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‘Them’ trata de racismo sem arrodeios

publicado: 27/04/2021 08h00, última modificação: 27/04/2021 08h54
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Seriado utiliza gênero horror para abordar discriminação racial em seus momentos mais brutais - Foto: Foto: Divulgação


Dizer que Them é um soco no estômago, é dizer pouco! É um verdadeiro murro na cara, desses que arranca sangue da pele, deixa dentes quebrados, nariz torto e olho roxo. Visceral e chocante, o seriado de dez episódios, disponível no Amazon Prime Vídeo, utiliza o gênero horror para abordar a discriminação racial em seus momentos mais brutais, perversos e cruéis. Tudo isso é mostrado na tela sem arrodeios, em cenas graficamente impactantes, que fariam do filme mais sanguinolento, um programa de família para as singelas tardes de sábado!

Alguns realizadores defendem que é necessário levar às telas os fatos como eles realmente aconteceram, por mais chocantes que sejam aos olhos do espectador. Isso foi o que fez Mel Gibson fazer A Paixão de Cristo daquela maneira, com Cristo banhado de sangue, ou o que levou Steve McQueen a conceber tantas passagens chocantes – como um homem negro lutando pela própria vida enquanto é enforcado em meio a uma comidade apática com a situação – no vencedor do Oscar 12 Anos de Escravidão.

Os realizadores de Them (“Eles”, em tradução livre) entenderam que o racismo estrutural deveria ser levado às telas tal qual aconteceu com os negros norte-americanos nos anos 1950, com a brutalidade com que foram oprimidos. É nesse ambiente de discursos de ódio e atos de violência que vive a família Emory, do pai engenheiro, mãe dona de casa e duas filhas, uma na infância e a outra na adolescência.

Eles decidem trocar a intolerante Carolina do Norte – palco de diversos episódios racistas na América regida pelas leis segregacionistas de Jim Crow – pela flexível Califórnia e, como uma família de classe média, escolhem morar em um bairro suburbano chique, esteticamente construído para representar o american way of life. Mas até em Compton, a intolerância impera quando se é a única família negra em um bairro de pessoas brancas.

Na nova casa, a família Emory tem que lidar com dois problemas: fantasmas do lado de dentro, e racistas do lado de fora, todos muito cruéis. Enquanto pensam estar enlouquecendo, devem se manter firmes para não serem expulsos pelos vizinhos brancos que não toleram o que chamam de “pessoas de cor” numa terra que eles acham que é só deles. Nesse espaço, não há homem, mulher e criança brancos que sejam decentes.


Esteticamente, Them faz lembrar o chamado “pós-terror”, cujos carros-chefes são justamente dois filmes que tratam do mesmo tema, o racismo, Corra! e Nós, ambos dirigidos pelo talentoso Jordan Peele. A série se utiliza das ideias do cineasta para conceber uma obra repleta de metáforas que, através de delírios e assombrações, tratam dos efeitos que a segregação cria na mente do povo negro e na maneira como a discriminação chega na psiquê de cada faixa etária e gênero, seja na escola ou no trabalho – e este é um dos pontos fortes da trama, saber combinar o medo exterior com o interior, rendendo sequências marcantes.

Acrescido aos marcos trazidos pelos filmes de Peele, há muito de O Iluminado em Them (o autor da obra, Stephen King, disse ter ficado assustado com o primeiro episódio, “... e eu sou difícil de ser assustado”, escreveu no Twitter), assim como dos chamados filmes slashers, aqueles que fizeram sucesso nos anos 1970 e 1980 espirrando muito sangue e vísceras na tela (vide O Massacre da Serra Elétrica, Sexta-Feira 13, Noite do Terror etc.). Mas a produção vai além ao retratar uma cruel cena de tortura para com uma mãe e um filho sem cerimônias, o que tem feito do episódio 5, motivo de muita controvérsia pelo seu alto grau de violência, que tem encomodado muitos espectadores (pesadíssima, eu mesmo sai da frente da TV por não suportar tamanha barbárie).

Necessárias, ou não, as cenas impactantes (há outra bem forte no episódio 7) ajudam a olhar, pelo retrovisor da história, as barbáries cometidas em nome da raça e do credo (sim, este é outro aspecto levantado na narrativa) e Them se torna fundamental para que nós, no olho do furacão da intolerância de 2021, possamos refletir o caminho que queremos para nosso futuro e o futuro dos nossos filhos.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 27 de abril de 2021