“Ela é a Everest das casas mal-assombradas”, define o Doutor Barrett (Clive Revill) a caminho da “lendária casa do inferno”, ou da The Legend of Hell House, título original do magistral A Casa da Noite Eterna, um dos principais filmes de fantasmas da história do cinema, que agora em 2023 completa 50 anos – a data de estreia da produção britânica, nos Estados Unidos, foi justamente 15 de junho de 1973.
Com roteiro de Richard Matheson, baseado em um folhetim do próprio escritor (e vale lembrar que ele é autor de obras seminais, como Eu Sou A Lenda e Em Algum Lugar do Passado, que deram origem a filmes de sucesso), A Casa da Noite Eterna narra a história de um grupo formado por um cético físico (Revill), sua esposa (Gayle Hunnicutt) e dois médiuns (Roddy McDowall e Pamela Franklin), que são contratados para investigar possíveis eventos paranormais em uma mansão, depois de várias missões terem fracassado, e até terminado em mortes.
O diretor John Hough veio da televisão, onde dirigiu um sucesso dos anos 1960, a série Os Vingadores (não confundir com os super-heróis, faça-me o favor), e já havia dirigido Peter Cushing no hoje cult As Filhas de Drácula (1971) e Orson Welles em Piratas da Ilha do Tesouro (1972) antes de topar com a casa mal-assombrada.
No documentário de 2001, que acompanha o filme lançado no box Obras-Primas do Terror 17, da Versátil, Hough confessa que muito da inspiração para seu filme veio de outra obra-prima, Desafio do Além (The Haunting, no original), de Robert Wise (que anos depois faria Amor Sublime Amor e A Noviça Rebelde, entre outros clássicos). “Robert Wise apresentou um terror contido. Não é o que você vê, mas o que acha que vê. É um filme de atmosfera. Para mim, o terror é isso”, afirma o diretor de A Casa da Noite Eterna, que se inspirou no uso de lentes e enquadramentos de Wise, inovadores em 1963, quando saiu Desafio do Além.
Embora as histórias desses dois clássicos de casa mal-assombrada tenham muito em comum – em ambos, são quatro pessoas confinadas em uma casa horripilante –, elas diferem no ponto narrativo: a obra de Wise é centrada em uma das personagens (vivida pela atriz Julie Harris) e se enquadra mais como um terror psicológico, enquanto o foco do filme de Hough é a própria casa, e explora justamente os fenômenos paranormais.
Esteticamente, A Casa da Noite Eterna foi além. Colorido (enquanto The Haunting era preto e branco), utilizou sabiamente a paleta de cores para acompanhar a história do grupo que fica cinco dias na mansão de Emeric Belasco, um lorde conhecido por fazer festas estranhas com gente esquisita, que frequentemente incluíam sexo, drogas e rituais bizarros – reza a lenda que Richard Matheson teria se inspirado em histórias envolvendo o ocultista Aleister Crowley.
Por essa razão, existe um tanto de tensão sexual no filme, sobretudo envolvendo a esposa do Doutor Barret, a citada Ann, mulher sexualmente reprimida que a casa trata de transformá-la, e uma relação fantasmagórica bastante íntima envolvendo a médium Florence (Pamela Franklin, a garotinha Flora de Os Inocentes, outro filmaço de fantasmas).
A Casa da Noite Eterna também inovou no uso criativo dos efeitos especiais e apresentou uma trilha sonora bastante pioneira para esse tipo de filme, com uso de sintetizadores eletrônicos mixados a vozes e sinos, entre outros sons, tudo utilizado com bastante parcimônia, apenas para auxiliar no clima sinistro do enredo.
Hough considera seu Mistério no Bosque (com Bette Davis no elenco, lançado em 1980) um filme mais assustador, mas jura que A Casa da Noite Eterna é o seu melhor filme. Para o diretor, o longa também é bastante fiel ao livro. Felizmente, a obra está em catálogo no Brasil em uma edição caprichada lançada em 2021 pela Darkside Books, intitulada Hell House: A Casa do Inferno.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 13 de junho de 2023.