Me peguei alegremente surpreso ao final dos oito episódios de Contos do Loop (Tales From de Loop, no original), série disponível no Amazon Prime. Qual o grande trufo dessa produção de ficção científica? Deixar de lado os arroubos de tecnologia, as propostas políticas de um futuro distópico para se concentrar nos pequenos dramas humanos que fundamentam as boas histórias do gênero.
Contos do Loop se passa não no futuro, mas em um passado de realidade alternativa em uma pequena comunidade dos Estados Unidos, em que a tecnologia é bem rudimentar: não há internet nem celulares, por exemplo, mas há robôs e grandes máquinas futuristas, embora bem sucateadas, como se fossem tratores e caminhões antigos.
É nesse cenário – inspirado nas fantásticas pinturas do artista sueco Simon Stålenhag, especialista em ficção científica retrô – e em torno de um empresa, a Loop do título, que coabitam os personagens de Mercer, Ohio, onde se passa o enredo, cujo ponto de partida é o dono da empresa, Russ Willard (Jonathan Pryce, o Papa Francisco de Dois Papas).
Ele fundou o Loop com o propósito de “desvendar e explorar os mistérios do universo”, como explica nos primeiros minutos da série. É o mote para paradoxos temporais e universos paralelos que irão mover as oito tramas que compõem a temporada. Cada episódio traz a história de um personagem, que estão interligados em algum momento da trama geral.
Tem a nora de Russ (Rebecca Hall), que se reencontra com o passado; o filho dela (Daniel Zolghadri), que acaba entrando numa roubada ao descobrir uma capsula capaz de trocar o corpo entre duas criaturas, ou a paquera dele (Nicole Law), que encontra um artefato capaz de paralisar o tempo, as pessoas e até os animais, enquanto ela vive um romance do seu próprio jeito.
Olhando assim, até parece a clássica Além da Imaginação, ou de sua irmã mais nova, Histórias Maravilhosas (produzidas por Steven Spielberg nos anos 1980, que acaba de ganhar um remake), mas Contos do Loop não faz do fantástico, o mote das histórias. Faz dele o que impulsiona os ótimos episódios da temporada. É o que Hitchcock chamava de “MacGuffin”, quando determinado filme, por exemplo, não é sobre o que há dentro de uma maleta que desperta a cobiça de dois personagens antagônicos, mas como eles se comportam diante desse fato.
Então, quando em Contos do Loop o porteiro do Loop, Gaddis (Ato Essandoh), acidentalmente vai parar numa realidade paralela, onde encontra ele próprio casado com o amor da sua vida, levando uma vida que sempre sonhou, ao invés da solitária e ordinária vida que tem no “mundo real”, é sobre os medos e angústias de Gaddis que trata o episódio, não sobre mundos paralelos.
Da mesma forma, quando o pequeno Cole (Duncan Joiner) descobre, através de uma velha esfera enferrujada que seu avô, Russ, não vai viver muito tempo pela frente, a narrativa não enverada pelos mistérios que levam aquela sucata a revelar quando tempo as pessoas têm de vida, mas na repercussão, social e psicológica, das crianças quando se deparam com a iminente perda de um parente querido.
A produção reúne um timaço não só em frente às câmeras, mas por trás delas: Andrew Stanton, conhecido por dirigir duas ótimas animações da Pixar, WALL·E e Procurando Nemo; Jodie Foster, estrela de O Silêncio dos Inocente que se mostrou uma habilidosa cineasta, e Ti West, conhecido diretor de filmes de horror (fez, entre outros, V/H/S), em meio a uma safra de bons diretores do circuito independente.
Em tempos de séries de ficção científica focada em ação (Stranger Things, Black Mirror, Mr Robot etc.), o timing mais contemplativo e reflexivo de Contos do Loop ganha a simpatia de um público mais maduro, que busca histórias com consistência que não precisam ir a planeta distantes ou mundos bizarros. O outro mundo pode mais perto do que a gente imagina: na nossa própria cabeça.
*publicado originalmente na edição impressa de 02 de junho de 2020.