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‘Sex Education’ e os problemas de hoje

publicado: 26/09/2023 12h49, última modificação: 26/09/2023 13h33
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Terapeuta sexual (Gillian Anderson) e seu filho adolescente (Asa Butterfield) - Foto: Netflix/Divulgação

por André Cananéa*

Nos anos 1980, os filmes de John Hughes (escritos e/ou dirigidos por ele) abordavam o mundo juvenil com propriedade, empatia e histórias edificantes. São os hoje clássicos Curtindo a Vida Adoidado, Clube dos Cinco, Gatinhas e Gatões e A Garota de Rosa-Shocking, que atravessam gerações por permanecerem sempre pertinentes, mesmo para as novas gerações hiperconectadas.

Lançado em 2019, o seriado Sex Education, da plataforma Netflix, é uma espécie de John Hughes (falecido em 2009) para a Geração Z (nascidos entre 1997 e 2010), focando sua narrativa em um grupo de estudantes do Ensino Médio na Inglaterra de hoje, tendo como fio condutor a sexualidade do jovem europeu dos anos 2000, abordada de maneira muito didática e direta.

A história gira em torno de um inseguro adolescente Otis (Asa Butterfield, o astro-mirim de A Invenção de Hugo Cabret e O Menino do Pijama Listrado), filho único de uma terapeuta sexual e que se acha o maior especialista em sexo da Moordale Secondary School e passa a dar conselhos na área para os colegas. No início dessa jornada, ele conta com a ajuda da rebelde Maeve (Emma Mackey, sósia inglesa da “Barbie” Margot Robbie) e do melhor amigo gay Eric (Ncuti Gatwa, uma ótima revelação).

Através desse mote, a série aborda temas como doenças venéreas, homossexualidade, abuso sexual, amizade, lealdade e todo o mundo estabelecido pelo cinema e a literatura internacional a respeito da adolescência.

Há diversos núcleos narrativos que se conectam ao universo da turma de estudantes e não abordam apenas sexo. A mãe de Otis, Jean (vivida pela atriz Gillian Anderson, de Arquivo X), tem seus dilemas pessoais, assim como certos professores da Moordale School, cujo severo diretor Michael Groff (Alistair Petrie) passa por perrengues no casamento e com o filho único, Adam (Connor Swindells). Tem também as exigências de um casal homoafetivo de mães sobre o desempenho do filho nos esportes, uma pressão que o garoto tem dificuldade de lidar.

À medida que a série avança, novas problemáticas vão surgindo em meio ao novelo de folhetim romântico que impulsiona a história, seja hetero ou homo, até esta nova temporada, a quarta, em que o enredo ganha uma virada espetacular.

Após três temporadas sem grandes novidades, a quarta e última temporada, no catálogo da Netflix desde a última quinta-feira (dia 21), surpreende pelo abraço que dá não só na sexualidade, mas em vários outros temas “de gente grande”, como abusos na infância, luto, relação parental, consequências de bullying, maternidade solo, relações abusivas etc.

Mas não fica só nisso: quase todos os alunos da Moordale School se mudam para a progressiva escola Cavendish, aberta à diversidade, práticas sustentáveis e inclusão. Esse novo cenário inclui temas como transição de gênero, amor livre e poligamia através de personagens trans e/ou não binários, mas também as dificuldades de acessibilidade que mesmo uma escola que se diz inclusiva estabelece em sua rotina.

Esse é um ponto crucial da nova temporada, quando o estudante tetraplégico Isaac (vivido por George Robinson, cadeirante na vida real, após sofrer um acidente durante uma partida de rugby, quando tinha 17 anos) impõe respeito para com as pessoas com deficiência. “Queria que as pessoas entendessem que os nossos problemas vêm das barreiras da sociedade, e não das nossas deficiências”, diz um outro cadeirante, coadjuvante.

Essa temporada também discute os conflitos de Eric, o jovem gay criado em uma Igreja Cristã que tem sua fé testada ao longo dos episódios. Para dirimir suas angústias, ele conta com a ajuda de uma nova amiga, Abbi (o ator e cantor trans Anthony Lexa), e sua turma. E tem as dificuldades de Jean, mãe de Otis, ao tentar conciliar a carreira de conselheira sexual com uma filha recém-nascida e sem uma rede de apoio eficaz.

Embora seja novelesca e divertida, Sex Education lança luz sobre problemáticas reais, de forma direta e incisiva, numa linguagem juvenil própria dos tempos de hoje, e se torna o programa interessante não apenas a esse público, mas também adultos, pais e avós, uma vez que a as relações familiares, em várias camadas, são recorrentes em uma série que se vende pelo sexo, mas que está longe de ser só apelativa, ou rasa.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 26 de setembro de 2023.