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Max Weber sem partido

publicado: 11/11/2018 08h38, última modificação: 11/11/2018 08h38

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Agatha Justino

A criação de leis e regras que ordenam a vida do cidadão é um esporte perigoso. Frequentemente, os parlamentares atravessam uma tentação insopitável de inscrever nos textos constitucionais suas utopias e devaneios particulares. Em um cenário com pânico moral em alta, a fantasia de que professores aliciam estudantes para uma corrente ideológica, quase sempre de esquerda, resultou no “Escola sem Partido”. Não se trata apenas de uma proposta em tramitação em Brasília, mas de um conjunto com mais de 150 projetos de lei semelhantes que rondam as esferas municipais e estaduais. Mesmo não aprovados, já impactam negativamente o cotidiano em sala de aula.

O “Escola sem Partido” trata essencialmente das diretrizes que os professores devem seguir em sala de aula: não haverá “dogmatismo nas questões de gênero”, eles não podem “se aproveitar da audiência dos alunos para promover seus próprios interesses, opiniões, concepções, preferências ideológicas, religiosas ou morais”, entre outras barbaridades descerebradas que nos fazem refletir sobre o papel da escola nas nossas vidas. Afinal, é nela que nós afastamos das opiniões da família ou da Igreja e somos apresentados a um universo de pensamentos, teorias sociais e fatos científicos que quebram os padrões aos quais estamos acostumados. Pensar sem a interferência dos pais é libertador.

A existência das escolas particulares em si diminui o poder de rompimento com o que nos é confortável no momento em que somos socializados com outros alunos da mesma classe social, hábitos e interesses. Neste momento, a figura de um professor com coragem para apresentar diferentes pontos de vista torna-se imprescindível. Uma democracia se constrói a partir da coexistência de opiniões distintas e o nosso crescimento só ocorre quando passamos a questionar o que já está consolidado. Nas escolas e universidades, o pensamento deve correr livre e o questionamento sobre o que está sendo transmitido ocorre dentro do fluxo da troca de conhecimento e jamais por imposições e leis.

Quem reclama da doutrinação em sala de aula, parece fechar os olhos para ambientes em que de fato, o pensamento crítico não é bem recebido. Dificilmente desautorizaremos um padre durante a homilia, por exemplo. Restringir a liberdade de ensinar é extrair do professor um direito mais amplo que é deliberar sobre o conteúdo e exercer sua liberdade de cátedra. No contexto prático, também é responsável por legitimar o desrespeito dos alunos em relação ao mestre cuja autoridade está ligada à transmissão do saber. Sugerir que alunos gravem as aulas é de uma ignorância e estímulo à chantagem abismal. Um estímulo ao tom de superioridade daqueles que já dizem: “eu pago seu salário” e se regozijam em diminuir a importância de quem deveria ser o mais respeitado entre os profissionais.

Professores são contratados para ministrar um programa de ensino, mas este contrato não inclui a renúncia da autonomia e deve respeitá-lo como sujeito crítico. Considerando que os principais afetados pelo projeto serão os professores de história, geografia e áreas correlatas, como se espera que uma aula sobre qualquer transformação social não inclua a apresentação dos ideais de esquerda? Trata-se de um pensamento retrógrado, ignorante e inimigo de quem preza pelo pluralismo. Uma asneira conservadora que alimentará patrulhamento e a censura. É comum ver os defensores da proposta colocando na fogueira uma das principais referências em alfabetização do mundo, Paulo Freire. Na última vez que essa demonização aconteceu, o Governo Militar colocou no lugar da metodologia dele um programa conhecido como Mobral, um fracasso educacional que em 15 anos só diminui 2,7% do analfabetismo no país e substituiu o estímulo ao pensamento crítico pela alienação.

Quando penso nas aulas inesquecíveis que tive, percebo que diante de uma anomalia como “Escola sem Partido”, elas não teriam acontecido. Estamos espremidos entre uma geração com a mente embaçada pela censura e aulas de “Moral e Cívica” e uma próxima, educada pelo YouTube. Para escrever essa coluna, entrei no site oficial do projeto e um detalhe me chamou atenção. Os autores escolheram imagens e frases do sociólogo Max Weber para dar um verniz intelectual à proposta. A obra de Weber está para sociologia assim como Darwin está para biologia e Freud para a psicanálise. Não é apenas um clássico, mas todo o fundamento da matéria e está ali mal interpretado, sendo usado para fins políticos. Será que já podemos gritar “Weber sem Partido”?