A seis meses do início da implementação da Lei Complementar (LC) no 214/2025, o país prepara-se para a mais significativa reforma do seu sistema tributário desde a promulgação da Constituição em 1988.
O economista Giuseppe Severgnini analisa que o sistema tributário atual é “complexo, ineficiente e regressivo” — o que acaba penalizando os mais pobres, travando investimentos e gerando insegurança jurídica e altos custos para as empresas.
“[O novo modelo] unifica os tributos, simplifica de certa forma o sistema e cria um modelo mais transparente e mais eficiente. Para Estados e Municípios, os principais ganhos estão na previsibilidade e no aumento da base de arrecadação”, defende.
Na visão dele, a reforma traz outros avanços importantes, como o fim da guerra fiscal entre as unidades da Federação — habituadas a oferecer benefícios e isenções para atrair empresas.
A advogada Juliana Nunes, especialista em Direito Tributário, lembra que, para equilibrar as perdas das empresas já beneficiadas, a nova legislação criou o Fundo de Compensação, com recursos federais. O Fundo funcionará durante quatro anos, de 2029 a 2032, com recursos da União, totalizando R$ 160 bilhões no período.
Como forma de atenuar as desigualdades sociais e fiscais entre os Estados, a reforma também prevê a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional.
Consequências
O secretário da Fazenda, Marialvo Laureano, entende que a principal mudança proposta pela reforma está na forma de arrecadação, que deixa de ser cobrada na origem e no destino, passando integralmente para o local de destino.
“[Atualmente], se você compra um produto lá em São Paulo para revender aqui, [depois que o produto é vendido,] 7% fica em São Paulo e o restante fica na Paraíba. Com a reforma tributária, tudo será no destino; o estado que consumir ficará com aquele imposto”, exemplifica o gestor.
O secretário-executivo da pasta, Bruno Frade, aponta que a reforma alterará a política fiscal adotada pela Paraíba, responsável por colocar o estado na lista de maiores centros de distribuição de mercadorias no Nordeste.
“Vários segmentos e várias situações passarão a ter uma carga tributária diferenciada. Não ficará mais a critério de nenhum Estado da Federação conceder tal ou qual redução. Isso acabou; o modelo já está posto, nenhum Estado vai poder conceder carga tributária diferenciada”, destaca.
Desafios
A advogada Juliana Nunes salienta ainda que um dos maiores desafios da reforma consiste no período de transição, que traz impactos jurídicos importantes tanto para a União quanto para os Estados e os Municípios.
“Nesse período, teremos dois sistemas e, sim, uma fase complexa, com regras específicas em paralelo, que exigirão uma qualificação máxima para quem está na linha de frente, seja advogados, contadores ou empresários”, avalia.
O secretário-executivo da Receita Municipal de João Pessoa, Adenilson Ferreira, concorda que, no período de transição para o novo regime, podem existir adversidades, sobretudo quanto à manutenção de um planejamento capaz de garantir boa governança fiscal.
“O que o Estado e os Municípios têm que fazer é criar um bom ambiente de negócio, ter um bom ajuste entre receita e despesa e se preparar para receber e manter as empresas”, sugere.
Preparação
Segundo o secretário de Estado da Fazenda, a Paraíba tem se preparado para a reforma, inclusive com a participação no Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS), “que está desenhando não só o sistema, mas também ajudando na regulamentação das legislações”.
Marialvo Laureano e Bruno Frade foram os indicados pelo governador João Azevêdo para representar a Paraíba no comitê, como titular e suplente, respectivamente.
O órgão atuará na arrecadação, fiscalização e distribuição dos recursos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) entre estados e municípios. A partilha ocorrerá dentro de um período de transição que vai de 2027 a 2077.
Entidade pública com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, o comitê — que exercerá funções normativas e administrativas — será composto por 54 membros, sendo 27 representantes de cada unidade da Federação e 27 membros dos Municípios.
Novo sistema substitui impostos, Cofins e contribuições para o PIS
Com a reformulação, o Brasil passará a ter um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), de caráter dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — federal — e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — estadual e municipal. A reforma contempla, também, a criação do Imposto Seletivo (IS) — federal — de caráter estritamente regulatório, para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Na esfera federal, a CBS e o IS substituirão a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Nas esferas estadual e municipal, o IBS substituirá, respectivamente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
A LC nº 214/2025 estabeleceu uma alíquota-padrão de 26,5% para o IVA, sendo 8,8% da CBS e 17,7% do IBS, até 2031, quando os percentuais serão reavaliados. Nessa reavaliação, serão analisadas as exceções e as reduções realizadas para determinados setores e produtos, de maneira a manter o teto da alíquota. Além disso, a proposta prevê alíquota zero para alimentos da cesta básica; redução para áreas específicas, como Saúde e Educação; e devolução de impostos à população de baixa renda, por meio de cashback.
Transição
A lei complementar ainda prevê um período de transição para sua implementação: até 2033, ocorrerá a substituição total dos antigos impostos e, até 2077, acontecerá a mudança da distribuição dos recursos arrecadados.
Conforme a norma, 2026 será o ano-teste da CBS e do IBS. Em 2027, é prevista a extinção do PIS, do Cofins e do IOF-Seguros, além da redução a zero das alíquotas do IPI sobre todos os produtos, com exceção dos 5% que também sejam industrializados na Zona Franca de Manaus. A partir de 2033, o sistema estará integralmente vigente, com a extinção do ICMS e do ISS.
Normas extintas
A LC nº 214/2025 foi estruturada em 544 artigos, distribuídos entre revogações e alterações legais (9%), Imposto Seletivo (6%), transição para o novo modelo (15%), regimes diferenciados, específicos e favorecidos (41%) e normas gerais do IBS e da CBS (29%).
A lei revogou 535 artigos contidos em 76 leis federais; 27 regulamentações que dispõem sobre o ICMS, elaboradas por cada estado e pelo Distrito Federal; além de milhares de legislações municipais relacionadas ao ISS.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de julho de 2025.