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Sandra Marrocos volta à Câmara na defesa dos direitos sociais

publicado: 11/07/2016 17h46, última modificação: 12/07/2016 07h45
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Sandra comemora retorno à Câmara Municipal de João Pessoa - Foto: Olenildo Nascimento/CMJP

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Jadson Falcão - Especial para A União

Após uma competente gestão à frente da Fundação Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (Fundac), Sandra Marrocos - que foi eleita vereadora em 2008 pela Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) -, retorna agora à Casa de Napoleão Laureano após a saída do parlamentar Raoni Mendes (DEM) para a Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB).

Empossada na terça-feira (5), Marrocos recebeu a reportagem de A União em sua casa para explicar suas principais propostas no retorno à CMJP. Durante a conversa, a socialista avaliou sua trajetória política, salientou a defesa das minorias LGBT, dos negros e das mulheres, e rebateu veementemente o projeto “Escola Sem Partido” que pretendia proibir os debates políticos, religiosos e de gênero nas escolas da capital.

De que forma a senhora pretende atuar na Câmara Municipal de João Pessoa durante o período que vem pela frente?

Eu estou indo para a Câmara por um prazo definido. São quatro meses, 120 dias, e nesses quatro meses, esse primeiro mês é de recesso, ou seja, na verdade são só 90 dias de atuação parlamentar concreta. Esse mês, estamos organizando alguns projetos e algumas ações que queremos apresentar e estamos levando para esse momento. É um momento muito desafiador porque é um prazo, como já coloquei, curto, mas eu sou a 17ª vereadora mais bem votada na cidade de João Pessoa, porque obtive quase 4 mil votos [...] Nesses quatro meses, a nossa expectativa é de trazer de volta temáticas e direitos adquiridos que, na minha avaliação, estão esquecidos e sendo violentados à exemplo da questão de tirar o conceito de gênero do plano municipal de educação. Eu acho que isso foi um grande retrocesso porque é impossível você construir um mundo e uma educação de qualidade sem você ter o conceito de gênero, onde vai discutir as diferenças entre homens e mulheres que são, em sua grande maioria, oriundas do seu corpo. Você tem que ter isso muito presente até mesmo para a formulação de políticas públicas principalmente na área da saúde.

Em que temáticas a senhora pretende trabalhar durante seu mandato na CMJP?

Temos uma pauta bem específica que é a questão do parto humanizado, que é o parto natural, e queremos dizer que a gente está junto ao grupo de mulheres que discutem esse parto e que discutem as doulas. Temáticas como a cidadania LGBT e a negritude, também farão parte de nossos projetos. Eu estou daqui a pouco indo a um encontro na Secretaria de Saúde para discutir com a população negra e representantes do Ministério da Saúde, a questão da anemia falciforme, que é uma doença que não é específica da etnia negra, mas que está muito mais presente nas pessoas negras. É uma doença que causa dores, e que não tem de fato o tratamento e a prevenção que deveria ter. A gente espera nesse primeiro mês reacender o debate e apresentar alguns projetos que vamos estar falando no decorrer da nossa conversa.

Como a senhora vê projetos que se colocam contra a discussão de gênero, como o “Escola Sem Partido”, vetado pela CCJ da Câmara?

Acho que é um absurdo. Essa questão do “Escola Sem Partido” é uma ação nacional, e as bancadas conservadoras e reacionárias pegaram esse projeto, e agora estão adaptando à realidade de cada município e apresentando. Esse é um projeto que caça de forma muito forte o respeito à cidadania LGBT e o conceito de gênero, e é algo que vai de encontro ao enfrentamento das mulheres. Pode ter certeza que esse debate será puxado, e nós temos um posicionamento contrário ao da vereadora Elisa [autora da proposta]. Que bom que a CCJ já se posicionou de forma contrária porque é impossível construir políticas públicas se você não levar as múltiplas diversidades existentes em sociedade para formulá-las. A sociedade é composta de mulheres negras, brancas, LGBT e de várias frentes religiosas, e o Parlamento, assim como o Executivo, deve representar a sociedade.

Como a senhora enxerga a questão do Estado Democrático de Direito hoje no Brasil?

Essa é uma outra temática que estaremos levando para a Câmara Municipal de João Pessoa. Em primeiro lugar: Fora Temer, e que bom que Eduardo Cunha está saindo. Ele renunciou à presidência da Câmara porque ficava impossível de se segurar. O que se apresenta hoje no nosso país é um governo ilegítimo, representado pelo que existe de mais atrasado, de mais arcaico e de mais conservador, com um ministério que como já coloquei, não representa a questão da sociedade com suas múltiplas diversidades. Estamos sofrendo um ataque muito forte ao Estado democrático de Direito, e quem é que sofre com isso? Quem sofre quando o Estado democrático de Direito é atingido e você tem cortes em políticas sociais como o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Pronatec, Prouni e Reuni, são as pessoas em situação de pobreza. São os filhos dos trabalhadores e trabalhadoras de João Pessoa e da Paraíba que deixarão de ir para a universidade. Minha defesa intransigente é o Estado Democrático de Direito, sabe? Hoje nós vivemos uma loucura de ter direitos historicamente adquiridos pela classe trabalhadora como o FGTS e o 13º salário, com projetos tramitando no Congresso para cortar esses direitos. Em defesa de garantias de direitos, darei passos só para a frente, nenhum passo para trás.

A senhora acredita que o machismo presente na sociedade é uma realidade também na política brasileira?

A respeito disso, eu quero pegar um exemplo muito forte de misoginia e de desrespeito à mulher no espaço de poder, que aconteceu em nível nacional com a companheira Dilma. Independente do processo de impeachment que nada justifica, já que não houve pedaladas fiscais, vamos para o viés de ser mulher. Nunca, em nenhum momento, uma mulher foi tão desrespeitada como foi Dilma, na sua condição de avó, de mulher, de mãe, e principalmente de representante do país. Nesse momento, na minha avaliação, precisamos estar muito atentas e muito fortes, e precisamos estar mais do que nunca reafirmando nossos direitos e lutando para avançar cada vez mais porque a misoginia está muito presente. O ódio às mulheres e a cultura do estupro está sendo otimizada e a gente precisa quebrar essa realidade. Você vê uma jovem de 16 anos sendo violentada sexualmente por 30 homens e ela diz que o que mais a chocou foi quando o delegado a colocou como culpada. As mulheres não são culpadas. Mulheres são estupradas de burca, e usando minissaia, então a gente não pode permitir que a cultura do estupro seja naturalizada, e nosso corpo não pode ser erotizado. Eu costumo dizer que o sexo pode até acontecer sem amor, mas sem consentimento jamais. Isso é muito forte, e esse momento é um momento de resposta, onde mostramos a participação e a competência das mulheres em ocupar espaços de poder.

Como a senhora vê a situação dos LGBT hoje na cidade de João Pessoa? A senhora implementará projetos que visem melhorar a vida desse grupo?

Sou feminista de atitude, da minha casa ao meu fazer político. E aí pode colocar o estigma que quiser em mim, porque isso não me preocupa. Se você é gay, bi, trans ou hétero, é do seu foro íntimo. É algo que assim como a diversidade religiosa é individual. Enquanto parlamentar, tenho que garantir que a cidadania LGBT seja respeitada, e eu vejo no mundo e no nosso País um movimento muito forte de ódio ao diferente. Nós precisamos estar muito atentos porque projetos como o “Escola Sem Partido” de Elisa, querem atingir fortemente a cidadania LGBT e terminam atingindo as mulheres, terminam atingindo ela própria. O projeto da família também era um enfrentamento direto à cidadania LGBT, era um enfrentamento direto ao casal do mesmo gênero que segundo o projeto, não teria a condição psicológica e emocional de cuidar de uma criança, enquanto é natural existirem crianças abandonadas no meio da rua. No nosso primeiro mandato, apresentamos um projeto que hoje é ferramenta de governo no município de João Pessoa, que foi a criação da Coordenadoria LGBT e da Igualdade Racial. Esse é um espaço que fortalece a política direcionada ao universo LGBT, e também à população negra. Ofereço todo o meu apoio, todo o meu comprometimento e toda a minha luta em prol da cidadania LGBT na cidade de João Pessoa, que vejo que assim como em todo o país, vem sofrendo um grande ataque.

E quanto às crianças e adolescentes do município que vivem vulneráveis e muitas vezes acabam se envolvendo na criminalidade? Que medidas a senhora acredita serem necessárias para mudar a realidade desses jovens?

Minha última experiência profissional foi na socioeducação como presidente da Fundac, e eu digo, com todas as minhas certezas, inclusive enquanto profissional da política da assistência com pós-graduação e graduação na área, que mais de 70% dos adolescentes que estão hoje privados de liberdade não deveriam estar lá. Aquilo é de alta complexidade e a maioria está lá por conta do narcotráfico. [...] Com o desmembramento da política da criança e do adolescente em 2011, muitas partes ficaram à cargo dos municípios que se ausentam, como o município de João Pessoa, que tem a incompetência de reduzir em 80% o orçamento de 2016 para a pasta de Juventude, Esporte e Lazer, que trata diretamente de prevenção para que os filhos e filhas do povo não sejam conquistados pelo narcotráfico e pelo crime organizado. [...] Nós temos o projeto “Família Acolhedora”, que é pioneiro no País e lei na cidade de João Pessoa, e faz o enfrentamento ao abandono das crianças em situação de vulnerabilidade. Você tem uma criança que está vulnerável e tem um laço familiar, e aí uma família acolhedora recebe essa criança e uma equipe formada por psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e psicopedagogos acompanha a criança, a família acolhedora e a família de origem. O objetivo final é o retorno da criança para a família de origem, e durante o período em que a criança está com a família acolhedora, ela recebe um subsídio no valor de um salário mínimo pela prefeitura municipal. Isso foi um projeto do nosso mandato e é muito bom. Estaremos sim puxando essa discussão na Câmara, e trarei muitos debates e muitas proposituras de enfrentamento para que as crianças sejam cuidadas e o adolescente não termine na privação de liberdade.

Como a senhora avalia sua trajetória até agora?

A minha trajetória é de muita felicidade. Olhe, a vida me deu mais do que eu sempre pensei em ter. Em primeiro lugar, eu sou imensamente grata ao Divino e eu quero pedir licença com todo o respeito a todas as religiões, mas todo mundo sabe que eu sou cristã, temente a Deus, e você pode ver ali na minha sala que sou devota da Virgem Maria. Eu quero dizer que tenho muita gratidão ao Divino por ter me dado todas as oportunidades, e gostaria de encerrar essa entrevista dizendo que sou imensamente feliz, e sou um ser humano plenamente realizado enquanto mãe, enquanto mulher, e principalmente enquanto pessoa pública porque acho que aprendi muito cedo na minha vida que um mais um é sempre mais que um, e que se eu me juntasse com mais gente, eu ia poder mudar a minha realidade e a realidade de outras pessoas. Quero agradecer ao coletivo de todas as lutas por todo o afeto, por todo o companheirismo e por toda a cumplicidade, e eu tenho certeza que a nossa caminhada é de crescimento daqui e sempre.