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VAGAS NA CÂMARA

Representatividade é desafio em JP

publicado: 10/06/2024 09h08, última modificação: 10/06/2024 09h08
Apesar de serem maioria na população, mulheres se candidatam menos e dificilmente são eleitas na capital
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Só uma mulher foi eleita para a CMJP em 2020. Na Casa, maioria dos vereadores é branca | Foto: Divulgação/CMJP

por Tiago Bernardino*

O número de vereadores eleitos para a Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) aumentará, nas eleições deste ano, de 27 para 29. Porém, a representatividade da população ainda é um problema para o legislativo municipal. A maior distorção na representatividade é a questão de gênero.

Apesar de representar a maioria na população e no eleitorado em João Pessoa, as mulheres se candidatam menos e são ainda menos eleitas representantes da população. No município, 53,3% dos habitantes são mulheres, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em termos de eleitorado, as mulheres representam 55%.

"Se o parlamento é o representante da sociedade, o bom é que no parlamento também tenha representantes de diversos segmentos"
- Maria de Fátima Ramalho

O número de candidaturas do sexo feminino, em João Pessoa, é próximo ao mínimo determinado pela legislação eleitoral. De acordo com Código Eleitoral, 30% das candidaturas aos cargos de vereador, deputado estadual e deputado federal devem ser de mulheres. No caso das Eleições 2020, em João Pessoa, 32% das candidaturas eram de pessoas do sexo feminino, mas só uma mulher foi eleita, Eliza Virgínia (PP). No entanto, a CMJP passou quatro meses sendo ocupada apenas por homens, em razão da ascensão de Eliza à Câmara Federal. Ontem, Raíssa Lacerda (PSB) assumiu a vaga deixada pelo Professor Gabriel, morto em 27 de maio. Porém, a Casa não contará com duas mulheres até o fim da legislatura, já que, em breve, Eliza deve se ausentar novamente, por mais quatro meses.

O cientista político e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), José Artigas, explica que a cultura social, política, hierárquica e machista da Paraíba faz com que a desigualdade de gênero seja amplificada em relação ao restante do Brasil e do mundo. “Hoje temos no Congresso Nacional 15% de mulheres e, se vamos para a Paraíba e para João Pessoa, esse número é muito menor. A Paraíba se destaca nacionalmente, e até mundialmente, no índice de feminicídio, e isso é um exemplo da persistência do machismo e do preconceito estigmatizado em relação às mulheres”, disse.

Cota de gênero

A cota de candidaturas de mulheres é determinada pela legislação eleitoral. Pela lei, o número mínimo de mulheres candidatas é de 30%. Artigas explana que esse incentivo para as candidaturas femininas não é o suficiente para que haja uma efetiva representação nos espaços de poder.

“A legislação eleitoral evoluiu nas últimas eleições, não apenas com as cotas de 30% das candidaturas, mas ao exigir uma cota mínima de distribuição do fundo partidário e do tempo de propaganda eleitoral. Sem dinheiro, ninguém se elege. O dinheiro é que determina a possibilidade ou não de uma candidatura se eleger. Sem o recurso do fundo eleitoral, sem tempo de televisão, é óbvio que as candidatas mulheres não decolam”, esclarece José Artigas.

Em comparação com outros países em desenvolvimento, o Brasil fica atrás na participação das mulheres nos cargos legislativos. Artigas cita como exemplo o México, que elegeu a sua primeira mulher presidente e possui um parlamento mais igualitário e representativo em sua composição. “O Brasil vai levar 60 anos para chegar ao nível de participação das mulheres no Congresso Nacional e nas casas legislativas apenas com o incentivo institucional a candidaturas de mulheres”, disse, ao defender que haja uma cota de vagas nos parlamentos e não apenas de candidaturas.

Partidos precisam estimular diversidade racial e de gênero

Na Paraíba, a fraude à cota de gênero, por meio de candidaturas “laranjas”, levou à cassação do mandato de 105 vereadores em 31 municípios. Para a eleição deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou a Súmula 73 que orienta partidos políticos, federações, candidatas, candidatos e julgamentos da própria Justiça Eleitoral sobre fraude à cota de gênero.

De acordo com o TSE, a súmula estabelece que candidaturas com votação zerada ou inexpressiva, prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante, ausência de atos efetivos de campanha e divulgação ou promoção da candidatura de terceiros são elementos que podem configurar a fraude à cota de gênero. Nesses casos, a norma prevê a aplicação das seguintes penas: cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije); e nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitorais e partidários, inclusive para fins de aplicação do Código Eleitoral.

"Os partidos políticos refletem uma desigualdade histórica. Homens brancos são privilegiados em suas candidaturas"
- José Artigas

A juíza da 64a Zona Eleitoral em João Pessoa, Maria de Fátima Lúcia Ramalho, adverte que a Justiça Eleitoral acompanhará as candidaturas e fiscalizará o cumprimento das cotas de gênero e o atendimento da súmula do TSE. “A Justiça Eleitoral tem os meios de fiscalizar, inclusive com o Ministério Público Eleitoral. Nós podemos mandar fazer vistorias in loco. Temos os oficiais de Justiça para isso e, hoje, com a mídia de modo geral, fica bem mais fácil de fazer esse levantamento”, garante a juíza Lúcia Ramalho.

Ainda sobre a fraude da cota de gênero, a juíza alertou que as candidatas também precisam ficar atentas, pois não só as candidaturas eleitas serão prejudicadas, como as candidatas “laranjas” também podem responder civil e criminalmente pela fraude.

Legendas são responsáveis

A juíza conta ainda que é preciso que os partidos políticos incentivem e estimulem as candidaturas das mulheres para que possamos ter um parlamento representativo para a sociedade. “O parlamento não é tão bom quando todos pensam da mesma forma. Se o parlamento é o representante da sociedade, o bom é que ele também tenha representantes de diversos segmentos, inclusive, das mulheres”, destaca.

Os partidos políticos, segundo a juíza Lúcia Ramalho, têm um papel preponderante nesse trabalho de incentivar e estimular as candidaturas de mulheres. “Cada partido tem o seu núcleo de mulheres, então isso é uma forma de recrutar, de convidar essas pessoas a entrar na política e, assim, fazer um parlamento bem diverso. Em João Pessoa, nós vamos ter 29 vereadores na próxima legislatura. Deveríamos ter pelo menos de 30% a 40% das cadeiras ocupadas por mulheres”, analisa.

O papel dos partidos políticos para que as mulheres consigam espaço nas casas legislativas é fundamental. José Artigas diz que os partidos, em sua grande maioria, tanto do espectro político da direita como da esquerda, mantém uma estrutura organizacional machista que impede as mulheres de participar das decisões partidárias.

“No Brasil, temos uma profunda desigualdade na composição partidária. Se observarmos, poucos partidos possuem cotas para a participação das mulheres nas executivas dos partidos. E a falta de estímulo para participação na política intrapartidária provoca um desestímulo para a participação das mulheres nas eleições”, opina o cientista político.

Também se posiciona assim a ex-deputada e atual presidente do PSDB Mulher, Iraê Lucena, que luta por uma participação mais efetiva das mulheres nos partidos. “O que ainda falta é a oportunidade de participação nos cargos de direção do partido. O ideal é que a gente ocupe metade das vagas nas executivas, para juntas lutarmos por mais recursos e espaço para as candidaturas”, propõe.

Desigualdade por cor

A representatividade racial também apresenta distorção em João Pessoa. Os vereadores que se declaram de cor branca ainda são maioria na CMJP. De acordo com os dados disponibilizados pelo TSE, 48,1% dos eleitos se declaram de cor branca, 44,4% de cor parda e apenas 7,4% pretas. O percentual de eleitos diverge dos dados estatísticos das candidaturas e da população na capital paraibana.

Nas eleições de 2020, em João Pessoa, 48,35% dos candidatos se declararam pardos, enquanto 38,13% se declaram brancos e 12,81% pretos.

Por outro lado, segundo o IBGE, as pessoas que se declaram pardas são maioria na capital, representando 50,6% da população, enquanto 39,7% se dizem brancos, 9,2% pretos e 0,3% indígenas.

O cientista político José Artigas explica que os partidos políticos em geral têm em seu comando homens brancos que não estimulam as candidaturas de pessoas pretas. “Os partidos políticos refletem a desigualdade que é histórica em que os homens brancos são privilegiados em suas candidaturas, recebendo mais apoios e recursos”, disse Artigas.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 09 de junho de 2024.