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A eleição de Dom Chicote

publicado: 21/05/2018 09h53, última modificação: 21/05/2018 09h53
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Agatha Justino

Jair Bolsonaro subiu ao palanque em Natal (RN) defendendo que a população tenha o direito de se armar. Afirmou que copiará a legislação norte-americana e que “violência se combate com mais violência”. O evento aconteceu no mesmo dia em que oito pessoas morreram em tiroteio em uma escola de Santa Fé, no Texas.

Bolsonaro não é único a reviver a polêmica do armamento no Brasil. Do lado direito do ringue, defendem a volta da política do banho de sangue travestida de direito de defesa os presidenciáveis João Amoedo (Novo) e Álvaro Dias (Podemos). Do lado esquerdo, o PCO (Partido da Causa Operária), diz que em contraposição à “esquerda pacifista pequeno-burguesa”, defende “o direito de se armar do povo como autodefesa contra os ataques da burguesia aos direitos”.

Advogam em favor do desarmamento, do bom senso e da inteligência os presidenciáveis Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (REDE), Lula (PT), Ciro Gomes (PDT), Paulo Rabello (PSC), Manuela D’Ávila (PC do B), Guilherme Boulos (PSOL) e Rodrigo Maia (DEM).

Mas se a crise na segurança pública e o medo da população são argumentos fortes de quem defende esta política, qual é a eficiência de armar civis?

IMG_4824.JPGEmbora uma variedade de estudos acadêmicos provem que a estratégia só aumentará os níveis de violência, o nosso melhor laboratório é a própria história. Até 2003, quando foi aprovado o Estatuto do Desarmamento, era possível para qualquer brasileiro com mais de 21 anos adquirir uma pistola ou revólver em lojas de artigos esportivos ou em grandes lojas como a Mesbla, com pagamento parcelado e sem juros. Anúncios de marcas como Smith & Wesson e Taurus estavam em boa parte das revistas: “Eu não teria medo se possuísse um legítimo revólver”, dizia uma das peças publicitárias com a imagem de uma mulher assustada dentro de casa. Boates tinham chapelaria para as armas. Fabricantes financiavam campanhas e formaram uma Bancada da Bala no Congresso Nacional.

Vivendo com a liberdade para possuir uma arma e enfrentar os bandidos, é possível acreditar que o Brasil pré-desarmamento era um jardim? Apenas se estivermos pensando no bairro Jardim Ângela (SP), que em 1996, contava com mais homicídios que guerra civil da Iugoslávia. De acordo com o Ministério da Saúde e o IPEA, de 1980 até 2003 as taxas de homicídios subiram em níveis alarmantes e o Estatuto do Desarmamento freou o número de mortes e foi responsável por salvar 160.036 vidas brasileiras, diz o estudo Mapa da Violência.

Mas a quem pertencem essas 160 mil vidas?

Em um país que ainda não se pacificou culturalmente e preza por uma cultura de violência, as vidas poupadas incluem a minha e a sua. Afinal, as mortes por arma de fogo ocorrem em brigas entre vizinhos, parentes, acidentes de trânsito, mortes acidentais e aquele marido que batia na esposa até o dia em que encontrou uma arma de fogo.

O Projeto de Lei 3722/2012, do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC) que propõe a "flexibilização" do Estatuto do Desarmamento sugere a diminuição da idade mínima para aquisição de arma de 25 para 21 anos. Elimina a comprovação de necessidade de arma, proíbe compra apenas para condenados por crimes dolosos (hoje o comprador não pode ter antecedentes criminais), libera a publicidade e entre os pontos mais assustadores, amplia número de armas por pessoa de seis para nove e de munição de 50 para 600, por ano. É o Estado retirando o componente de responsabilidade ao cidadão portador de uma arma e liberando a carnificina.

Candidatos armamentistas estão criando um estelionato eleitoral ao apostarem no medo da população para se venderem como arautos da segurança. Os Dom Chicotes que acreditam na arma como promessa de liberdade e apostam no massacre como caminho para urnas, ignorando a responsabilidade inerente à posse de armas e munições em casa. Eles ignoram a possibilidade de tragédias pessoais, omitem dados e os estudos que comprovam que adicionar mais armas em circulação não reduzem a criminalidade e que os países restritivos são os que têm menos violência. O Japão, primeiro país a instituir o controle de armas ainda em 1958 deveria ser o nosso exemplo neste item. Já os Estados Unidos, um contraexemplo. Combater o crime é papel de uma polícia forte, bem equipada, treinada e remunerada. A ordem na casa sonhada não virá revertendo nossos avanços civilizatórios tão quanto a paz não vem por disparo.