por André Cananéa*
O assunto que tem ecoado bastante nas páginas de arte e cultura do Brasil é a acusação de plágio contra a cantora Adele, vencedora de um total de 15 prêmios Grammy, o “Oscar da música”. A acusação partiu, na semana passada, do compositor mineiro Toninho Geraes, autor da canção ‘Mulheres’, um dos grandes sucessos do sambista Martinho da Vila. Para o autor, a canção ‘Million years ago’, lançada pela cantora inglesa em 2015, “tem quase 80% da melodia de ‘Mulheres’”, informação confirmada por uma perícia encomendada por ele.
O caso veio à tona mais de cinco anos depois porque, segundo li, Geraes só soube da existência da canção recentemente, embora a balada lacrimosa da cantora – creditada a ela e Greg Kurstin –, tenha sido um dos destaques do álbum 25, de 2015, produzido por Kurstin.
Tenho acompanhado o caso com curiosidade jornalística. Ao contrário do que aconteceu nos anos 1970, quando Rod Stewart plagiou os acordes de ‘Taj Mahal’, lançada por Jorge Ben em 1972, para compor o que viria a ser um de seus maiores sucessos, ‘Da Ya Think I’m Sexy?’, lançado seis anos depois, em 1978, a disputa agora, entre supostos plagiado e plagiadora, conta com um terceiro personagem: a voz ativa dos fãs.
A pressão dos brasileiros para que Adele reconheça o plágio é tão grande que sua equipe chegou a bloquear os comentários da música no canal oficial da cantora no YouTube. E essa força dos fãs brasileiros tem encorajado Toninho Geraes a ingressar na Justiça para obter o reconhecimento pela autoria, caso as notificações extrajudiciais enviadas para a cantora e para a XL Recordings, que lançou a faixa, não tenham sucesso.
O caso Jorge Ben Jor x Rod Stewart foi resolvido no tribunal, quando o cantor inglês admitiu um, vamos lá, “plágio involuntário”, obrigando-o, pela força da justiça, a indenizar o cantor e compositor brasileiro e reconhecer Ben Jor como coautor, remunerando-o pelos direitos autorais da canção.
Geraes também exige uma reparação financeira sobre os lucros obtidos pela cantora com a música, incluindo aí os royalties com visualizações no YouTube e Spotify, além do devido crédito como coautor, o que lhe garantirá os direitos autorais daqui para frente. A julgar pela popularidade de Adele, é um gordo pé-de-meia.
Casos de plágio não são incomuns e, geralmente, acabam em acordo antes de chegar à Justiça. Foi o caso da cantora pop Miley Cyrus, que acertou um valor (não divulgado) com o cantor e compositor Jamaicano Flourgon, que pedia uns bons 300 milhões de dólares de reparação em um caso de plágio, que chegou ao fim com com o consenso.
Mas antes disso teve Ronnie Mack acusando George Harrison de ter copiado sua ‘He’s so fine’ em ‘My sweet lord’; a banda Spirit dizendo que a clássica ‘Stairway to heaven’, do Led Zeppelin, era uma cópia deslavada de ‘Taurus’ (que são, realmente, assombrosamente parecidas) e até o Radiohead afirmando que ‘Get free’, que Lana Del Rey lançou em 2017, foi tirada de ‘Creep’, lançada 15 anos antes, sem a devida autorização da banda. Curiosamente, a própria ‘Creep’ foi acusada de plágio por parte do grupo The Hollies, a partir dos acordes de ‘The air I breath’.
E teve o sucesso ‘Bitter sweet symphony’, do The Verve, que trazia samplers de ‘The last time’, devidamente permitidos pelo escritório dos Rolling Stones em troca de 50% dos royalties. Mas quando a música chegou ao topo das paradas, o escritório dos Stones achou que os samplers eram maiores do que o estabelecido e que, portanto, Mick Jagger e Keith Richards deveriam ficar com tudo, ao invés de só metade dos royalties. A briga se arrastou até 2019, quando Jagger e Richards abriram mão dos direitos, ficando os integrantes do Verve com tudo.
Nessas horas, lembro muito de Tom Zé que, em entrevista ao Jornal da Paraíba no início da década 2000, quando eu estava por lá, afirmou que, matematicamente, todas as combinações possíveis em música já foram feitas, e que é difícil produzir algo genuinamente original por estes dias.
Voltando ao caso ‘Mulheres’, quem se der ao trabalho de, ao terminar a leitura deste jornal, e ir até o YouTube, ouvir a canção de Adele e, em seguida, ouvir a interpretação de Martinho da Vila, sobretudo uma mais lenta, vai constatar a similaridade, mesmo aqueles que não sabem distinguir acorde de melodia. Se você ouvir uma interpretação de Simone para ‘Mulheres’, cujo andamento é muito próximo da música de Adele, vai ter a certeza que se trata de uma cópia, nota a nota.
E como a cantora teria chegado à melodia de ‘Mulheres’? As especulações dão conta de que o produtor e coautor da faixa, Greg Kurstin, afirma em seu perfil no Spotify que conhece bem nossa música e até aprendeu a tocar berimbau.
Os três peritos contratados por Toninho Geraes para tentar entender o caminho que poderia ter levado ao possível plágio. O trio já conseguiu identificar as alterações que foram feitas para supostamente “maquiar” a melodia original, ou seja, a “cirurgia plástica” que mostra o que foi “retirado” e “injetado” para tentar burlar a característica de plágio, conforme comparou o advogado do compositor em entrevista à BBC Brasil.
É esperar as cenas do próximo capítulo, e que a justiça seja feita, para quem quer que seja.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 21 de setembro de 2021.