Novidade no catálogo da Apple TV, Sugar é um dos melhores seriados da atualidade. Para mim, ombreia em satisfação garantida com Ripley, que comentei recentemente, aqui na coluna. Criada por Mark Protosevich (roteirista de A Cela e Eu Sou a Lenda) e estrelada por Colin Farrell (Por um Fio, Os Banshees de Inisherin), Sugar narra, em linhas gerais, a busca do detetive John Sugar (Farrell) pelo paradeiro da neta junkie de um poderoso produtor de cinema (vivido por James Cromwell, de Los Angeles, Cidade Proibida).
Toda a ação deste neo-noir acontece numa Los Angeles atual, mas com jeitão daquela LA dos clássicos hollywoodianos. Isso é bem colocado na maneira como Sugar utiliza equipamentos de ponta, mas veste um terno feito sob medida na clássica alfaiataria Savile Row, dirige um Corvette dos anos 1950 e usa um revólver que foi do lendário ator Glenn Ford.
O detetive conta com o apoio de uma agência (de detetives? Será?) para mergulhar na Cidade dos Anjos em busca de Olivia Siegel (Sydney Chandler). Na jornada, ele se depara com uma ex-estrela do rock, uma família disfuncional, um punhado de traficantes de pessoas, além de um séquito variado de gente de toda espécie.
E, claro, muitos, muitos filmes. É que John Sugar é cinéfilo e o enredo está recheado de cenas de clássicos do quilate de Pacto de Sangue, A Morte num Beijo, Gilda, O Tempo Não Apaga e Assassinos, além, claro, de uma porção de filmes estrelados por Humphrey Bogart, seguramente o ator que deu um rosto - e um jeito durão - ao detetive casca-grossa no cinema noir através de filmes como Confissão, O Crime não Compensa e, sobretudo, O Falcão Maltês.
As imagens não são gratuitas: estão lá se conectando com pensamentos e ações do personagem principal. O segundo episódio, por exemplo, começa com uma cena de um dos clássicos obrigatórios do gênero, Crepúsculo dos Deuses. A série mostra a icônica sequência de abertura do filme de Billy Wilder, em que Joe Gillis (William Holden), morto numa piscina, começa a narrar em off como chegou aquele ponto. Em seguida, a série volta a Sugar, que está rodando a piscina de seu hotel, refletindo (também em narração em off) os detalhes da sua investigação.
A sacada veio de um nome bem brasileiro, Fernando Meirelles (Cidade de Deus, Dois Papas). Ele dirige cinco dos oito episódios da série, e seu estilo de filmar único é bem marcante no enredo, incluindo aí o uso inteligente do j-cut, recurso em que as falas da cena seguinte dos personagens “chegam antes” que a sequência anterior seja concluída, criando um efeito a partir de um aparente “defeito”, mas que além de charme, dá mais dinâmica à narrativa.
Já foi amplamente difundido que Meirelles precisou de um curso intensivo de cinema noir, uma vez que o drama policial influenciado pelo expressionismo alemão e que viveu dias de glória entre as décadas de 1940 e 1950 nunca foi a praia do cineasta carioca. Consta que Meirelles precisou estudar também a cidade de Los Angeles, que é praticamente uma personagem da série - e que também foi ideia dele filmar os sem-teto que hoje ocupam as calçadas de uma das mais cinematográficas cidades do mundo e incluí-los na narrativa, deixando ainda mais verossímil o ambiente que transita o detetive Sugar.
Sugar estreou em 5 de abril e, na última sexta-feira (17), a plataforma disponibilizou o oitavo e último episódio. A história se fecha, mas há várias surpresas, mesmo depois que a investigação é solucionada. São tramas paralelas que começam a ser abertas no finalzinho do antepenúltimo episódio e que, a depender das especulações que rondam pelos portais internacionais, irá nutrir uma ou algumas próximas temporadas.
E, pelo caminho aberto nesta primeira temporada, Sugar deverá ser turbinado com mais “pulp fictions”, os folhetins populares no começo do século 20, recheado com histórias policiais, aventuras místicas, caçadores de tesouro (inspiração para, entre outros filmes, as aventuras de Indiana Jones), extraterrestres e muitas outras narrativas “pulp”. É esperar para ver.
*Artigo publicado originalmente na edição impressa do dia 21 de maio de 2024.