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Um apê no BNH

publicado: 09/05/2018 13h17, última modificação: 09/05/2018 13h17


Agatha Justino

O destino se compraz em pregar peças e para 2018, ele decidiu que as cenas e roteiros seriam dos mais trágicos. Ainda estamos em maio, mas já passamos pela execução da vereadora Marielle e agora, o desabamento de um prédio no Largo do Paissandu, no Centro de São Paulo. Corremos o risco de naturalizar o absurdo e de repente, começar a enxergar catástrofes como meras adversidades do cotidiano nacional. Por outro lado, convém extrair das fatalidades discussões sérias sobre segurança, a atuação das milícias e agora, o déficit habitacional nas grandes cidades.

A decadência dos prédios ocupados irregularmente e a formação de favelas verticais, não só em São Paulo, mas em todo Brasil, é o triste ponto de chegada de um descaso do poder público que já dura séculos. O prédio que desaba fala em nome dos cortiços, favelas, barracos, assentamentos, casas de taipa e todas as formas precárias de viver, que o brasileiro de cada tempo histórico deixou de se escandalizar. Mais fácil criminalizar os movimentos sociais e as decisões de uma população que não tem absolutamente nada a perder.

Na década de 1960, as questões agrárias e de moradia eram pautas políticas essenciais por aqui. Tão importantes que a primeira lei da Ditadura Militar a ser enviada ao Congresso Nacional em abril de 1964 foi a lei do sistema financeiro de habitação, não pela urgência social, mas como uma resposta política ao presidente deposto João Goulart. A crise da habitação era uma das plataformas de Jango, que apresentava entre as soluções o congelamento de aluguéis, locação compulsória de imóveis vazios e desapropriação urbana, segundo conta a boa, porém enviesada narrativa do economista Roberto Campos. Outro problema destacado na época era o número de construções inacabadas.

Campos conta que entre os objetivos da instituição figurava investimentos de longo prazo e o desenvolvimento urbano em geral. Era uma mudança completa de enfoque. Até então, predominavam as ações da Fundação Casa Popular criada no governo Dutra e usava recursos dos Institutos de Pensão e Aposentadoria (previdência) para financiar as moradias, isto sem pensar em como recompor o capital.

O programa de habitação do regime militar seria liderado por um banco, o BNH, que teria também função orientadora e coordenadora. Os instrumentos seriam os depósitos no sistema financeiro de habitação, as cadernetas de poupança e as letras imobiliárias. Permitia ainda, a subscrição compulsória de letras imobiliárias do BNH por todos os proprietários ou construtores de prédios cujo custo excedesse 850 vezes o salário mínimo vingente. Essa prerrogativa foi classificada por Campos como um príncipio de Robin Hood ao setor imobiliário – empreendimentos de luxo financiando os populares. Essa observação dá o tom ideológico que é utilizado para discutir moradia no Brasil. O aporte mais estável do BNH veio a partir do uso do FGTS.

No princípio, o BNH construía próximo ao centro e buscava a valorização do entorno, o resultado desse modelo pode-se ver ainda hoje em lugares como o Edíficio Natigui, na Vila Madalena em São Paulo. Apelidado pelos vizinhos de “Cohab chique”, 43 anos, os 55 prédios são referência de projeto arquitetônico e valorização. Passado os anos, construções neste padrão foram substituídas por unidades em massa, afastadas do centro.

Muitos economistas, inclusive o próprio Roberto Campos, atribuem o declínio do BNH não só aos escândalos de corrupção, mas também pela fuga do objetivo. O segmento de baixa renda perdeu espaço para operações mais rentáveis de classe média e construções comerciais. Ainda para Campos, houve politização nas contratações de funcionários pelo então presidente do banco, Mário Andreazza, que era candidato à sucessão do general Figueiredo e o subsídio que era destinado para habitação popular foi colocado em benefício da classe média. Coube ao presidente Sarney encerrar as atividades do BNH, que foi absorvido pela Caixa Econômica Federal, mudança que não resultou em economia para os cofres públicos e deixou parte da expertise adquirida em 22 anos de funcionamento sem aproveitamento.

Texto publicado na edição de 6 de maio de 2018 do jornal A União