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“The Concert for Bangladesh”, 53 anos depois

publicado: 13/08/2024 09h00, última modificação: 13/08/2024 09h00
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George Harrison e Bob Dylan, juntos no palco em agosto de 1971 em prol de Bangladesh | Foto: Reprodução

por André Cananéa*

Antes do Live Aid, do Hands Across America (decorrente do LP USA for Africa) e tantos outros que se seguiram depois, houve um marco inicial para os megashows beneficentes de música pop em favor de quem necessita de ajuda em larga escala. Esse marco foi o Concerto para Bangladesh, como ficou conhecida a apresentação de 1o de agosto de 1971 no Madison Square Garden, em Nova York, com duas sessões (14h30 e 20h) lotadas.

A ideia partiu de uma conversa entre o citarista indiano Ravi Shankar e seu grande amigo, o ex-Beatle George Harrison, cujo prestígio, aliado a causa nobre, arregimentou um supergrupo para apresentar um super repertório naquela data: Bob Dylan, Eric Clapton, Billy Preston, Leon Russell, os integrantes da banda Badfinger (que tinham contrato com a gravadora Apple, dos Beatles) e um velho e querido colega de Harrison, Ringo Starr (é bom lembrar que o fim dos Beatles ainda era ferida aberta, afinal o grupo se dissolvera pouco mais de um ano antes).

E por que o assunto vem à luz agora, exatos 53 anos depois? Na sexta-feira passada, 9 de agosto, o registro em áudio desse show, enfim, chegou ao streaming. Vale ressaltar que o lançamento se refere apenas ao disco, lançado originalmente em uma caixa com três LPs, ainda em 1971 (edições em CD começaram a sair em 1991, mas a melhor edição é a de 2005, com som remasterizado e o lançamento oficial em DVD e blu-ray). Essa edição digital para streaming de 2024, pelo que percebi, está disponível com qualidade ultra HD em plataformas como Tidal e Amazon Music, valorizada em fones de ouvido modernos.

O show abre com o anfitrião George Harrison explicando que o espetáculo começa com um set de música indiana, e chama ao palco Ravi Shankar e seu grupo. Em seguida, Shankar (pai de Norah Jones, que só iria nascer oito anos depois do concerto) faz um panorama dos motivos que levaram ao show daquela noite: a fome que assolava Bangladesh, motivando a migração de 10 milhões de paquistaneses para a Índia em busca de dias melhores.

“Isso é para lhe expor e deixar a par de uma situação muito grave. Não estamos fazendo política. Somos artistas, e através da nossa música, gostaríamos que sentissem a agonia e a dor e os muitos acontecimentos tristes de Bangladesh, e também entre os refugiados que vieram para a Índia”, afirmou Ravi Shankar antes de iniciar seu número, marcado pela ária “Bangla dhun”, inspirada no folclore indiano.

George Harrison apresenta, na sequência, três hits do seminal All Things Must Pass (lançado no ano anterior): “Wah-wah”, “My sweet lord” e “Awaiting on you all” (ao longo do show, ele também apresenta Beware of darkness”, além de três canções dos Beatles compostas por ele: “While my guitar gently weeps”, “Here comes the sun” e “Something”).

Boa parte do repertório é de músicas “solo” dos convidados: Billy Preston canta “That’s the way god planned it”; Ringo vai de “It don’t come easy” (lançada em single naquele ano) e Bob Dylan desfila seus grandes clássicos até então: “A hard rain’s gonna fall”, “It takes a lot to laugh, it takes a train to cry”, “Blowin’ in the wind”, “Mr. tambourine man” e “Just like a woman”. Parceiro contumaz em inúmeros sucessos de Elton John, Leon Russell escolheu cantar Rolling Stones (“Jumpin’ Jack flash”) e um hit do The Coasters (“Young blood”, de 1957).

A edição ultra HD disponível no streaming contém 21 faixas, entre falas dos artistas e canções — uma a mais que a última edição em CD. A faixa extra é uma versão de estúdio da música ‘Bangla Desh’, feita por Harrison para o projeto e lançada em single naquele mesmo ano de 1971. O repertório do streaming também traz o “bônus” da edição de 2005 que não saiu na edição original do LP/CD: “Love minus zero/No limit”, dobradinha de Bob Dylan interpretada pelo próprio autor, acompanhado por Leon Russell (baixo), George Harrison (guitarra) e Ringo Starr (aqui, ao pandeiro).

Há de registrar que o disco levou o prêmio de Álbum do Ano no Grammy de 1973 e cerca de um milhão de cópias foram vendidas ao longo dos anos, receita que, aliada aos 250 mil dólares arrecadados com o show, foram enviados a Bangladesh, via Unicef. É importante notar, também, que a produção musical de The Concert for Bangladesh foi dividida entre George Harrison e o lendário Phil Spector, que até ali já havia feito Let It Be (dos Beatles), Imagine (John Lennon) e o citado All Things Must Pass.

Através do link, acesse o trailer do lançamento em streaming

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 13 de agosto de 2024.