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mudança de nome da capital

Polêmica tem novo passo na Justiça

publicado: 16/12/2024 09h57, última modificação: 16/12/2024 09h57
Ação junto ao TRE-PB cobra a realização de um plebiscito para consultar a população de João Pessoa
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O nome da capital da Paraíba já mudou várias vezes e pode passar por um plebiscito | Foto: Carlos Rodrigo

por Filipe Cabral*

Cidade Real de Nossa Senhora das Neves, Filipéia de Nossa Senhora das Neves, Frederikstadt (Frederica), Parahyba e, finalmente, João Pessoa. Desde sua fundação, no século XVI, a capital do Estado da Paraíba já mudou de nome quatro vezes e uma ação que tramita na Justiça pode fazer com que isso ocorra mais uma vez. Trata-se do mandado de injunção protocolado junto ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) pelo advogado Raoni Vita, que cobra a realização de um plebiscito para consultar a população de João Pessoa sobre o nome da cidade.

Conforme explica o documento, a consulta está prevista no artigo 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Estadual Paraibana. O dispositivo, em vigor há 35 anos, determina que: “O Tribunal Regional Eleitoral realizará consulta plebiscitária, a fim de saber do povo de João Pessoa qual o nome de sua preferência para esta cidade”. O mandado, portanto, requer a realização do plebiscito para que a população da capital “exercite seu direito de cidadania” protelado há mais de três décadas.

Na última segunda-feira (9), o TRE-PB decidiu encaminhar o caso para ser apreciado pelo Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB). Segundo o desembargador Oswaldo Trigueiro, relator da ação na Justiça Eleitoral, caberia ao Tribunal “tão somente regulamentar os procedimentos e executar o plebiscito, desde que devidamente autorizada por lei estadual”. Assim, de acordo com Trigueiro, caberia à Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) convocar o plebiscito e elaborar, através de lei, os termos da consulta, indicando os parâmetros a serem adotados pelo TRE.

O encaminhamento do caso ao TJPB, portanto, seria para que a Corte — se julgar a ação procedente — provoque a Assembleia a agir. Para Raoni Vita, “apesar de alongar um pouco mais a solução final”, a decisão do TRE foi “razoável e coerente”.

De acordo com o TJPB, antes de analisar o mérito da questão, o Pleno da Corte ainda analisará se acolhe ou não o caso encaminhado pelo TRE.

Plebiscito

Segundo Raoni, a ideia de entrar com o pedido na Justiça surgiu quando cursava o mestrado acadêmico na Universidade Católica de Santos. “Ao verificar a frágil participação popular na tomada de decisões na história do país, identifiquei a existência dessa obrigatoriedade do plebiscito aqui na Constituição Estadual, o que me motivou a colocar em prática tal estudo”, recorda.

De acordo com ele, mais do que alterar ou não o nome da capital, o principal objetivo da iniciativa é estimular a cultura de participação popular no Estado. Nesse sentido, o advogado destaca que, em 2024, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizou cinco consultas populares no Brasil, sendo quatro plebiscitos e um referendo. Os processos trataram de temas como passe livre estudantil, mudança de nome de cidades, construção de centro administrativo e alteração da bandeira oficial. Nas duas consultas sobre nome de cidades, a população decidiu pela alteração. No Maranhão, os eleitores votaram a favor da mudança do nome do município de Governador Edison Lobão para Ribeirãozinho do Maranhão; e em Roraima, o município de São Luiz passou a se chamar São Luiz do Anauá.

“Na minha concepção, o ponto mais importante é a participação popular em si, para que ela [a sociedade civil] seja ouvida sobre este relevante tema, e que isso sirva de catalisador para estimular novos plebiscitos e referendos sobre assuntos que interfiram diretamente na vida do povo”, explicou o advogado.

O também advogado e consultor em Políticas Públicas, Filipe Luna, concorda que, do ponto de vista jurídico, a realização do plebiscito para renomear João Pessoa “é perfeitamente cabível” e representaria “uma vitória no sentido de abrir um caminho para que a população entenda que é capaz de decidir sobre seus próprios rumos”. Contudo, pondera que a plausibilidade da consulta “não depende apenas do cumprimento formal dos requisitos jurídicos, mas também do ambiente político e social em que a iniciativa irá se encontrar”.

“Seria a quinta mudança de nome desde a sua fundação, o que toca diretamente a identidade coletiva do município e, portanto, deve desencadear um debate amplo e profundo sobre essa identidade e os valores e a história que a cidade escolhe celebrar. Além disso, há o desafio de mobilizar a população para um tema que, embora relevante, pode não ser percebido como prioritário para a maioria do eleitorado que irá decidir sobre o tema”, observou.

História

Embora a ação em questão tenha sido apresentada à Justiça em fevereiro de 2023, o debate em torno da alteração do nome da capital se arrasta há décadas. Nos anos 2000, por exemplo, o Movimento Paraíba Capital Parahyba, liderado pelo ex-vereador e músico mestre Fuba, já reivindicava a consulta à população.

Para o historiador e professor do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Jivago Correia Barbosa, um dos motivos para que a discussão se mantenha viva até hoje seria a falta de representatividade histórica do nome de João Pessoa para a população da Paraíba. Segundo ele, a homenagem feita ao ex--governador assassinado em 1930 — assim como a comoção em torno de sua morte — partiu dos setores dominantes da sociedade paraibana da época e não da população.

“Do ponto de vista histórico, é totalmente questionável, porque a população não participou diretamente do processo de mudança. Ela foi, eu poderia dizer, quase uma massa de manobra nesse momento. O próprio Álvaro de Carvalho, que era o vice-presidente da Paraíba e que assumiu o governo no lugar de João Pessoa, era contrário à mudança do nome da cidade. A questão é que a comoção produzida em torno da morte de João Pessoa tomou conta não só da população da cidade e do estado da Paraíba, como também acabou se tornando o combustível para o processo da Revolução (ou o Golpe) de 1930”, comentou.

Segundo Jivago, que também é pesquisador da Fundação Casa de José Américo (FCJA), a realização do plebiscito representaria uma oportunidade de reconstrução da memória social da população da capital e de todo o estado.

“A manutenção do nome do político João Pessoa para a nossa capital não representa a população que nela habita, ao contrário, cristaliza e mantém o nome de uma das oligarquias que se revezavam no poder durante a chamada República Velha. Nenhuma das 26 capitais brasileiras possui o nome de um representante das oligarquias, ou de um político, apenas a nossa cidade”, enfatizou.

Propostas

Embora não tenham opinião formada sobre o tema, os vereadores de João Pessoa, Marcos Henriques (PT) e Junio Leandro (PDT) saudaram a proposta de plebiscito. O petista, inclusive, comentou que a revisão de nomes deveria se estender aos bairros da cidade.

“Essa é uma questão antiga e eu acho que ela tem lógica. A população, mais do que ninguém, precisa ser ouvida. A gente precisa, inclusive, avançar para retirar de nossa cidade nomes de generais que beneficiaram a prática da tortura no país, como Médici, Castelo Branco, Costa e Silva e Ernesto Geisel. Esses nomes fazem parte de uma memória podre, de algo tenebroso da nossa história. A gente não pode seguir relembrando todos esses fantasmas que assombraram o nosso país”, opinou.

Junio Leandro, por sua vez, disse que vê a iniciativa “com bons olhos”  e que não concorda com o atual nome da capital “por todo o contexto verdadeiro que a história diz sobre o fato”, mas considera que a mudança configuraria “uma situação um pouco complicada porque já faz muito tempo e esse nome já foi consolidado”.

“Do ponto de vista histórico, o político João Pessoa não era merecedor de ter o nome na capital do nosso Estado. Tenho ele como um bom político, teve suas atitudes boas, mas não acho que era o caso de dar nome à capital. Mas como o nome já se consolidou, eu acho muito complicado agora mudar, porque tem uma questão de visibilidade nacional e internacional. Penso que trocar o nome da capital agora poderia trazer danos ao turismo da cidade”, avaliou.

No ano passado, logo após a apresentação do mandado de injunção por Raoni Vita, o deputado estadual Hervázio Bezerra (PSB) protocolou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para acabar com a possibilidade do plebiscito. De maneira geral, a PEC no 9/2023 propõe alterar a redação da Constituição Estadual para retirar a previsão do plebiscito. Segundo o deputado, “um plebiscito para discutir o nome de nossa capital, mesmo que seja em cumprimento a um dispositivo constitucional estadual, poderia nos desvirtuar dos debates mais importantes e fundamentais para a nossa cidade”.

“A cidade João Pessoa já se tornou muito maior do que aquele que foi homenageado. Ao referir-se a João Pessoa o mundo lembra logo de nossas belezas, do nosso povo acolhedor. João Pessoa é a capital da Paraíba”, alegou o parlamentar.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de dezembro de 2024.