O jornal El País trouxe um ranking que aponta os 600 discos mais importantes da música latino-americana, lançados entre 1920 e 2022. E como toda lista, ela é curiosa, injusta (a depender de quem se depara com uma lista dessas) e importantíssima para mergulharmos mais profundamente em um tipo de música que é, ao mesmo tempo, tão perto e tão longe de todos nós, brasileiros: as canções dos nossos hermanos!
Listar as seis centenas de títulos ranqueados pela lista no espaço desta coluna é missão impossível, mas por meio do QR Code nesta página, é possível acessar o site oficial do projeto Los 600 de Latinoamérica - 600 Discos 1920-2022. Assim, vou começar me debruçando sobre o Top 10, que reúne dois álbuns brasileiros; dois mexicanos; dois cubanos, e ainda um argentino; um chileno; um colombiano e, no topo dessa lista, uma produção panamenha (em colaboração com os Estados Unidos): Siembra, de Willie Colón e Rubén Blades, lançada em 1978 pela Fania Records e que se tornou “um dos pilares fundamentais da história da salsa e da música latino-americana”, como aponta o texto de José Luis Mercado — todos os discos têm textos contando um pouco a história do artista e contextualizando a importância do álbum.
O Brasil começa a aparecer a partir da 5a posição, ocupada pelo disco Construção (1971), de Chico Buarque, que aparece após Al Final de Este Viaje… (4o lugar), do cubano Silvio Rodríguez, lançado em 1978; do mexicano Re (3o lugar), do Café Tacvba, lançado em 1994 (e é curioso como no Top 20 há bastante discos lançados nessa década) e Las Últimas Composiciones de Violeta Parra (2o lugar), lançado no final de 1966, apenas três meses antes da artista chilena tirar a própria vida, em fevereiro de 1967.
O colecionador de discos chileno Jorge Cárcamo aponta que Construção (1971) é o sétimo disco de estúdio de Chico Buarque e o primeiro após o retorno dele do exílio na Itália, ressaltando o grande impacto que o álbum traz “Deus lhe pague”, “Cotidiano”, “Samba de Orly” e “Minha história”, entre outras pérolas do cancioneiro de Chico, teve nas lojas (só no primeiro mês, o LP vendeu 140 mil cópias). O texto segue analisando faixa a faixa do repertório. Em “Construção”, por exemplo, Cárcamo ressalta que “os arranjos vanguardistas de Rogério Duprat se misturam a letras que não fariam justiça em descrever. Basta ouvi-lo, lê-lo e relê-lo para mergulhar em seus labirintos”.
Também entre as 10 mais da lista aparece Chega de Saudade (1959), de João Gilberto, na 7a posição, logo atrás de Clics Modernos, que o argentino Charly García lançou em 1983. Sobre o disco do baiano, o peruano José Luis Mercado ressalta que Chega de Saudade é uma obra que transcendeu as fronteiras da música brasileira para definir um novo capítulo na história do gênero conhecido como bossa nova.
Outros 12 álbuns brasileiros compõem a lista até o número 100. Acabou Chorare (1972), dos Novos Baianos, e Samba Esquema Novo (1963), de Jorge Ben (ele ainda não havia acrescentado o “Jor” ao nome) compõem o Top 30 na lista (respectivamente, na 22a e 27a posições).
O marco inaugural do Tropicalismo, o LP coletivo Tropicália ou Panis et Circencis (1968) aparece na 35a posição, à frente de Clube da Esquina (1972), de Milton Nascimento & Lô Borges (40a); do recente A Mulher do Fim do Mundo (2015), de Elza Soares (55a); de Elis & Tom (1974), de Elis Regina & Antônio Carlos Jobim (61a); do homônimo LP de Os Mutantes, lançado em 1968 (65a); e de Estudando o Samba (1976), de Tom Zé (70a).
Para os votantes da lista, Roots, lançado pelo grupo de metal Sepultura em 1996, na 75a posição, é mais importante que o homônimo disco de Roberto Carlos que saiu em 1971 (83a), Transa (1972), de Caetano Veloso (84a) e o disco de estreia do projeto Tribalistas, de 2002 (94a). Juan Francisco Jaramillo justifica a qualidade técnica do disco (“Roots é um álbum que entende a mudança de paradigma do metal por ter uma mixagem em que as baixas frequências do baixo, bateria e percussão são protagonistas”) e ressalta o “absoluto respeito” do grupo pela tradição musical brasileira.
Nessa lista de 600 discos, há apenas dois artistas paraibanos: Jackson do Pandeiro, cujo Forró do Jackson, lançado pela Copacabana em 1956, desponta na 360a posição, e Herbert Vianna, cujo Selvagem? (1986), de Os Paralamas do Sucesso, aparece na 257a posição. Sobre Forró do Jackson, Julián Jiménez escreveu: “Os pontos fortes de Jackson estão à mostra, seu estilo divertido de contar uma história sobre um acordeão cativante, triângulo e ganzá pode ser ouvido ao longo do álbum”. Poderia ter mais artistas paraibanos? Penso que sim. Mas lista é assim mesmo...
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de setembro de 2024.