De tempos em tempos, jornais e jornalistas são levados a repensar sobre o que entregam ao leitor. Trata-se de uma profissão que funciona dentro de um regime de paradoxos cuja ética e missão são frequentemente colocadas em xeque. Mal chegamos ao final de junho e o papel dos jornalistas, bem como as consequências do que publicam, foi colocado no divã. No país em que o caos e as notícias acontecem depressa, pobre coitado do jornalista que insiste em ser cauteloso. O Brasil de 2019 não quer refletir, mas opinar rápido. Antes que a pauta mude.
Conceitos do que é informação e opinião confundem o leitor, mas atingem um novo patamar quando o assunto é o suposto estupro cometido por um atleta cuja carreira foi construída de forma narcísica e endeusada - isto aqui é um exemplo de juízo feito pela colunista. A mídia é parte autora do sucesso de Neymar Jr. e teve um papel decisivo na formação da opinião pública no recente caso de abuso sexual envolvendo o jogador. As reportagens transmitidas pelas emissoras Globo, Record e Band deixaram claro a predileção pelo atleta em detrimento da modelo. No saldo final, ficamos com uma igualdade de tratamentos corrompida, a opinião pública sobreposta à informação e um jornalista, Mauro Naves, afastado por participar ativamente da negociação entre o advogado da vítima e a equipe do “menino Ney” para abafar o escândalo.
A discussão sobre Neymar abriu o mês, mas esfriou quando o grande herói brasileiro, o juiz Sergio Moro, tem conversas com o promotor Deltan Dallagnol vazadas pelo site The Intercept. O teor do diálogo sinaliza parcialidade do judiciário e abre espaço para que o julgamento de Lula seja contestado – sim, isso é uma informação. O debate jurídico foi também um debate sobre ética. Um juiz pode ter este tipo de relação com a promotoria? E o jornalista ao receber um material obtido de forma ilegal estaria cometendo um crime ao publicá-lo? A resposta para a primeira pergunta está em aberto entre os juristas de plantão, mas para a segunda é uma questão bastante óbvia: não só pode como deve. O jornalista tem o direito de publicar provas obtidas ilegalmente e de proteger a fonte que forneceu o material. O que ele não pode fazer é induzir alguém a cometer o crime.
Há flores que enfeitam a vida e flores que enfeitam a morte – e os sinos das manhãs do Senhor são os mesmos que dobram em finados. Usando o mesmo material, as palavras, o jornalista pode informar a alta do dólar, um abuso sexual, um grampo de uma autoridade e qual político vai mudar de partido nesta semana. Sem a opinião, os textos são parecidos e deixam que o leitor tome suas conclusões. Pode também elevar e destruir carreiras, inflamar a sociedade e nos levar a caminhos que jamais podemos prever. Informação e opinião são flor e sino em uma sociedade que se importa cada vez menos com a única palavra que importa, mas que não foi citada neste texto: o fato.