por André Cananéa*
Em algum momento de 1982, durante as gravações do que viria a ser o LP Thriller, o cantor Michael Jackson brincava com o produtor Quincy Jones: “Este vai ser o álbum mais vendido da história”. O experiente Jones, com o dobro da idade daquele garoto de 25 anos, tentava acalmar a ansiedade do astro, lembrando que o mercado de discos estava em recessão e que a economia, nos EUA de então, não era das melhores. “No máximo, vende uns dois milhões”, teria dito Quincy Jones.
Quarenta anos depois, Thriller acumula a extraordinária quantia de 70 milhões de álbuns comercializados ao redor do mundo. Há quem calcule que só na primeira metade de 1983, o mais popular álbum de MJ vendia coisa de um milhão de cópias por mês nos EUA. Mas Thriller - que celebrou quatro décadas de lançamento no último dia 30 de novembro - não foi apenas um fenômeno de vendas: ele quebrou inúmeras barreiras, tanto comerciais, quanto raciais.
Embora viesse lançando discos solos (ou seja, sem os Jackson Five) desde 1972, incluindo o célebre Off The Wall, de 1979 (para muitos críticos, ainda o melhor disco do astro, também produzido por Quincy Jones), Michael Jackson ainda era visto como artista juvenil negro associado à chamada “black music”, ou seja, baladas soul, rhythm and blues e uma certa música disco.
Esse conjunto teria barrado o artista, por exemplo, na MTV, canal dedicado à circular videoclipes de música pop, mesmo com o estouro de Thriller. A desculpa que os biógrafos e pesquisadores ouviram dos diretores era que a emissora, lançada em agosto de 1981 nos EUA, era voltada para o rock.
Michael Jackson, no entanto, quebrou essa parede ao ver o videoclipe de ‘Thriller’ ser exibido pelo canal - uns dizem que por pressão dos fãs, ainda mais numerosos após o lançamento do disco, outros pelo presidente da gravadora CBS (que tinha MJ sob contrato), Walter Yetnikoff, que teria ameaçado denunciar publicamente a MTV como um grupo de racistas e bloquear o acesso a vídeos de artistas de rock de seu catálogo.
‘Thriller’, o videoclipe, merece um texto só para ele (assista abaixo). Até hoje, o orçamento astronômico de US$ 1 milhão (maior do que o de todo o disco, que ficou em torno de US$ 750 mil) é difícil de ser superado. Aliás, chamar de videoclipe é reducionista. O vídeo é praticamente um curta-metragem de terror de quase 14 minutos dirigido pelo cineasta John Landis, em alta, naquele tempo, pela direção de Um Lobisomem Americano em Londres, lançado no ano anterior. Nele, MJ se transforma em um zumbi, fazendo uma dança que até hoje ecoa no TikTok e foi lembrada recentemente por Wandinha Adams no seriado da Netflix.
Isso sem falar que o enredo do curta é uma clara homenagem aos filmes de monstro da Universal (Drácula, Múmia etc.) e a faixa, assim como o clipe, ainda traz o vocal fantasmagórico de Vincent Price, um ícone do cinema clássico de horror de meados do século 20.
Além de ‘Thriller’, outras seis canções, das nove lançadas no álbum, chegaram as 10 mais das paradas de sucesso. O álbum, de fato, é recheado com faixas extraordinárias, canções cujo arranjo e a execução entrosaram, como nunca havia sido ouvido antes, soul, R&B e rock como verniz de música pop que, até hoje, soam novas, com arranjos que não envelheceram um minuto sequer. Isso, fruto das obstinações musicais de Michael com o talento de Quincy.
Enquanto produtor, Quincy Jones incluiu, por exemplo, a participação de Paul McCartney no disco. O ex-Beatle faz um dueto com o anfitrião em uma canção escrita por Michael Jackson, a balada ‘The girl is mine’. Mas são ‘Beat it’ (com um tremendo solo do guitarrista Van Halen), ‘Billie Jean’ (cuja base é tocada pelos músicos da banda Toto, estourados em 1982 com o hit ‘Africa’) e o misto de eletrofunk e afrobeat ‘Wanna be startin’ something’, cuja batida, além de trazer a percussão do brasileiro Paulinho da Costa, lembra bastante ‘Soul makossa’, do cantor camaronês Manu Dibango.
O mercado, claro, celebra os 40 anos de Thriller com novas edições do disco, tanto em LP, quando em CD duplo (que traz material inédito), além de duas limitadas edições para audiófilos, uma em SACD (o super audio CD) e outra em UltraDisc One-Step, está, em vinil, tudo, claro, importado.
A última vez que o disco foi celebrado desse jeito foi em 2008, por ocasião dos 25 anos da obra (marca alcançada em 2007). No Brasil chegou a sair até a edição com CD+DVD, que além de encarte vistoso, trazia videoclipes e seis faixas bônus no disco de áudio. A capa, entretanto, não tinha o astro deitado, como na foto do LP original, mas o cantor cercado de zumbis, em uma foto promocional do videoclipe de ‘Thriller’.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 13 de dezembro de 2022.