Jadson Falcão - Especial para A União
O movimento de ocupação de escolas, institutos federais e universidades por parte de estudantes, principalmente secundaristas, que reivindicam a revogação de uma série de medidas anunciadas pelo governo federal, se tornou uma realidade nos últimos dias em todo o País, e foi alvo de decisões judiciais polêmicas que possibilitaram a tortura psicológica, e incitaram os manifestantes a deixar os locais, mesmo sendo a ocupação forma de protesto considerada legal, de acordo com a Constituição Brasileira.
Os estudantes protestam especificamente contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, a chamada “PEC do Teto”, a “Reforma do Ensino Médio” e o projeto “Escola Sem Partido”, e a justificativa dada para a retirada dos manifestantes pela Justiça foi a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que acontece neste final de semana.
Mais de 300 escolas e universidades seguem ocupadas em todo o Brasil, e na Paraíba, os campi dos Institutos Federais de João Pessoa, Sousa e Guarabira, e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em Sumé e Bananeiras ainda contam com a presença dos estudantes, o que impossibilitou a realização das provas nesses locais.
“Acredito que as ocupações são a maneira mais legal possível, do ponto de vista jurídico, de mostrar que a escola é dos estudantes. A nossa escola é nossa, e se a gente não está satisfeito com alguma coisa, a gente não vai sair de dentro até isso mudar, ou pelo menos até todo mundo entender que não estamos satisfeitos”, explicou a estudante Elêusis Monteiro, uma das organizadoras das ocupações que acontecem no Estado.
De acordo com o estudante Felipe Aragão, integrante do Grêmio Estudantil do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) - Campus João Pessoa, as ocupações são essenciais e têm a função de alavancar a sociedade e escancarar a gravidade da situação em que se encontra o País.
“Tem sido perceptível, nos últimos protestos, que a população entende e concorda com a nossa pauta, e a ocupação vem como meio de manifestação perene contra essas medidas incoerentes e contra os últimos ataques à população mais pobre e aos serviços públicos essenciais e obrigatórios”, afirmou Felipe, para quem as ocupações têm sido “bastante produtivas, discursivas e importantes”.
“É fundamental que a comunidade estudantil mostre sua força e união de maneira constante e não exclusivamente em manifestações de um dia só, e temos realizado atividades de debate, formação política e de cidadania, sem nos esquecermos, no entanto, das atividades acadêmicas”, ressaltou.
Prática de tortura é aplicada na repressão
Entre as decisões judiciais que obrigaram a desocupação das escolas se destacou o mandado judicial expedido pelo juiz Alex Costa de Oliveira, de Brasília, que determinou que a Polícia Militar do Distrito Federal utilizasse de meios de tortura psicológica, como o uso ininterrupto de sirene, e o corte de água e energia elétrica, para a retirada “espontânea” dos estudantes. O fato prontamente remete à época da ditadura militar, quando as liberdades individuais de expressão e de reunião de pessoas foram retiradas.
Para o cientista político Flávio Lúcio Vieira, a ação tomada pela Justiça nesse caso se configura como crime de tortura que poderia ter sido recriminada pela Organização das Nações Unidas (ONU).“Essas medidas foram colocadas para gerar uma tensão permanente e impedir que os alunos continuassem motivados na ocupação, e eu acredito que a ação da Justiça deveria ser a de buscar uma negociação, porque as ocupações não se tratam de casos de polícia, mas sim de uma questão social. As decisões judiciais emitidas não têm recuado os estudantes, que têm conquistado cada vez mais apoio da sociedade, e me parece que o Governo está perdendo essa batalha, e não será tão simples para aprovar essa PEC, que caso passe, certamente trará uma péssima avaliação para o Governo”, afirmou.
Na opinião do cientista político, as ocupações representam um ato de resistência e são importantes para que não consolide uma postura de passividade por parte da população. “É um movimento que começa a crescer e que, pelo que me parece, ainda tem algum fôlego para continuar, e não existe nenhuma proibição nem restrição quanto a esse tipo de ocupação, pois é um protesto, e os alunos, ao invés de ficarem em casa, estão apenas ocupando as escolas”, explicou.
Ainda segundo Flávio Lúcio Vieira, os projetos que estão sendo combatidos necessitam ser discutidos com os grupos de cidadãos que serão atingidos, em especial os estudantes, professores, especialistas em educação e as escolas.
“O Governo quer impor um projeto sem discutir com ninguém, construindo uma maioria no Congresso e passando por cima da opinião dos mais interessados, e eu acho que a atitude do Poder Judiciário deveria ser a de estabelecer o diálogo ao invés de usar o recurso da violência”, enfatizou.
Retorno
Os estudantes que ocupam a sede do IFPB, em João Pessoa, acamparam, durante este final de semana, por conta da realização do Enem, no prédio da reitoria da instituição, mas devem retornar ao edifício principal a partir de amanhã.
Novas ocupações devem ser realizadas também a partir desta segunda-feira (7) no campus do IFPB em Cajazeiras, e no campus da UFPB em João Pessoa.
De acordo com Felipe Aragão, as ocupações devem permanecer nos institutos por tempo indeterminado, enquanto as medidas combatidas não forem revogadas. “É de interesse da população que, no mínimo, o governo leve em consideração a posição popular antes de tomar qualquer medida drástica que interfira abruptamente no cotidiano dos cidadãos”, afirmou.
PEC 241 e outras causas
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 foi apresentada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional no dia 15 de junho e pretende reduzir a dívida pública do País, estabelecendo um novo regime fiscal que tem sido colocado pelo Governo como um novo teto para os gastos públicos no Brasil. A proposta limita os gastos do Governo em diversas áreas pelos próximos 20 anos à correção da inflação do ano anterior e deve, de acordo com especialistas, aumentar a desigualdade social e gerar fortes impactos sobre as políticas sociais.
A PEC 241, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em dois turnos, no mês de outubro, e deve ser apreciada agora pelo Senado, onde tramita como PEC 55 e também deve ser debatida nos próximos dias.
Reforma do Ensino Médio
A Medida Provisória (MP) 746/2016, também conhecida como “Reforma do Ensino Médio”, foi proposta pelo Governo Federal ao Congresso em 22 de setembro, e pretende reestruturar completamente o ensino médio no País, ampliando a carga horária mínima anual que os estudantes precisam cumprir, e restringindo a obrigatoriedade do ensino da arte e da educação física à educação infantil e ao ensino fundamental, tornando-as facultativas no ensino médio.
A Medida Provisória retira ainda a obrigatoriedade de diplomas para os professores que queiram exercer a profissão, bastando ao candidato obter o que é chamado no texto da MP de “notório saber”.
Escola Sem Partido
O programa “Escola sem Partido”, ou projeto de lei 193/2016, foi proposto ao Senado Federal no mês de julho, pelo senador Magno Malta (PR-ES), e pretende impedir o debate religioso, político, ideológico e de gênero nas salas de aula, impedindo assim o que é classificado pelos defensores do projeto como uma “doutrinação”.
A vereadora Eliza Virgínia (PSDB) propôs, no início deste ano, a aprovação de legislação semelhante na Câmara Municipal de João Pessoa, mas o projeto foi considerado inconstitucional pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.