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“O Agente Secreto” é demais!

publicado: 11/11/2025 08h29, última modificação: 11/11/2025 08h29
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Vizinhos acobertados por uma rede que protege uma variedade de tipos de refugiados | Foto: Divulgação/Vitrine

por André Cananéa*

Lançado em um número impressionante de salas (cerca de 300) na última quinta-feira (6), O Agente Secreto se tornou o assunto do momento. Azeitado a partir de maio, quando saiu do prestigiado Festival de Cannes com dois prêmios (melhor ator para Wagner Moura e melhor diretor para Kleber Mendonça Filho) e cozinhado em uma infinidade de pré-estreias, o filme indicado pelo Brasil ao Oscar 2026 tem feito cinéfilos, fãs de cinema e pitaqueiros de plantão irem ao cinema e emitirem as mais diversas opiniões sobre os mistérios que envolvem Marcelo (personagem de Moura) e seu retorno ao Recife em pleno Carnaval de 1977.

O Agente Secreto é um ótimo filme, mas é demais: tem personagens demais, becos sem saída demais, é difuso e disperso demais! Há uma gata com dois rostos que parece ter saído de um filme de David Lynch; uma “perna cabeluda” (extraída de uma lenda urbana muito famosa em Pernambuco) de fazer inveja a pérolas trash como Rubber (2010), em que um pneu faz às vezes de um serial killer; há um clímax digno de Tarantino (em especial Era Uma Vez em… Hollywood) e tons de comédia que se sobrepõem ao drama e ao thriller estampado no pôster.

Quem conhece o cinema de Kleber Mendonça Filho sabe que, antes da narrativa, vem a elucubração. É assim desde O Som ao Redor (2012), passando por Aquarius (2016) e chegando a Bacurau (2019), seu filme mais acessível por combinar pensamento social com estética de filme B (na pegada de John Carpenter, ídolo confesso do pernambucano). Na sequência, ele entregou um documentário (Retratos Fantasmas, 2023) que prepara o espectador para o novo longa — o verdadeiro seu Alexandre (Carlos Francisco em O Agente…) é um dos “fantasmas” retratados no doc.

No filme que está em cartaz, as elucubrações são elevadas à máxima potência para fazer o espectador refletir sobre o Brasil — ou melhor, o Nordeste —, representado por Recife, em impecável trabalho de direção de arte, dos anos 1970.

Isso tem feito o público se dividir em dois: o que faz as leituras propostas pelo diretor pernambucano para o Brasil que existia — e existe ainda hoje —, colocadas na tela de maneira subentendida; e o que irá procurar “o agente secreto”, ou seja, a história propriamente dita do filme, mas não irá achá-la, pois está soterrada em dezenas de referências sociais, políticas, históricas e cinematográficas de um enredo que, propositadamente, veio para confundir, não para explicar.

E isso explica por que você tem visto, nas redes sociais, tanta gente amar e outros tantos não acharem tanta graça na narrativa repleta de fragmentos aparentemente desconexos, cujas opiniões estão repletas de “eu acho que”, “não explica direito”, “é dúbio” e por aí vai…

O filme abre com uma sequência episódica: a caminho do Recife em seu Fusca amarelo, supostamente em um sábado de Carnaval, Marcelo para em um posto à beira da estrada para abastecer e se depara com um cadáver no chão. Ainda no posto, é interpelado por um guarda da Polícia Rodoviária Federal, que revista o carro, mas não acha nada. E, não achando nada, parte para o pedido de suborno na cara dura.

O enredo começa a engrenar quando ele chega ao prédio administrado por dona Sebastiana (a potiguar Tânia Maria, descoberta em Bacurau, que rouba a cena para se tornar a nova queridinha do Brasil), cujos vizinhos, ficamos sabendo depois, estão ali acobertados por uma rede que protege uma variedade de tipos de refugiados.

Há muito mistério envolvendo Marcelo, sua profissão e seu casamento. Em algum ponto, a vida dele é ameaçada por um personagem arrogante, sem escrúpulos e assassino. Aliás, os vilões do filme parecem sintetizar o que foi a ditadura militar, que serve de pano de fundo para a trama, que também tem ótima trilha sonora.

Apesar do ritmo cadenciado, as 2 horas e 40 minutos de O Agente Secreto não cansam o espectador, que se vê “ligado” para saber o que vem a seguir. O desfecho pífio dado ao personagem principal tem dividido a opinião do público, e eu faço parte do time que se decepcionou. A coda que encerra a história, apesar de repleta de metáforas, destoa da alta categoria que o filme imprime até o clímax tarantinesco.

Mas, entre acertos e doses de presunção, Kleber Mendonça Filho se mantém como um dos diretores mais criativos do Brasil de 2025, entregando pensamento crítico em forma de arte — dois itens essenciais para um mundo melhor e mais justo.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 11 de novembro de 2025.