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Universidades públicas são invadidas às vésperas do segundo turno

publicado: 26/10/2018 08h16, última modificação: 26/10/2018 08h16
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Modelo de atuação da Justiça com uso de força policial é similar ao patrulhamento ideológico praticado durante o regime militar - Foto: Reprodução

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Do portal Brasil de Fato

Com a proximidade do segundo turno, fiscais de tribunais eleitorais, policiais federais e militares, a mando de juízes ou seguindo a solicitação de estudantes, invadiram universidades públicas em todo o país para interrogar, intimidar e apreender materiais, além de ordenar a retirada de comunicados do ar. A prerrogativa usada pelos juízes é a de que os materiais constituem campanha para o candidato Fernando Haddad (PT). Não havia, no entanto, qualquer menção à candidatura.

Na manhã dessa quinta-feira (25), policiais federais armados adentraram Associação Docente da Universidade Federal de Campina Grande (ADUFCG) obedecendo a um mandado de busca e apreensão, expedido pelo juiz eleitoral Horácio Ferreira de Melo Junior, para recolher o "Manifesto em Defesa da Democracia e da Universidade Pública", assinado pela entidade sindical e aprovado pela categoria em Assembleia. Eles também levaram o HD do computador da assessoria de imprensa do sindicato docente.

"Esse manifesto tem esse teor, [e repercute] a defesa irrestrita do nosso sindicato, o Andes, da democracia, das liberdades democráticas, da defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, laica, socialmente referenciada. Não é um material ou manifesto que faz menção à defesa de uma candidatura ou de outra. É claro que o teor político do manifesto acaba se chocando com uma candidatura que de certa forma vai de contrário a essa bandeira", contou Tiago Neves, professor de psicologia e diretor social da ADUFCG.

Ainda na Paraíba, homens, que se apresentaram como membros do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), estiveram na quarta-feira (24) na Universidade Estadual da Paraíba para interrogar uma professora.

"Fiscais sem documentos comprobatórios, com a jaqueta do TRE, invadiram a sala de aula de uma professora para investigar a denúncia de que estaria acontecendo propaganda para um candidato. Obviamente que não estava. A professora estava trabalhando um conteúdo a partir da exibição de um filme e eles foram embora", disse o presidente da associação docente da universidade, Nelson Júnior, em declaração nas redes sociais.

"Queremos que os professores continuem trabalhando com os seus conteúdos. A liberdade do debate político está presente na nossa sociedade. Não pode pedir voto nos espaços da universidade, mas pode discutir o conteúdo político e programático. Afinal de contas vivemos em uma democracia", protestou o presidente da associação.

Em outro episódio, na terça-feira (23), policiais invadiram a Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, para remover uma bandeira antifascista, que não continha qualquer menção à nenhum dos candidatos. A Universidade Federal de São João Del Rei (MG) recebeu também nesta quarta-feira um Mandado de Notificação que ordena a retirada do ar da Nota da Universidade Federal de São João del-Rei a favor dos princípios democráticos e contra a violência nas eleições presidenciais de 2018, assinada pela Reitoria da instituição. Eles têm 48h para retirar o conteúdo do ar.

"A violência que atinge hoje grupos minoritários de nossa sociedade - negros, índios, quilombolas, LGBTI+, pessoas com deficiência, mulheres - está se alastrando para grupos que sejam contrários à doutrina de um dos candidatos. A própria universidade, ambiente necessariamente democrático, plural, de produção de conhecimento, arte e cultura tem sua própria existência ameaçada nesse contexto de violência e de desrespeito à democracia", afirma a nota da universidade.

Enquanto dava uma aula sobre fake news, na disciplina de Mídias Sociais, do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Pará (UEPA), o professor Mário Brasil teve sua aula invadida pela Polícia Militar. O acontecido foi relatado em nota pública do Sindicato dos Docentes da UEPA:

"O professor Mário Brasil relatou que, durante uma de suas aulas, ao solicitar aos alunos que fotografavam seus slides, falou, em tom de brincadeira, que os mesmos não fizessem Fake News com aquelas imagens. Por isso, uma das alunas se ofendeu, entendendo como indireta à sua pessoa e se retirou da sala. Posteriormente, o pai da referida aluna entrou na universidade acompanhado de policiais que abordaram o docente inquirindo-o e coagindo-o a se deslocar à delegacia para prestar esclarecimentos. O professor sabiamente se recusou e informou que somente compareceria acompanhado do seu sindicato e advogados e buscou o diálogo entre os presentes. Neste momento, os policiais desistiram da ação", informou.

Para o geógrafo e professor da UEPA, Daniel Sombra, o acontecido "constitui um claro precedente contra a autonomia universitária, a pluralidade de pensamento, o respeito às tradições das ciências sociais e o cerceamento à liberdade de pensamento".

Em outra violação da autonomia universitária, o juiz Rubens Witzel Filho emitiu, nessa quinta-feira (25), um mandado de notificação para a Universidade da Grande Dourados (MS) proibindo a realização da aula pública "Esmagar o fascismo", que seria realizada no mesmo dia, às 10h, nas dependências da universidade.

Lembranças de chumbo

Para Eleonora Menicucci, socióloga e professora titular de saúde coletiva da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a situação é de preocupação e apreensão, dado que esses ataques representam um duro golpe contra a autonomia universitária.

"A única época em minha história de vida em que não tiveram, em que não tivemos, foi na época da ditadura civil-militar. Mesmo assim, custou-se para invadir as universidades e isso me preocupa enormemente. É uma censura ao pensamento, é uma censura ao conhecimento e ao saber", afirmou a socióloga.

Menicucci ressalta que pensamento, conhecimento e saber só são o que são se estão dentro de uma prática social: "E essa prática social é a manifestação dos contrários. Os estudantes e professores e funcionários que são o tripé que compõe a universidade, tem que ter inteira liberdade de se manifestar".

A Pontífica Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, que teve seu campus invadido pelas forças de repressão em 1977, com a prisão de diversos estudantes, e seu teatro incendiado, se manifestou hoje para "repudiar toda manifestação de ódio, intolerância e constrangimento de qualquer ordem, contrária à igualdade individual e coletiva, política, econômica, social, racial e de gênero, do conjunto da população brasileira, conforme o que estabelece a Constituição".

A nota afirma que "atualmente encontra-se em risco a defesa dos interesses do povo brasileiro, de seus trabalhadores, bem como dos mais frágeis e vulneráveis, que constitui o alvo prioritário de nossas ações" e declararam se juntar "aos que conclamam por um amplo movimento de união que permita um futuro com a garantia da justiça social e a plenitude de acesso ao bem-estar pelo conjunto do povo brasileiro."