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Joaquim Falcão

Supremo descumpre Constituição

publicado: 23/08/2023 09h33, última modificação: 23/08/2023 09h33
Um dos juristas mais importantes do país diz que STF está fragmentado e que decisões monocráticas agridem a lei
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STF está perdendo legitimidade ao intervir “em quase tudo”, afirma Falcão - Foto: Evandro Pereira

por Pettronio Torres*

Um dos mais importantes juristas do país e ocupante da cadeira número 3 da Academia Brasileira de Letras, deixada pelo escritor Carlos Heitor Cony, Joaquim Falcão esteve ontem em João Pessoa para receber uma premiação e ministrar uma palestra para jovens estudantes do curso de Direito em uma faculdade particular. Ele, que também é fundador da Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas, em entrevista concedida A União, disse que o Supremo Tribunal Federal está fragmentado e descumpre a Constituição do Brasil quando os seus ministros proferem decisões monocráticas.

“Nos dias atuais, as pessoas ficam focadas nos ministros, em quem decide o quê. Tá tudo vinculado: STF e demais cortes. Temos um problema institucional. Supremo é Supremo, são 11 ministros. Eles se isolam e perdem a credibilidade. O Supremo Tribunal Federal não pode ter decisões monocráticas. Hoje a Suprema Corte vive um problema de fragmentação interna. A imagem da nossa Suprema Corte está muito desgastada. O Supremo não pode adiar decisões importantes por mais de 200, 300 dias.”, disse o jurista-mestre, Joaquim Falcão.

"Supremo é Supremo, são 11 ministros. Eles se isolam e perdem a credibilidade. O Supremo Tribunal Federal não pode ter decisões monocráticas"

Em relação a está problemática de decisões se arrastarem por muito tempo, por vários anos, como a descriminalização do uso da maconha, que já dura quase uma década, Joaquim Falcão disse que a ministra Rosa Weber é uma componente da Suprema Corte que tenta resolver este problema.

“Mas a oposição dentro do Supremo Tribunal é muito grande. A Rosa Weber está tentando ver se enfrenta isso. O STF tem um problema de funcionamento e fragmentação interna. E só ele pode voltar a ser Supremo. Na cabeça dos eleitores, na cabeça da opinião pública. Porque a imagem está desgastada e quando isso acontece, perde a legitimidade”, explicou.

Com linguagem de fácil compreensão tanto para quem o assistia como para quem o entrevistava, Joaquim Falcão, que também é professor, dava aula ao explicar como funciona a Justiça brasileira. Ele dava o passo a passo do nascimento de um processo em um escritório de advocacia e até como funcionam as mais complexas decisões do país, na Suprema Corte.

“O Supremo Tribunal Federal está perdendo legitimidade na atualidade. Ele está intervindo em praticamente tudo. Os conflitos mais complexos estão sendo resolvidos na Suprema Corte. E isso não é bom”, ressaltou Joaquim.

Para Joaquim, o STF está querendo ser muito, está querendo ser mais e intervindo em tudo. O jurista cita o direito de propriedade, onde segundo ele, mais de 60% da população brasileira não tem essa segurança.

“A busca pela justiça é resolver uma questão, um conflito. Aí eu pergunto, onde estão sendo resolvidos os conflitos da opinião pública brasileira? Mais de 60% dela, da população, não tem direito de propriedade. Onde já se viu em um regime capitalista não ter direito de propriedade? Vive na incerteza”, lamentou o jurista.

No currículo, estudos em Harvard e doutorado em Genebra, na Suíça

Joaquim Falcão é graduado em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) é mestre em direito. Dirigiu a Fundação Roberto Marinho na década de 1980 até 2000. Foi um dos responsáveis pela criação do Globo Ecologia e do Futura, além do Telecurso 2000. Também atuou no Conselho Nacional de Justiça e colaborou na modernização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Em 1987, foi admitido pelo presidente Mário Soares de Portugal à Ordem do Mérito no grau de grande-oficial. Em 1996, foi admitido por Fernando Henrique Cardoso à Ordem do Mérito Militar no grau de comendador especial. Em 1995, foi feito por FHC conselheiro consultivo do Programa Comunidade Solidária da Casa Civil. No ano seguinte, foi nomeado pelo presidente conselheiro de Reforma do Estado do Ministério da Administração Federal. Em 1997, tornou-se conselheiro consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), no âmbito do Ministério da Cultura.

Fundou, em 2002, a Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio), da qual foi diretor até 2017. Foi um dos integrantes da primeira composição do Conselho Nacional de Justiça, indicado em vaga destinada a cidadão de notório saber jurídico e reputação ilibada apontado pelo Senado Federal do Brasil. Tomou posse em 14 de junho de 2005 e foi reconduzido para um segundo mandato em 26 de junho de 2007.

É autor dos livros “A favor da democracia” (2004), “Mensalão: Diário de um julgamento” (2013) e “Reforma eleitoral no Brasil” (2015). Em 2018, o jurista Joaquim Falcão foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Ele ocupa a cadeira 3, deixada pelo escritor Carlos Heitor Cony, que morreu no dia 5 de janeiro de 2018. Ele recebeu 32 dos 35 votos possíveis, três foram em branco, e quatro membros não puderam votar por motivos de saúde.

 A crise institucional vivida pelo país é um problema permanente

Perguntado sobre a crise institucional vivida pelo país e se ela poderia ter um fim, assim como a despolitização dos militares e do Judiciário, Joaquim Falcão acha quase impossível colocar um ponto final neste quesito.

Para o jurista Joaquim Falcão, mais de 60% da população brasileira não têm direito de propriedade

Ele sorriu e disse: “Teríamos que mudar nossa história. Os militares, por exemplo, de vez em quando eles voltam. Isso faz parte de nossa genética histórica. Voltam com Getúlio, com a nossa ditadura em 64 e agora de forma estranha. Porque eles, os militares, perderam o comando e foram usados. Aí você tem um processo mais grave”, completou.

Joaquim acrescentou que neste caso o processo é mais grave. “É uma desinstitucionalização do Judiciário, dos militares também”, lamentável, finalizou o jurista Joaquim Falcão. À noite, ele ainda participou do lançamento do livro “Joaquim da Silva: Um Empresário Ilustrado do Império” (em sua 2ª edição revista e atualizada), do professor Sales Gaudêncio, na Academia Paraibana de Letras. Joaquim Falcão além de fazer a apresentação presencial do livro, foi também o prefaciador da obra.

Descriminalização da maconha acaba sendo “jogo de empurra”

Uma das mais antigas matérias que tramitam hoje no STF é a descriminalização da maconha. Para Joaquim Falcão, essa matéria não foi resolvida por medo dos congressistas brasileiros e passam ‘a bola’ para a Suprema Corte. Ele disse que o Congresso não quer entrar em decisão complicada, como esta. Então, partidos e congressistas vão pedir ao STF para intervir.

“Eu não gostaria de perder de vista um conceito que nos ajuda muito. Ele é o seguinte: nós não temos os três poderes separados. Eles estão em relação, ou seja, não é só um que faz. Cada um que faz os seu papel. No caso da maconha, por exemplo, há mais de 20 anos eu faço parte de várias comissões para legalizá-la, desde o Oswaldo Cruz até o Fernando Henrique. Mas porque foi parar no Supremo e nas mãos de Alexandre de Morais, por que a maioria da população na quer a legalização da maconha”, opinou o jurista.

Para Joaquim Falcão, o problema da descriminalização da maconha é um problema que afeta as classes menos favorecidos. Segundo ele, pesquisas indicam que mães pobres, as famílias pobres não sabem como lidar com este problema.

“Então, estes segmentos na nossa sociedade, preferem que o estado fique à frente deste problema. O Congresso sabe disso e o Congresso não quer decidir. Então, o próprio Congresso estimula a intervenção do Supremo. Às vezes, o Congresso não quer entrar em decisão complicada. Partidos e congressistas vão pedir ao STF para intervir”, sentenciou Joaquim.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 23 de agosto de 2023.