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“Coronavírus me lembra escravidão”

publicado: 07/04/2020 00h01, última modificação: 06/04/2020 14h01
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Ilustraçao da capa do novo disco do Baco Exu do Blues

 

A quarentena tem mexido com muita gente, socialmente, psicologicamente e até politicamente. Estamos isolados fisicamente, mas as redes sociais têm unido e afastado pessoas com a mesma intensidade. Para o bem, ou para o mal, há vida pulsando no mundo online.

E é nesse ambiente que artistas têm se expressado. Na música, intérpretes de todo o planeta posicionaram seus celulares em frente ao sofá para transmitir shows e alentos para tempos difíceis, tudo ao vivo. São as famosas “lives”, iniciativa que tem ganhado escopo também aqui na Paraíba.

Na literatura, o isolamento social já produziu seu primeiro livro: Contos de Quarentena, uma antologia disponibilizada através de ebook (na impossibilidade de levá-lo até uma gráfica e fazê-lo chegar às mãos das pessoas) com dois representantes paraibanos, o casal Tiago Germano e Débora Ferraz.

E acaba de sair o primeiro disco completamente feito no calor da pandemia: Não Tem Bacanal na Quarentena, disco do rapper baiano Baco Exu do Blues, um dos nomes de peso da atual geração da música brasileira.

Composto e gravado em apenas três dias na sala da casa do artista em São Paulo, e liberado nas plataformas de streaming (inclusive no Youtube) no fim de março, o disco de nove faixas é um retrato social e político do momento atual, recheado com palavrões, malícia e panelas batendo.

Em entrevistas que tem dado por telefone, Baco disse que o álbum foi impulsionado pela necessidade de criar algo durante o período de isolamento. O artista estava se preparando para lançar o terceiro álbum, Bacanal, quando teve que ficar confinado em casa (daí o disco se chamar Não Tem Bacanal na Quarentena) e adiar o projeto.

‘Preso em casa cheio de tesão’ reflete o distanciamento em letra repleta de malícia e sacanagem. Em ‘O sol mais quente’, ele encontra brecha para refletir e fazer valer o discurso social que lhe fez fama: “Coronavírus me lembra escravidão / brancos de fora vindo e f***ndo com tudo”. ‘Tropa do Babu’ é um desabafo sobre o tratamento que o ator Babu Santana tem recebido no Big Brother Brasil, dentro das telas e nas redes sociais.

‘Tudo vai dar certo’ é o otimismo do rapper para depois do vendaval provocado pelo coronavírus, cuja letra reflete as características que fizeram a fama do rapper já no primeiro disco, Esú (2017): cultura pop, arte, religiosidade e empoderamento. “Eu trabalho correndo como Mário no kart / Sinto que minha Vênus tá andando por Marte / Em conflito eterno, alguém me aparte / Jovem negro conquistando tudo, Nigga Bonaparte / Buda, Exu e Jesus a minha carne repartem / Pinturas a óleo sobre nossas transas / Sairiam bonitas e complexas como poemas de Sartre”, diz um trecho da letra, que ainda traz uma breve citação a ‘Não chores mais’, de Gilberto Gil.

‘Amo Cardi B e odeio Bozo’ encerra o álbum com letras desconexas, samplers da cantora norte-americana, que viralizou em todo mundo ao com um jeito bem barulhento para alertar aos fãs para lavarem bem as mãos, e depoimentos de moradores de várias comunidades relatando suas respectivas situações no isolamento social.

O novo disco de Baco Exu do Blues está longe de ser uma obra-prima, mas ganha repercussão por ter sido o primeiro de a alcançar projeção nacional a tratar da pandemia que preocupa a saúde e a economia do mundo. Assim como muitos músicos pelo planeta, Baco é um dos artistas impossibilitado de fazer a roda do showbusinesse girar, uma roda da qual fazem parte não só músicos, mas rodies, técnicos e escritórios e que se alimenta, prioritariamente, da renda gerada em shows.

As “lives” ainda não conseguem monetizar para o setor fazer disso um ganha-pão viável. Mas a ideia de criar conteúdo novo – a um público ávido por novidade – e distribuí-lo através de plataformas como Spotify ou Deezer, ainda rendem ao compositor alguns trocados, através dos royalties pagos por esse serviço. Melhor que nada!