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CÓDIGO URBANÍSTICO

TJ vê inconstitucionalidade em lei

publicado: 16/10/2025 08h37, última modificação: 16/10/2025 08h37
Desembargadores formam maioria para derrubar norma municipal que flexibilizava altura de prédios na orla
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Estabelecida pela Constituição Estadual, Lei do Gabarito preserva sombreamento e equilíbrio ambiental na faixa litorânea | Foto: Roberto Guedes

por Priscila Perez*

Em um julgamento que pode redefinir o destino da orla de João Pessoa, o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) analisou, ontem (15), a constitucionalidade da Lei Complementar nº 166/2024, que atualiza o Plano Diretor da capital. A sessão acabou sendo suspensa após um pedido de vista do desembargador Onaldo Rocha de Queiroga, mas o Tribunal já havia formado maioria pela inconstitucionalidade da norma, com 11 votos favoráveis e nenhuma objeção. Com quatro votos pendentes e sem data para uma nova sessão, o desfecho do julgamento permanece em aberto, acalorando o debate em torno do Litoral pessoense.

No centro da discussão, está a chamada Lei do Gabarito, que define os limites de altura dos prédios construídos na faixa litorânea. Movida pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB), a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apontou diversas falhas na elaboração da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) de João Pessoa, aprovada em 2024, desde a baixa participação popular até o número elevado de emendas incluídas sem debate público — mais de 50, no total.

Representando o órgão, o procurador-geral de Justiça da Paraíba, Leonardo Quintans, destacou que foram realizadas apenas quatro audiências públicas ao longo do processo, número considerado insuficiente para um tema tão relevante para a cidade. Para ele, a norma representa um “retrocesso ambiental inaceitável” ao flexibilizar a Lei do Gabarito e comprometer o equilíbrio paisagístico da cidade, além de violar princípios constitucionais de proteção ambiental. “Sob o pretexto de regular o uso e a ocupação do solo, institui um grave atentado à ordem constitucional, ao patrimônio paisagístico da capital e ao futuro da nossa Zona Costeira”, disse.

O que mudou?

Na prática, o que mudou com a nova regra foi a forma de calcular a altura dos prédios na orla. Antes, a medição era feita até o teto, o ponto mais alto da construção. Mas, com a nova lei, passou-se a considerar o piso do último andar. Essa alteração, segundo o MPPB, abre brecha para a construção de prédios com pé-direito duplo, o que aumenta a altura real das edificações e quebra o escalonamento previsto para a faixa litorânea. Por isso, o órgão entende que o texto apresenta vícios que tornam a lei inválida desde a sua origem, em abril de 2024. “A maioria formada é pela declaração da inconstitucionalidade nos moldes pedidos pelo Ministério Público”, afirmou o procurador.

Os argumentos apresentados pelo MPPB têm como base estudos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), elaborados pelo Laboratório de Topografia da instituição, que apontaram que a nova lei pode permitir ganhos de até 6 m na altura das edificações, em comparação ao decreto anterior. Para se ter ideia, a Constituição Estadual estabelece que o limite máximo de 35 m só pode ser alcançado após os primeiros 500 m a partir da maré de sizígia, linha que marca o limite mais avançado do mar. A LUOS, no entanto, cria nove faixas de gabarito progressivo, permitindo atingir essa altura antes desse ponto.

Argumento do relator

O relator da ação, o desembargador Carlos Martins Beltrão Filho, acompanhou o entendimento do MPPB ao considerar que a nova legislação fere princípios constitucionais. Em seu voto, destacou que a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município de João Pessoa asseguram a preservação ambiental e o limite máximo de 35 m para edificações instaladas na última faixa de 500 m da orla.

Dessa forma, a seu ver, o texto aprovado pela Câmara Municipal “viola um bem coletivo e ambientalmente protegido”, classificado como patrimônio paisagístico e cultural da Paraíba. “A propriedade e o desenvolvimento econômico, embora corretos em tese, não se aplicam para justificar a precarização da proteção ambiental sem a demonstração de um interesse público superior”, reforçou. Com base nesse entendimento, o relator também defendeu que a decisão tenha efeito retroativo, anulando a lei desde a data em que foi promulgada.

Defesa sustenta validade da norma e prevê colapso com a anulação

Ruim com ela, pior sem ela? Para representantes da Prefeitura de João Pessoa, da Câmara Municipal e do Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa (Sinduscon-JP), a anulação da Lei Complementar nº 166/2024 pode desencadear um verdadeiro caos. De acordo com o procurador do Município, Sérgio Dantas, que, naturalmente, defendeu a legalidade da norma, os efeitos práticos de uma possível suspensão seriam devastadores. Até o momento, 181 processos de licenciamento foram abertos com base na nova regra e, pelo menos, 121 poderiam parar na Justiça, caso a lei seja derrubada. “O Ministério Público fala em ausência de transparência, mas, se a norma for considerada inconstitucional, voltará a vigorar um decreto elaborado por apenas uma pessoa, o chefe do Executivo, o que, a meu ver, não é coerente”, opinou.

Sérgio lembrou que a decisão não afeta apenas as construtoras, mas também “o pai de família que comprou um imóvel e, agora, não sabe se ele será entregue” e “o vendedor de tapioca que depende do fluxo turístico”.

A Câmara Municipal de João Pessoa, por sua vez, representada pelo procurador Rodrigo Farias, negou que as mudanças trazidas pela lei signifiquem um retrocesso ambiental. Segundo ele, o limite de altura previsto na Constituição segue preservado, já que a norma moderniza o texto anterior sem comprometer a proteção da orla.

Rodrigo criticou o que chamou de “debate retórico” em torno da ação e afirmou que a discussão precisa se apoiar em dados e fundamentos técnicos. “O debate retórico não pode ganhar dos fatos e da ciência”, reforçou, ao defender que o tema seja debatido com base em critérios urbanísticos e ambientais concretos.

Já o Sinduscon-JP, que representa o setor da construção civil no processo, alertou para os impactos econômicos de uma possível anulação da lei. Segundo a entidade, derrubar o texto de forma ampla criaria um cenário de insegurança que poderia paralisar obras, afastar investidores e colocar empregos em risco. O sindicato também teme que a medida resulte em desocupações e até demolições de imóveis já licenciados sob a nova regra.

Durante a sessão, o advogado da entidade, Valberto Azevedo, afirmou que o julgamento acontece sem uma base técnica sólida. “Não foi produzida nenhuma prova com a necessária isenção para o julgamento da questão”, disse, ao intervir por uma análise mais equilibrada e respaldada por estudos independentes.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de Outubro de 2025.