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‘War’, marco político do U2

publicado: 28/02/2023 00h00, última modificação: 28/02/2023 10h14
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Primeiro disco abertamente político da banda irlandesa completa 40 anos. Imagem: Reprodução

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por André Cananéa*

Hoje, 28 de fevereiro, é o aniversário de um disco ícone da banda U2. Há exatos 40 anos, o LP War chegava às lojas e, pouco tempo depois, alçava o grupo irlandês ao estrelato, ao alcançar o 1º lugar nas paradas de sucesso do Reino Unido. Pela primeira vez, o quarteto fez um disco abertamente político, pauta que a banda abraça desde então, em discos e no palco.

São 10 faixas que somam exatos 43:38 de música e letra, todas creditadas ao U2, ou seja, Bono Vox (vocal), The Edge (guitarra), Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr (bateria). Duas dessas 10 canções passaram a ter cadeira cativa no repertório do grupo irlandês: ‘Sunday bloody sunday’ e ‘New year’s day’. A capa estampa a imagem em branco e preto de um menino. Ele é Peter Rowen, irmão de um amigo de infância de Bono, e é o mesmo rosto do álbum de estreia do U2, Boy, e ainda das coletâneas The Best of 1980-1990 e Early Demos.

Eu seu livro de memórias, Surrender, lançado no fim do ano passado (com edição brasileira pela Intrínseca), Bono revela que muito de ‘Sunday bloody sunday’ vem do baterista Larry Mullen Jr., que levou o tarol para pontuar a marcha rítmica que domina a canção, e do guitarrista The Edge, que começou a trabalhar na música enquanto o vocalista sacramentava seu casamento com a namorada de infância, Ali.

Bono diz que o verso “I can’t believe the news today” (“Não consigo acreditar nas notícias de hoje”) é uma referência à canção ‘A day in the life’, dos Beatles, mas que “na verdade, se refere ao que aconteceu na pitoresca cidade murada de Derry na Irlanda do Norte em 30 de janeiro de 1972, um dia tatuado na mente de cada irlandês de certa idade. Um dia de imagens que nunca conseguiremos apagar”.

Nesse “domingo sangrento”, soldados do Regimento de Paraquedistas do Exército Britânico abriram fogo contra cidadãos desarmados, que protestavam pelos direitos civis na Irlanda do Norte. O saldo, conforme o relato do vocalista, foram 28 pessoas baleadas, 14 delas fatalmente. “Até hoje, eu seria capaz de esboçar o rosto dolorido do padre Edward Daly segurando um lenço branco manchado de sangue enquanto caminhava dizendo “Não atire”, como se fosse uma prece. Eu tinha 11 anos, e fico de estômago embrulhado até hoje”, escreveu o vocalista.

Já eu tinha por volta de 14 anos quando ouvi a canção, e foi a primeira vez que ouvi uma música pop, vibrante, tratar de um assunto tão sério, tão brutal, com uma letra tão cortante, dolorida. “Como em qualquer standart, ‘Sunday bloody sunday’ é uma grande canção, tanto pela música, quanto pelas letras e sentimento”, definiu o jornalista Niall Strokes no texto que acompanha a edição de luxo, em CD, do álbum de 1983. Strokes contextualiza que o disco foi lançado, naquele fevereiro de 1983, em meio a um “sentimento de destruição descarada do mundo” e enumera: invasão soviética ao Afeganistão; eleição de Ronald Regan; surgimento do Solidariedade de Lech Wałęsa na Polônia; Margareth Thatcher empoderada no Reino Unido; Guerra das Malvinas… e assim ele vai elencando uma série de fatores ao redor do mundo que tornavam aquele início dos anos 1980, uma época de medo e desolação.

O verso “Nothing changes on new year’s day” (“Nada muda no dia de Ano-Novo”), de ‘New year’s day’ (que começa com um belíssimo piano tocado por Edge), reflete esse raciocínio. A letra, reza a história, Bono se inspirou em Ali, mas também nos “distúrbios políticos ocorridos na Polônia que exigiram a intervenção de Lech Wałęsa”, conforme anota Niall Strokes.

Claro que o repertório tem outras pérolas, como ‘Seconds’, por exemplo (sobre o medo ameaça nuclear, três anos antes de Chernobyl), a delicada ‘Drowningman’ e ‘Two hearts beats as one’, de refrão radiofônico. ‘Refugee’, que abre o lado B, lembra o The Clash (banda que Bono cita com certa regularidade em seu livro), canções que, junto as demais, formam um caldeirão de música com um leque variado de sons, da disco-pop que vigorava então até influências de ritmos caribenhos e africanos, às vezes lembrando o Talking Heads.

O ano de 2023, aliás, será de muita comemoração para o U2 (que lança agora, em março, Songs of Surrender, álbum com releituras do próprio repertório). É que além dos 40 anos de War, em novembro, outro disco importante também chega aos 40, o ao vivo Under a Blood Red Sky, álbum que mostrou que o grupo iria longe. Antes, em maio, o subestimado Zooropa fará 30 anos, motivo para que, assim como os discos anteriores, merece uma boa edição de luxo em mídia física.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 28 de fevereiro de 2023.