Agatha Justino
Na era da internet, esperar o domingo para escrever pode ser um doce tormento. Vemos os assuntos nascerem, ganharem corpo e serem esquecidos entre segunda e sexta-feira. Mas há uma vantagem: podemos refletir sobre o tópico sem o nervosismo caça-cliques e dar chance para que ele evolua e nos traga pontos de vista antes ignorados. Quando achávamos que todo debate sobre os brasileiros usando a barreira idiomática para constranger uma russa estava esgotado, o argentino Néstor Penovi de 47 anos gravou um vídeo induzindo adolescentes russas a falarem expressões vulgares. Assim como aconteceu com os brasileiros, o filme viralizou e Néstor foi obrigado a pedir desculpas públicas, além de ser proibido de participar de qualquer evento da Fifa.
No pedido de desculpas, todos os clássicos: “no soy así, tengo 47 años y soy una persona de bien", “Soy de otra generación”, “Fue un chiste de mal gusto”. Aparentemente, Néstor ficou assustado com a repercussão. De fato, a internet cria uma dinâmica de críticas que é inevitavelmente excessiva. Faz parte do mecanismo das redes sociais a capacidade de inflar a raiva coletiva contra um indivíduo e puni-lo por um comportamento comum a aparentemente, maioria dos homens. E esse é o centro do que deveríamos debater: o que prevalece na formação de um homem machista — os incentivos culturais, a convivência com outros homens ou uma educação que aos homens tudo perdoa? As respostas atravessam extremos, quase sempre da esquerda para a direita.
Particularmente, percebi um número de amigos indignados como uma “brincadeira” ganhou essa proporção. Me vi em discussões em que homens de diferentes “épocas”, demonstravam enorme confusão sobre atitudes que passeiam entre a pequena falta de bom senso até o desrespeito chegando por fim, ao assédio. Um verdadeiro paradoxo que coloca o homem como um protagonista desnorteado entre as formas de viver antigas e o conjunto de transformações políticas, sociais e culturais que reclamaram ao longo dos últimos anos um lugar de igualdade e a redefinição de respeito no trato entre os sexos. Casos como o de Néstor e do grupo de brasileiros já conhecido por todos ensinam que as indelicadezas habituais encontrarão menos abrigo nos silêncios complacentes e na educação conivente, que ao longo dos anos ensinou aos homens que a brincadeira grosseira é legítima e às mulheres, que elas deveriam se “dar ao respeito”, quando na realidade o respeito sempre foi delas por direito.
A confusão também me lembrou um artigo do New York Times de Michael Ian Black, publicado no início do ano. Black aponta para uma questão extremamente necessária na discussão dos gêneros que é a ausência dos homens repensando a própria condição na sociedade, seja ela de dominação ou o estado de renúncias ao qual meninos são submetidos durante essa construção. Nos últimos 50 anos, redefinimos todo nosso papel como mulheres. Passamos por transformações significativas, reivindicamos nosso espaço na sociedade e embora muito setores ainda estejam carentes de avanço, nós fomos beneficiadas por décadas de estudos e conversas sobre a complexidade que é ser mulher.
Resistentes às mudanças, os homens defendem a si e a outros homens de críticas que eles mesmos não entendem. Criam falsas simetrias entre a violência entre homens e mulheres, comparações forçosas com baixo fundamento, que beiram ao ridículo. Muitos meninos estão presos a um modelo antiquado de masculinidade, em que essa característica é medida pela força e pelo poder que é capaz de exercer em relação aos outros. É mais fácil encontrar o isolamento entre os homens e muitas das qualidades usadas para defini-los - agressão, força e competitividade - estão se tornando indesejadas e dispensáveis. A quantidade de homens do nosso convívio que achou engraçado vídeo dos brasileiros e teriam participado dele se estivessem lá, mostra que a educação de meninos deve ser também um dos centro das nossas preocupações. O mundo está em profunda transformação e as relações de gênero, estão no cerne da mudança. Para não se tornarem um grupo perdido na evolução, homens precisam entrar nessa conversa, o mais rápido possível.