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notificação aos pais

Professores criticam lei da Câmara

publicado: 25/03/2024 09h36, última modificação: 25/03/2024 09h36
Docentes alegam inconstitucionalidade e anunciam que vão trabalhar para que o prefeito vete a iniciativa

por Filipe Cabral*

Um projeto de lei aprovado na última quinta-feira pela Câmara Municipal de João Pessoa tem sido alvo de críticas e indignação por parte de professores e profissionais da Educação da capital paraibana. De autoria do vereador Milanez Neto (PV), o PL 1493/2023 propõe que os estabelecimentos de ensino da Educação Básica da cidade sejam obrigados a notificar as famílias dos estudantes com, no mínimo, cinco dias de antecedência, sobre a realização de atividades de “de cunho cultural, ideológico, religioso, filosófico ou político”.

De acordo com o texto, a notificação deverá explicitar “de maneira exaustiva” a natureza da atividade, como será exercida, a importância didático-pedagógica da mesma, sua inserção com a Base Nacional Curricular Comum, o local de realização, a idade de censura, os idealizadores e patrocinadores da atividade, assim como os telefones e endereços para mais informações.

A proposta ainda garante aos pais o direito de declinar da participação da criança ou adolescente da referida atividade “por motivos de crenças, opiniões e valores familiares, sem nenhum prejuízo para o estudante”.

Embora tenha sido aprovado por unanimidade na Câmara - com 15 votos a favor e nenhum contra - o PL, na avaliação dos professores e profissionais da Educação do estado, é “absurdo”, “inconstitucional” e “fere a liberdade de cátedra dos docentes”.

"A proposta agride a Constituição. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou contrário"
- Daniel de Assis

Inconstitucional

De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem-JP), Daniel de Assis, a proposta aprovada pelos vereadores é praticamente “o projeto da escola sem partido disfarçado”.

“É uma proposta inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou contrário a esse tipo de projeto. O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que ´a liberdade de ensinar e o pluralismo das ideias são princípios do Sistema Educacional Brasileiro´. Também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo 3º, estabelece que o ensino deve ser ministrado com base nos princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”, explicou.

O educador ainda lembra que, desde 2018, vigora no estado a Lei 11230/18, que garante que “todos os professores, estudantes e funcionários são livres para expressar seus pensamentos e suas opiniões no ambiente escolar das redes pública e privada de ensino da Paraíba”.

“Lamentamos que um projeto dessa natureza seja aprovado pelo Legislativo municipal, quando a prioridade da Casa deveria ser educação pública de qualidade e não o cerceamento da liberdade de ensinar do professor. Somos contrários ao projeto e estamos solicitando ao prefeito Cícero Lucena que exerça o poder de veto a esse projeto” afirmou Daniel.

Absurdo

Na mesma linha, o diretor do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Estado da Paraíba (Sintep-PB), Felipe Baunilha, considera o PL “um absurdo desde a sua proposta”. Segundo ele, trata-se de mais uma tentativa de “perseguição à atividade docente” por parte do Legislativo municipal.

“Caso os vereadores não saibam, todos os profissionais da educação preparam um plano de curso no início do ano a partir do currículo que é definido nacionalmente e que é avaliado pelo Conselho Nacional de Educação. O currículo das escolas públicas brasileiras é debatido por especialistas, por professores e por aqueles que trabalham cotidianamente com a Educação. A escola não é local - nunca foi - de doutrinação ideológica. A escola é livre de ideias”, argumentou.

“Não me parece que esses vereadores estão preocupados com a educação pública no estado da Paraíba nem na cidade de João Pessoa. A prioridade deveria ser garantir uma merenda de qualidade, garantir a segurança alimentar dos estudantes, garantir infraestrutura de qualidade em todas as escolas. Mas não é isso que fazem os vereadores. Usam a tribuna para destilar ódio e para, mais uma vez, perseguir a atividade docente, que é uma atividade eminentemente científica”, concluiu.

Polarização

Embora não tenha participado da sessão em que a proposta foi votada, o vereador Odon Bezerra comentou que não vê “problema nenhum que se notifique o pai ou o responsável”. Segundo ele, as críticas à proposta assim como o debate educacional têm sido marcados pela “polarização e radicalismo tanto de um lado quanto do outro”.

“O projeto deixa claro que caberá aos pais a orientação do que fazer. Até porque se assim não for, pode causar problemas dentro da própria casa. Eu mesmo tive uma formação católica e todas as vezes que havia, por exemplo, a Crisma, o colégio mandava pedir autorização ao pai ou à mãe. Lembro bem que eu levei meus pais para que opinassem se eu deveria ou não me crismar quando ainda garoto”, ponderou o vereador.

Em estudo

Questionada sobre como avalia a proposta aprovada pela CMJP, a Secretaria de Educação e Cultura de João Pessoa informou que “está estudando uma orientação para as escolas considerando que há um currículo a ser cumprido na formação dos estudantes”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de março 2024.