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Tramas violentas reacendem debate

publicado: 25/11/2024 09h23, última modificação: 25/11/2024 09h23
Ataque a bomba e operação contra suspeitos de articular assassinatos expõem perigos do perdão a golpistas
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Pressão popular e de grupos políticos contra o Projeto de Lei no 2.858, proposto por deputado liberal, aumentam no país | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

por Filipe Cabral*

Uma semana após o atentado em Brasília (DF), que terminou com a morte do próprio autor, Francisco Wanderley Luiz, a prisão, pela Polícia Federal, de suspeitos de planejar os assassinatos do presidente  Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes reabriu o debate nacional em torno da responsabilização de pessoas envolvidas em atos antidemocráticos no país. Enquanto, de um lado, militantes, juristas e parlamentares defendem a rápida apuração e punição dos executores e articuladores de tais eventos; de outro, setores da chamada “extrema direita” da política brasileira reivindicam o perdão para os acusados. Exemplo disso é o Projeto de Lei (PL) no 2.858, que tramita no Congresso Nacional e propõe anistia aos acusados e condenados por participar de manifestações golpistas como as ocorridas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023.

De autoria do ex-deputado federal Major Victor Hugo (PL-GO), o texto, apelidado de PL da Anistia, atualmente, encontra-se parado, na Câmara dos Deputados. No último mês, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão especial para debater o tema. De modo geral, o projeto prevê anistia a todos os participantes de atos com motivação política ou eleitoral — ou que os apoiaram com doações, apoio logístico, prestação de serviços ou publicações em mídias sociais — entre 8 de janeiro de 2023 e o início da vigência da lei.

Na última semana, após a prisão dos quatro militares do Exército e do policial federal suspeitos de planejar, em 2022, os assassinatos de Lula, Alckmin e Moraes, o PSol protocolou um pedido de arquivamento do PL da Anistia. De acordo com os parlamentares da legenda, o perdão aos envolvidos no 8 de janeiro poderia servir de incentivo a outras tentativas de abolição do Estado Democrático de Direito.

 Paraibanos divergem

Entre os parlamentares da bancada federal paraibana, até o momento, não existe consenso sobre o tema. O deputado Luiz Couto (PT), por exemplo, diz-se “terminantemente contrário” ao projeto, que, segundo ele, “não é só uma afronta ao ordenamento jurídico e à Constituição Federal, mas também um atentado contra a memória e os princípios que sustentam o Estado Democrático de Direito”.

“Esse projeto é uma verdadeira anomalia jurídica. Ele tenta legitimar o que é ilegítimo, normalizar o que é criminoso e anistiar, de forma irrestrita, condutas que abalaram a confiança nas nossas instituições. A Constituição é clara ao proteger o Estado Democrático de Direito e ao vedar anistia para crimes como terrorismo, os quais estão entre as condutas investigadas e amplamente documentadas. Não podemos permitir que um projeto como este avance. Anistiar esses atos seria premiar a ilegalidade, enfraquecer as instituições democráticas e abrir um perigoso precedente para o futuro”, afirma o deputado.

Prismas
Jornal A União ouviu representantes da Paraíba no Congresso Nacional, que apresentaram posicionamentos distintos em relação à tramitação do texto

Na outra ponta, Cabo Gilberto (PL) defende a iniciativa como forma de conter o que ele considera como “excessos” do Judiciário brasileiro. Para o parlamentar, o projeto defenderia o direito de pessoas que, em sua visão, estariam sendo injustamente punidas.

“Nós defendemos a punição severa para quem foi pego cometendo crime. A gente não está para passar a mão na cabeça de ninguém. Agora, a gente não pode permitir que pessoas que sequer estavam na Praça dos Três Poderes [no 8 de janeiro] ou mesmo as que foram ao local, mas não quebraram nada, sejam punidas com 17 anos de cadeia porque não houve o devido processo legal”, alega.

Praticamente consolidado como candidato único à presidência da Câmara dos Deputados no próximo ano, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos) tem optado pelo tom moderado em declarações à imprensa e defendido uma “análise cautelosa” do tema. “Tenho defendido o equilíbrio. Teremos a cautela necessária para dar essa contribuição. Precisamos ter um ambiente de convergência”, comenta o parlamentar.

Analistas falam em “erro grave” e veem projeto com descrença 

De acordo com o cientista político e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) José Marciano Monteiro, a mera possibilidade de o Congresso Nacional perdoar os delitos cometidos por pessoas envolvidas em atos democráticos representa “um erro gravíssimo” do Legislativo. Segundo ele, a aprovação do projeto interessa apenas aos grupos políticos e econômicos que, nos últimos anos, estimularam ações golpistas e “pactuaram” com o 8 de janeiro de 2023.

Ao tentar anistiar os envolvidos, o Congresso estaria colocando em cheque a própria harmonia entre os Poderes
- José Marciano Monteiro

“Ao tentar anistiar os envolvidos no atentado de 8 de janeiro, o Congresso Nacional, por meio dos parlamentares que defendem essa pauta, estaria ratificando atitudes antidemocráticas e colocando em cheque a própria harmonia entre os Poderes da República, visto que o que ocorreu em 8 de janeiro foi um atentado não só contra a democracia, mas também contra as instituições democráticas, entre elas, o Supremo Tribunal Federal”, analisa.

Ainda segundo Marciano, mesmo que seja aprovado pelo Congresso, o projeto dificilmente teria respaldo jurídico de instituições como o STF. O empenho da Corte na investigação e responsabilização dos envolvidos nos atos golpistas e, mais recentemente, dos suspeitos de planejar o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes, seriam provas de que o Judiciário não medirá esforços para que tais atos não sejam admitidos e, portanto, não se repitam. 

Ataque aos símbolos da República, ocorrido em 8 de janeiro de 2023, resultou na prisão de mais de 1,4 mil pessoas | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O cientista político, contudo, acredita que a blindagem do Judiciário ao tema não será necessária, pois, conforme observa, não há, hoje, “clima político” para a aprovação do PL.

“Tanto a questão do atentado a bomba, na última semana, quanto o que veio à tona esta semana com essa trama do assassinato, tudo isso interfere na análise do projeto de anistia. A meu ver, fica mais difícil argumentar pela anistia dos envolvidos diante das evidências que estão vindo à tona por meio das investigações da Polícia Federal”, considera.

O analista político e professor de história da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Lúcio Flávio Vasconcelos concorda que a matéria não deve avançar no Congresso. Conforme ele, a própria criação da Comissão Especial seria uma estratégia de Lira para amenizar a discussão no Legislativo.

“Tem uma máxima na política que diz assim: quando não se quer resolver uma coisa, cria-se uma comissão. Ao mesmo tempo que você tem essa pauta, que vem do segmento mais de extrema direita do Congresso, você tem um grande segmento dentro do Congresso que não quer se indispor com o Supremo Tribunal Federal”, avalia o pesquisador, para quem a aprovação da proposta seria “um tapa na cara” dos Poderes Públicos do país.

“Eu acho pouco provável que exista um clima dentro do Congresso para que a maioria aprove essa questão da anistia. Principalmente porque seria um embate, um tapa na cara, do Supremo e do próprio Congresso, que foram depredados pelos vândalos que queriam um golpe de Estado”, pontua.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de novembro de 2024.