Pelo menos 64 mortes foram registradas, ontem (28), na Operação Contenção, nos complexos do Alemão e da Penha. Dois deles são policiais civis e outros dois do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope). A informação é do Palácio Guanabara. O número de vítimas faz da ação organizada pelo governo do Rio de Janeiro a mais letal da história na cidade. A Polícia Militar colocou de prontidão toda a tropa, e mesmo o pessoal administrativo foi convocado a comparecer aos quartéis.
O número de presos ultrapassava os 100 até a noite de ontem, muitos deles de uma facção criminosa do Pará, do Norte do país, escondidos no Rio. Mais de 75 fuzis, além de pistolas e granadas, foram apreendidos na ação até agora.
O Disque Denúncia do Rio de Janeiro chegou a oferecer recompensa de R$ 100 mil por informações que levem a polícia a Edgar Alves de Andrade, de 55 anos, que nasceu na Paraíba e é conhecido como “Doca” ou “Urso”, um dos líderes do Comando Vermelho (CV), considerado o principal alvo da operação.
A recompensa oferecida é a maior da história do Disque Denúncia, ao lado dos mesmos R$ 100 mil (sem considerar a inflação) oferecidos por informações que levassem a Fernandinho Beira-Mar, no ano de 2000.
Ele é investigado por mais de 100 homicídios, incluindo execuções de crianças e desaparecimentos de moradores. Havia 34 mandados de prisão em aberto contra o traficante, de acordo com dados do Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP).
Com a Operação Contenção sendo realizada desde a madrugada de ontem, nos Complexos do Alemão e da Penha, Zona Norte da cidade, criminosos da facção Comando Vermelho receberam ordens para fechar as principais vias da cidade.
A Linha Amarela foi fechada, uma das principais vias expressas da cidade que liga a Barra da Tijuca e Jacarepaguá ao outro lado da cidade, na Ilha do Governador, na Zona Norte, cortando dezenas de bairros. A Estrada Salazar Mendes de Morais, que passa junto à Cidade de Deus, está fechada nos dois sentidos.
A Avenida Brasil, com 54 km de extensão, que corta toda a cidade, desde a zona portuária do Rio até Santa Cruz, na Zona Oeste, no outro extremo da cidade, já tem trechos interditados, na pista lateral em direção ao Centro da cidade, nas proximidades do Complexo da Maré.
Transporte
A Rio-Ônibus, que administra os ônibus da cidade do Rio de Janeiro, informou que mais de 50 coletivos foram usados como barricadas em vários pontos da cidade.
Várias ruas de Jacarepaguá também foram interditadas, entre elas a Estrada do Gabinal, a Estrada dos Três Rios e a Avenida Geremário Dantas. A via expressa também foi fechada por determinação da Polícia Militar, porque criminosos do Morro do Dezoito, em Água Santa, na Zona Norte, estavam atirando do alto da comunidade em direção à Linha Amarela.
No Méier, a Rua Dias da Cruz, principal ligação do bairro com o Centro da cidade, ficou fechada por mais de 30 minutos, sendo liberada pela PM logo em seguida. Já na Avenida Marechal Rondon, no Engenho Novo, de acesso ao Centro da cidade, ficou fechada por ônibus atravessados na pista e por barricadas usando caçambas de lixo. No sentido contrário, a Rua 24 de Maio, que recebe todo o fluxo de veículos do Centro da cidade, também ficou fechada, com ônibus urbanos atravessados na pista, pelo menos até o fechamento desta edição.
Nas ações, os criminosos do Comando Vermelho usaram drones com bombas, que foram jogadas contra os policiais.
Ministros farão reunião de emergência com Claudio Castro
Por Alex Rodrigues (Agência Brasil)*
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, reconheceu, ontem (28), que a operação que as Forças de Segurança do estado realizaram nos complexos do Alemão e da Penha, na capital fluminense, excedeu os “limites e as competências” do Governo Estadual.
“Eu até entendo que estamos excedendo as nossas competências, mas continuaremos as excedendo. E, se precisarmos exceder ainda mais, o faremos, na nossa missão de servir e proteger nosso povo”, declarou, ao apresentar um balanço preliminar da ação.
Ao justificar a operação, o governador cobrou mais apoio federal no enfrentamento às organizações criminosas que atuam no Rio de Janeiro e em outras partes do território brasileiro. Segundo Castro, o estado está atuando “sozinho nesta guerra”.
Reunião com o governo
O Governo Federal anunicou que os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) farão hoje uma reunião de emergência com o governador Cláudio Castro.
Além disso, Rui Costa atendeu ao pedido do governador do Rio de Janeiro para transferência de 10 detentos para presídios federais.
Esses homens teriam liderado de dentro da cadeia ações que culminaram com o caos na cidade, incluindo bloqueio de pistas e sequestro de ônibus em diferentes pontos da capital fluminense.
O governo federal acrescentou, em nota, que, uma reunião na Casa Civil com a presença do então presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, e dos ministros Rui Costa, Gleisi Hoffmann, Jorge Messias (AGU), Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania), Sidônio Palmeira (Comunicação) e do secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Manoel Carlos, avaliaram os desdobramentos da operação no Rio de Janeiro.
“Durante a reunião, as forças policiais e militares federais reiteraram que não houve qualquer consulta ou pedido de apoio, por parte do governo estadual do Rio de Janeiro, para realização da operação”, informou o governo.
Também ontem, o ministro Ricardo Lewandowski havia indicado não ter recebido pedido do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, para apoio à Operação Contenção.
Supremo
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifeste, no prazo de 24 horas, sobre o pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) para que o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, preste informações sobre a Operação Contenção, que deixou pelo menos 64 mortos.
O despacho foi proferido após o ministro assumir o comando do processo conhecido como ADPF das Favelas, ação na qual a Corte já determinou medidas para combater a letalidade policial na capital fluminense.
Após a realização da operação, o CNDH pediu ao Supremo que Castro apresente um relatório da operação, a justificativa formal para sua realização, e esclareça as providências adotadas para socorrer as vítimas e garantir a responsabilização de agentes no caso de eventual descumprimento de direitos humanos.
Mais cedo, Moraes foi escolhido para tomar decisões urgentes envolvendo o processo, diante da ausência de um relator para o caso. A ação era comandada pelo ex-ministro Luís Roberto Barroso, que se aposentou na semana passada.
Em abril deste ano, o Supremo definiu medidas para combater a letalidade policial durante operações da Polícia Militar contra o crime organizado nas comunidades do Rio de Janeiro.
MPF e Defensoria
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União encaminharam ofício ao governador Cláudio Castro solicitando que “informe detalhadamente de que forma o direito à segurança pública foi promovido” na megaoperação policial que até agora resultou na morte de 64 pessoas, quatro delas policiais.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de outubro de 2025.