Prestes a completar vinte dias de gestão, os prefeitos e prefeitas da Paraíba têm aproveitado o mês de janeiro para definir as equipes de governo e planejar as ações para enfrentar os problemas e atender às demandas da população nos 223 municípios dos estado. Mais do que “arrumar a casa”, é neste período que os Executivos municipais começam a identificar os desafios para os próximos anos e a estabelecer as diretrizes e objetivos estratégicos que nortearão, por exemplo, a elaboração dos respectivos Planos Plurianuais (PPAs) — instrumento orçamentário apresentado a cada quatro anos, no primeiro ano de cada mandato, com as metas a serem alcançadas pela administração.
Fundamental a qualquer exercício de gestão, o processo de planejamento adquire ainda mais importância em cenários de intensas mudanças como o experimentado pela Paraíba. De acordo com informações do Censo Demográfico de 2022, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado apresentou o segundo maior crescimento populacional entre os estados do Nordeste nos últimos anos, saltando de 3.766.528 habitantes, em 2010, para 3.974.495, em 2022, o que significa um acréscimo de 207.967 pessoas e uma alta de 5,5%.
Ainda segundo os dados do Censo, as 10 maiores cidades da Paraíba em termos de população são: João Pessoa (833.932 habitantes), Campina Grande (419.379) Santa Rita (159.121), Patos (103.165), Bayeux (97.519), Sousa (67.259), Cabedelo (66.519), Cajazeiras (63.239), Guarabira (57.484) e Sapé (51.306). Juntos, os municípios correspondem a quase metade (48%) da população total do estado. Para compreender os desafios a serem enfrentados pelas Prefeituras nessas cidades, A União conversou com especialistas em políticas públicas, que comentaram sobre questões imprescindíveis ao desenvolvimento sustentável dos municípios, como políticas de distribuição de renda, desenvolvimento tecnológico, diversificação econômica e qualificação profissional.
João Pessoa
Em João Pessoa, por exemplo, cujo Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassa a marca dos R$ 22,2 bilhões — o maior do estado —, a desigualdade social é um dos principais problemas a serem encarados pela gestão municipal. Segundo o IBGE, a capital paraibana lidera o ranking de concentração de renda na comparação com as demais capitais do país.
De acordo com o economista e professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação Superior da Universidade Federal da Paraíba (PPGAES/UFPB), Paulo Cavalcanti, a questão da desigualdade é histórica e sua superação passa pela ampliação dos chamados “mecanismos de equidade” que permitam aos grupos de baixa renda acessar empregos com remunerações mais altas.
“Para reverter a desigualdade de renda, precisamos: ampliar o acesso da população aos níveis mais elevados de educação formal, especialmente o superior; dar amplo acesso à moradia (resolvendo o problema de habitação) e à saúde pública; e diversificar a atividade econômica, produzindo uma maior variedade de produtos e introduzindo atividades de maior conteúdo tecnológico e maior valor adicionado, permitindo a criação de mais e melhores empregos”, enumerou.
Em paralelo às políticas de distribuição de renda, o economista e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI) da UFPB, Ítalo Fittipaldi, observa que o crescimento populacional da cidade — que recebeu mais de 110 mil novos moradores na última década — tem imposto “uma pressão muito forte sobre políticas públicas, como as de acessibilidade, mobilidade urbana, segurança, além dos serviços de qualidade em educação e saúde”.
“João Pessoa, hoje, é uma cidade que precisa de equipamentos públicos de maior qualidade, melhor distribuídos pelos bairros, com um planejamento urbano sério. Isso é o que vai garantir um crescimento com qualidade de vida. O desafio, portanto, não é apenas gerar essas políticas propriamente ditas, porque elas já existem, já estão na praça. O desafio é fazer com que elas cheguem a mais pessoas e que cheguem com qualidade”, pontuou.
Campina Grande
No caso de Campina Grande, ambos os pesquisadores concordam que os gestores da Rainha da Borborema deveriam investir “mais e melhor” no desenvolvimento tecnológico como vetor de avanço econômico e social.
Segundo Paulo Cavalcanti, embora conte com uma série de serviços tecnológicos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) — particularmente em Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)—e possua um grande número de patentes depositadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o município ainda enfrenta limitações para aproveitar esse potencial: “Grande parte desses serviços e patentes são criados pelos professores universitários das federais (UFPB e UFCG), da estadual (UEPB) e do IFPB e, quando são transformados em inovações, são as empresas de fora do estado (e até de fora do país) que mais se beneficiam (não gerando bons empregos e salários no estado). E, quando não viram uma inovação, permanecem apenas como patentes citadas no currículo dos professores”, analisou.
Para Ítalo Fittipaldi, Campina Grande dispõe de uma série de condições para se desenvolver como “cidade inteligente”, mas ainda esbarra na “falta de visão” das elites locais para “a nova vocação” do município.
“Vocação para comemorar São João não promove desenvolvimento sustentável. Não dá para você desenvolver uma cidade simplesmente investindo em uma festa que ocorre uma vez por ano. Isso é para cidades minúsculas. Campina é uma cidade de porte médio do interior do Nordeste com duas universidades públicas — uma federal e uma estadual. Isso não é pouca coisa. Mas é preciso articulação, é preciso coordenação política. Desenvolvimento não é um fenômeno natural. É um fenômeno criado pelos atores sociais, e isso está faltando a Campina Grande”, criticou.
Sertão
Sobre os grandes municípios do Sertão paraibano, os especialistas destacam a importância de um planejamento que aponte estratégias de diversificação econômica na região que, até hoje, tem a produção agropecuária como um de seus principais expoentes. Neste sentido, Fittipaldi atenta para a chegada das indústrias de energia —eólica e solar — como oportunidade a ser aproveitada pelos municípios.
“Existe uma grande chance de desenvolver toda a região com base nesse tipo de indústria, mas isso precisa ser acompanhado de políticas públicas, em especial de capacitação e formação técnica. No momento em que essas indústrias gerarem demanda de emprego, ela vai mudar a massa salarial da cidade, o que é um elemento positivo, porque atrai outros tipos de investimentos que, por sua vez, devem gerar outros tipos de geração de emprego em uma espécie de efeito multiplicador”, explicou.
O “efeito multiplicador” do investimento no setor industrial também foi reforçado pelo professor Paulo Cavalcanti como parte do processo de diversificação econômica. Segundo ele: “é fundamental que a economia paraibana seja capaz de incorporar algumas atividades produtivas industriais e de serviços oferecidos à indústria nos setores de máquinas e equipamentos. São esses os setores econômicos com capacidade para gerar ampliação da renda e do emprego que possui efeitos multiplicadores nas demais atividades econômicas (bens e serviços de consumo)”.
Consórcios municipais são estratégia para o desenvolvimento
Ao analisar as perspectivas de Sapé, Bayeux, Santa Rita e Cabedelo, os especialistas observam que, devido à proximidade com a capital, tais cidades acabam assumindo um perfil de “cidade-dormitório” — com boa parte da população trabalhando fora do município —por não terem a capacidade de, sozinhas, gerarem emprego na quantidade e qualidade desejadas pelos cidadãos. Em casos assim, os pesquisadores apontam para a importância da formação de consórcios municipais como estratégia de fortalecimento político e desenvolvimento econômico regional para que garantam um mínimo de autonomia em relação à capital.
Segundo Ítalo Fittipaldi, a solução pode ser válida também para Guarabira e os municípios em seu entorno. Contudo, o economista acrescenta a necessidade de qualificação dos próprios gestores para administrar a relação entre as Prefeituras.
“A capacitação técnica da administração pública, às vezes, é esquecida, mas é muito importante para poder pensar a cidade, atender às demandas de empresários, gerar emprego e preparar uma mão de obra qualificada para a oferta de produtos e serviços. No caso de Guarabira, por exemplo, a qualificação pode ajudar, por exemplo, a organizar e evitar (ou pelo menos aliviar) a sobrecarga sobre serviços que as cidades vizinhas não dispõem, como serviços de saúde ou até de educação”, sublinhou.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de janeiro de 2025.