Acabamos de chegar a julho, mas deixe-me fazer uma previsão: 2019 tem tudo para ser o grande ano do cinema paraibano. No mínimo, o ano sobre o qual iremos nos referir, no futuro, como “o ano em que tudo (re)começou”. Exagero? Acho que não. Há uma série de evidências que apontam para isso: filmes produzidos aqui na Paraíba, com reconhecimento dentro e fora do Estado, inclusive no exterior; uma gama de artistas, de várias gerações, atuando em produções pelo Brasil afora, e uma produção de longas e curtas como nunca se viu por estas bandas.
Há filmes daqui sendo aplaudidos com entusiasmo no exterior, receptividade convertida em prêmios que essas produções estão colecionando. ‘Rebento’, de André Morais, já perdeu as contas de quantos prêmios levou, no Brasil e no exterior. Somente no Fest Cine Pedra Azul (Espírito Santo), este ano, abocanhou os cinco principais prêmios do festival: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia, Melhor Roteiro e Melhor Ator. Além disso, o longa também consagrou a atriz Ingrid Trigueiro no Diorama International Film Festival, na Índia.
‘Estrangeiro’, escrito e dirigido por Edson Lemos Akatoy, vai na mesma linha, papando prêmios em festivais como o citado Fest Cine Pedra Azul; Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro (Paraíba); Festival Internacional de Cinema de Guayaquil (Equador) e o Swindon Independent Film Festival (Reino Unido). Na maioria, conquista prêmios de Melhor Longa-Metragem e Melhor Fotografia – aliás, neste quesito, o filme paraibano já foi comparado com ‘Roma’, de Alfonso Cuarón, e o Estadão descreveu a narrativa como “intimismo místico à la Terrence Malick”, referindo-se ao diretor de ‘Além da Linha Vermelha’ e ‘A Árvore da Vida’.
Tanto ‘Rebento’, quanto ‘Estrangeiro’ (que estreia nesta quinta-feira, no Banguê), têm, na direção, dois estreantes em cinema. André Morais vem da música e do teatro e ‘Rebento’ é seu primeiro longa-metragem. Já Edson Lemos Akatoy praticamente acabou de sair da universidade. O fato é: esses dois nomes asseguram que a Paraíba segue mantendo quente a cadeira de diretor, tradição que já conta com 100 anos, segundo informou o professor Lúcio Vilar em texto publicado no Correio das Artes de junho, que acaba de chegar às bancas.
Aliás, a matéria de capa do Correio das Artes é ‘Bacurau’ por despontar como um dos grandes filmes brasileiros do ano (senão o filme do ano), trazendo à superfície outra tradição do cinema paraibano: a de atores e atrizes. Com nada menos que seis nomes, entre novatos e veteranos, o filme de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles é pernambucano com sangue paraibano. Afinal, ainda importou, aqui do Estado, o continuísta Ian Abé, outro realizador importante da nova geração, e até contemplou Geraldo Vandré na trilha sonora.
Sobre o elenco, Juliano Dornelles, diretor, ao lado de Kleber Mendonça Filho, do vencedor do Prêmio do Juri do Festival de Cannes, me respondeu que a Paraíba tem uma tradição muito bonita e inusitada em estar sempre produzindo talentos nordestinos para o cinema. Desde 2003 acompanhando diversas seleções de elenco, Dornelles percebeu que a presença de paraibanos era algo recorrente em diversos tipos de filme. “Sempre observei uma relação curiosa de naturalidade e familiaridade com a câmera e a linguagem cinematográfica desse povo incrível que vem de lá (da Paraíba), algo que começou como uma suspeita, mas que hoje posso dizer que é uma constatação”.
É importante que, nos tempos atuais, a Paraíba consiga manter-se relevante no cinema, produzindo filmes como ‘Rebento’ e ‘Estrangeiro’, e também ‘Sol Alegria’, de Tavinho e Mariah Teixeira, e ‘Seu Amor de Volta (Mesmo que Ele não Queira)’, de Bertrand Lira, que carrega consigo a marca histórica de ter a primeira artista transexual paraibana a estrelar um longa-metragem: Danny Barbosa, também a primeira trans do Estado a pisar no “Red Carpet” do Festival de Cannes, já que ela também está no elenco de ‘Bacurau’.
É importante que Marcélia Cartaxo e Soia Lira representem o Brasil – e por consequência, a Paraíba – no celebrado Shanghai Film Festival, na China, marcando presença, interagindo com artistas de todo o mundo e levando ao conhecimento do mercado audiovisual asiático, a qualidade da arte que é feita aqui. É importante que a Paraíba consiga se reinventar, desbravar novos caminhos e seguir produzindo muito, e produzindo bem, não só no cinema, mas também no teatro, na música, na literatura e nas artes visuais, uma produção plural, reflexiva e questionadora.
Afinal, esse é o sentido da arte no mundo de 2019, como bem lembrou o premiado diretor norte-americano de documentários, Michael Moore, ao anunciar o Prêmio do Juri para ‘Bacurau’, em Cannes: “A arte, em tempos sombrios, é o que ajuda a salvar a humanidade dos autocratas e dos idiotas. E são os artistas que inspiram o povo a não desistir, a não entrar em desespero, e se erguer e derrotar a insanidade, com amor”.
*publicada originalmente na edição impressa de 02 de julho de 2019