atos de fiscalização

O advogado criminalista Iarley Maia destaca que a nova lei trouxe mudanças significativas no combate às fraudes e às irregularidades em contratações públicas, ressaltando o agravamento das penas, com algumas chegando a dobrar.

“Eu chamo a atenção para os crimes mais comuns nesse tipo de procedimento, que são a fraude, a frustração, ao caráter competitivo da licitação, que na lei anterior era de dois a quatro anos e multa. Hoje, esse mesmo crime tem pena de quatro a oito anos e multa”, ressalta.

Para Alex Taveira, especialista em Direito Administrativo e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a nova legislação representa um salto qualitativo nas licitações brasileiras, buscando a modernização dos processos, mas sua plena eficácia dependerá do fortalecimento dos mecanismos de controle interno e da garantia de uma transparência efetiva para o controle social.

No cenário paraibano, o docente aponta que, mesmo com a nova lei, irregularidades como empresas fantasmas ou laranjas, superfaturamento de obras e contratações irregulares (com dispensas de licitação indevidas) persistem e desafiam as autoridades.

“Você percebe que, mesmo diante dessa nova legislação, as fraudes continuam e o Tribunal de Contas continua a combater. Empresas criadas somente para concorrer em licitações, empresas fantasmas ou empresas laranjas, isso é muito difícil de combater, muito embora o TCE-PB tenha uma ferramenta muito poderosa, chamada Ajunta, que tem permitido que o Tribunal faça um controle mais efetivo, fazendo o cruzamento de dados de empresas [licitantes]”, sustenta.

Alex Taveira acrescenta, ainda, que, embora o controle externo seja eficaz, ele é tardio e que o fortalecimento dos órgãos de controle interno, como as controladorias municipais, é fundamental para uma fiscalização mais proativa e segura. “O controle externo funciona bem, mas ele vem posteriormente. Os órgãos de controle interno, as controladorias internas nas Prefeituras, têm um papel muito importante em fiscalizar e combater essas irregularidades”, enfatiza.

No que tange à identificação de fraudes, como conluios ou empresas de fachada, o TCE-PB tem se valido de ferramentas de inteligência artificial (IA), destacando o Turmalina — um robô fiscal que monitora e avalia, diariamente, a qualidade e a conformidade das informações divulgadas nos Portais da Transparência, verificando o cumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) e outras legislações.  Essa iniciativa visa auxiliar tanto o controle social quanto os trabalhos das equipes de fiscalização, que também contam com outros sistemas de Tecnologia da Informação, como o Ajunta e o Observatório Sagres, para identificar práticas fraudulentas em contratações públicas.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 7 de dezembro de 2025.