São pouquíssimos os artistas que têm a chance de lançar e relançar infinitamente sua obra e convencer os fãs a desembolsar uma pequena fortuna por suas atualizações. Se for um grupo que não está na ativa há 50 anos, esse número se reduz a apenas um: The Beatles.
Na semana passada, a Apple Corps, detentora dos direitos da obra do Quarteto de Liverpool, anunciou a “volta do que não foi”: a reedição do imprescindível documentário The Beatles: Anthology, lançado na TV em 1995 e, logo em seguida, no mercado de home vídeo, tanto em VHS quanto em DVD (saiu bem na época da transição de mídias).
Dividido em oito episódios, variando entre 60 e 70 minutos de duração cada um — totalizando pouco mais de 11 horas —, Anthology narra toda a jornada dos Beatles: da infância e juventude de cada integrante, em Liverpool, à gênese do grupo, passando pelos primeiros anos da carreira, os shows, os discos, o sucesso, a Beatlemania e, por fim, a separação da banda, em 1970.
A história é contada pelos três Beatles remanescentes: Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Entre 1994 e 1995, eles sentaram-se com os produtores e narraram a história do grupo de rock mais famoso do planeta em longas entrevistas. John Lennon, assassinado em 8 de dezembro de 1980, comparece por meio de entrevistas de arquivo, incluindo imagens nunca vistas pelos fãs até então.
Pessoas que estiveram dentro do furacão The Beatles — como o empresário e amigo de longa data dos integrantes, Neil Aspinall; o assessor de imprensa Derek Taylor; e o lendário produtor musical George Martin — ajudam a compor o quadro sobre a trajetória do grupo que insiste em não ser esquecido, mesmo passadas cinco décadas de sua dissolução.
Some-se a isso imagens raras e restauradas de shows, bastidores e gravações em estúdio; fotos de época; filmagens caseiras; registros de fãs; e transmissões televisivas históricas.
Um projeto desse escopo — o mais completo relato audiovisual sobre os Beatles — não ficou apenas nas 11 horas e 23 minutos de duração. Rendeu também um livro e três edições duplas em CD, cada uma cobrindo uma fase musical da carreira, com destaque para duas músicas até então inéditas: Free as a Bird e Real Love.
Naqueles meados dos anos 1990, as músicas foram festejadas como lançamentos dos Beatles fresquinhos, depois de 25 anos do fim do quarteto. Teve até videoclipe lançado no Fantástico, que, antes da MTV e do YouTube, era o principal trampolim para a estreia de um videoclipe no Brasil.
Então, se você conhece um fã dos Beatles de verdade, certamente ele lhe disse que tem na coleção, lado a lado com os CDs, LPs e até fitas K7 (em alguns casos) da discografia oficial, os produtos derivados do Anthology. E, se você o conhece bem, sabe que, a esta hora, ele já está se preparando para comprar tudo novamente.
Anunciado para o dia 26 de novembro, The Beatles: Anthology volta restaurado, expandido e disponível pela primeira vez em streaming. A casa escolhida foi o Disney+, que já possui em seu catálogo Get Back. E mais: Anthology retorna com uma novidade — um nono episódio, trazendo imagens de bastidores nunca vistas de Paul, George e Ringo, captadas em meados dos anos 1990.
E, claro, Anthology não volta sozinho: foram anunciados também uma nova edição do livro (este sai antes, em outubro) e uma nova edição em CD, com uma quarta edição dupla, e, pela primeira vez, o repertório em vinil — um box contendo quatro LPs triplos.
Os fãs, claro, estão salivando. O box em CD lançado em 1995 brindou os ouvintes dos Beatles com um baú de tesouros: faixas raras, ensaios, rascunhos e apresentações ao vivo que circulavam em versões bootlegs (nome chique para pirata), difíceis de encontrar na era pré-internet, além de Free as a Bird e Real Love, tudo devidamente remasterizado.
Agora, os discos voltam com o mesmo conteúdo de antes e mais 36 novas adições, acondicionadas no inédito Anthology 4, totalizando 191 faixas com nova masterização, incluindo ‘Nowandthen’, lançada em 2023.
Esse novo material foi produzido por Giles Martin, filho de George Martin, em parceria com a equipe da Wingnut Films & Park Road Post, de Peter Jackson, que trabalhou na restauração audiovisual. De acordo com o anúncio, as faixas de John Lennon ganharam nova vida com técnicas modernas de mixagem, sob a supervisão do músico e produtor Jeff Lynne.
CDs e LPs já foram anunciados nos quatro cantos do mundo, inclusive no Brasil. A loja da Universal Music, selo que distribui a música dos Beatles, já colocou em pré-venda três boxes: dois em CD e um em vinil. Os CDs variam entre R$ 699 e R$ 799. O mimo, em vinil, sai por quase R$ 3 mil. Não é para quem quer, é para quem pode, como dita o atual mercado fonográfico mundial da nostalgia.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de agosto de 2025.