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“Ennio, o Maestro” é um belo tributo a Morricone

publicado: 29/07/2025 08h18, última modificação: 29/07/2025 08h18
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Ennio Morricone escreveu 549 trilhas | Foto: Divulgação

por André Cananéa*

Há filmes que gosto de rever só para ouvir a trilha sonora. Por isso, mantenho em casa um modesto, mas eficiente, home theater com cinco canais que realça, e bem, a musicalidade dos longa-metragens. A Missão, filme de 1986, dirigido por Roland Joffé, é um desses “filmes concertos” que gosto de botar “para tocar” na sala.

O responsável pela trilha sonora é o altamente prolífico Ennio Morricone, autor de trilhas sonoras originais para exatos 549 filmes. Músico italiano que morreu no dia 6 de julho de 2020, aos 91 anos, foi um mestre e um gênio que elevou a qualidade da música feita para filmes a um patamar para lá de erudito. Essas características são confirmadas no documentário Ennio, o Maestro (2021), disponível no catálogo da Prime Vídeo.

O filme de 2h30 é uma exaltação à obra de Morricone, a partir do depoimento de mais de 30 entrevistados, incluindo o próprio maestro italiano. O filme é dirigido e roteirizado por um compatriota, o cineasta Giuseppe Tornatore, cujo indispensável Cinema Paradiso (1988) tem a trilha sonora assinada pelo compositor, que também fez para Tornatore as músicas de Malena e A Lenda do Pianista do Mar.

Giuseppe Tornatore conseguiu a façanha de reunir um leque e tanto de compositores, músicos, estudiosos, produtores e cineastas, tanto da Itália natal de Ennio Morricone, onde ele desenvolveu boa parte da sua produção, quanto de Hollywood, para falar sobre a genialidade do mestre. Nomes estelares da música para cinema, como John Williams e Hans Zimmer, até diretores como Oliver Stone, Bernardo Bertolucci e Quentin Tarantino estão lá.

O filme é didático e cronológico ao cobrir a vida e obra do músico italiano. Começa mostrando o maestro entre exercícios físicos e o trabalho de composição para, em seguida, narrar de onde vieram os pais de Ennio e como foi a infância do maestro em meio a aulas de trompete (ele queria ser médico, mas o pai o mandou estudar música). Já casado, mostra o papel da esposa Maria enquanto “filtro” das composições do marido.

As experimentações musicais são esmiuçadas por músicos e pelo próprio Morricone, e seus momentos mais marcantes no cinema são detalhados pelos entrevistados. Há várias histórias de bastidor que irão deliciar os cinéfilos, como as divergências entre o maestro e realizadores. Para ilustrar, dois exemplos: o compositor enviou à Brian DePalma nove temas para Os Intocáveis, com um aviso de que o sexto era o que menos agradava ao autor (e foi justamente o tema a entrar no filme); de outra feita, Oliver Stone apresentou o desenho Tom e Jerry para o compositor como inspiração para seu filme Reviravolta, o que irritou o maestro.

Ambos os lados profissionais do músico — o de autor para música de câmara (ele chegou a compor uma sinfonia inspirada na queda das Torres Gêmeas) e o do compositor de trilhas sonoras — são postos à mesa. A relação entre o discípulo Morricone e o mestre Goffredo Petrassi é ilustrada pela fala do compositor Boris Porena: “Ennio tinha, de certa forma, um complexo de inferioridade. Por ter renunciado à pureza do compositor, de acordo com a visão de Petrassi”.

Morricone chegou ao cinema em 1960, com a trilha — não creditada — de A Morte de um Amigo. No ano seguinte é que os créditos passariam a ostentar seu nome a partir do filme O Fascista. Mas foi só em 1963 e nove filmes depois é que o maestro se fez notar com as trilhas dos seus primeiros faroestes, sobretudo Duelo no Texas, lançado naquele ano, e As Pistolas Não Discutem, do ano seguinte.

Foi assistindo a esses filmes que Sergio Leone chegou até Ennio Morricone. O cineasta chamou o músico até sua casa e lá descobriram que haviam estudado na mesma escola. Nascia, assim, uma das duplas cineasta-compositor mais célebres do cinema.

Leone tinha o projeto de um faroeste estrelado por um ator norte-americano muito conhecido na TV. Era Per un Pugno di Dollari (Por um Punhado de Dólares, no Brasil), estrelado por Clint Eastwood, o primeiro filme da Trilogia do Homem Sem Nome.

O longa trouxe para às telas A fistfull of dollars, tema que se tornou emblemático na carreira do maestro e é dissecada no documentário. Os entrevistados são praticamente uníssonos em dizer que esse tema surpreendeu o mundo do cinema: guitarra elétrica, golpes de chicote, assovio, flauta, sino e bigorna se misturam no arranjo, formando uma trilha sonora nunca vista antes nas telas. Sem modéstia, o próprio Morricone diz que inventou a “cavalgada com guitarras”, que marcaria suas trilhas, especialmente no faroeste.

O documentário vai até o impacto que a obra do do italiano tem na música contemporânea, sobretudo o pop e o rock. Abrangente e bastante completo, Ennio, o Maestro é o retrato preciso e belo do homem que tem papel fundamental inquestionável para a música dos últimos 100 anos.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de julho de 2025.