O 2o Festival Internacional de Cinema de João Pessoa (FestincineJP), promovido pela gestão municipal, começou no dia 26 de maio e terminou sábado passado, 1º de junho, balizado por dois filmaços: Mais Pesado É o Céu, do cearense Petrus Cariry, e O Último Pub, do inglês Ken Loach, os dois ainda inéditos nos cinemas do Brasil, ambos previstos para estrearem em agosto. Cariry e Loach são diretores com um forte olhar social, produzindo obras com importantes reflexões: o primeiro, versando sobre as condições de sobrevivência de uma família pobre em um Nordeste machista e intolerante; o segundo, abordando a intolerância de parte do povo inglês para com imigrantes sírios.
O brasileiro entrega uma obra estilisticamente caprichada, valorizada pela boa fotografia, trilha sonora impactante e diálogo com obras como 2001 - Uma Odisseia no Espaço (escrevi sobre o filme na coluna passada, que você pode acessar através do QR Code no fim do texto). O inglês, prestes a completar 88 anos de idade (em 17 de junho), trilha uma estética quase documental, utilizando atores semiprofissionais, ou até mesmo amadores, para retratar uma realidade dura e equivocada: o xenofobismo.
Quem esteve no Centerplex Cinemas, no MAG Shopping, na noite do último sábado, assistiu a O Último Pub (com entrada gratuita) na companhia do protagonista, Dave Turner, que chegou a João Pessoa na quarta-feira para participar do festival. Em entrevistas que deu a jornalistas e influenciadores, revelou que era bombeiro aposentado e que tem apenas três filmes no currículo, todos dirigidos por Loach.
No aclamado Eu, Daniel Blake (2016) e em Você Não Estava Aqui (2019), Turner faz pontas rápidas. Em O Último Pub, ele é a grande estrela, papel que exigiu bastante para um ator não profissional, mas cumprido com tanta paixão, habilidade e determinação que rendeu ao ator um prêmio no Valladolid International Film Festival, na Espanha, além de ter ajudado o longa a ser indicado em vários festivais importantes, como Cannes, onde Dave Turner desfilou pelo tapete vermelho ao lado da coestrela do filme, a atriz inglesa de ascendência síria, Ebla Mari, em sua estreia no cinema.
Autoproclamado filme de despedida de Ken Loach, O Último Pub compõe com os dois filmes mencionados uma trilogia cinematográfica nobre, que reflete sobre a burocracia trabalhista do Reino Unido (tema do soberbo Eu, Daniel Blake, vencedor da Palma de Ouro, em Cannes e disponível para assinantes dos serviços Max e Globopay+Canais) e critica a exploração exaustiva do trabalho nos tempos modernos (Você Não Estava Aqui, disponível no Mubi).
O Último Pub deixa a questão trabalhista de lado para se concentrar em um grupo de refugiados sírios em um pequeno vilarejo urbano ao norte de Londres. Dave Turner é TJ Ballantyne, o proprietário do decadente pub The Old Oak (título original do filme, algo como “O Velho Carvalho”, em português) que recebe apenas os mesmos clientes que há décadas frequentam o lugar.
Esse grupo entra em conflito com TJ Ballantyne quando este decide estender a mão a Yara (Ebla Mari), uma fotógrafa síria que acaba de se estabelecer na cidade com a mãe e os irmãos, fugindo das atrocidades da guerra civil que aflige o país - na vida real desde os anos 2011. Em linhas gerais, essa é a sinopse, engordada com as lições que os pais de TJ deixaram, parte delas impressas em fotografias expostas em um salão que ele não abre há mais de 20 anos, e que se torna o motivo de outra guerra, interna, particular, e pautada pela xenofobia e intolerância.
Durante o encontro com os jornalistas, em João Pessoa, Dave Turner revelou que o roteiro foi escrito (pelo colaborador assíduo de Loach, Paul Laverty) à luz de um movimento de imigração muito forte no nordeste da Inglaterra, “de indivíduos vindos do Oriente Médio, sobretudo da Síria e do Afeganistão, ao mesmo tempo em que a extrema direita crescia e oprimia essas pessoas que chegavam ao país”, como registrou reportagem do jornal A União na edição do último sábado.
O Último Pub encerra bem a carreira de um diretor inglês que utilizou o cinema para criticar, avaliar e refletir diversos aspectos da vida política e social do Reino Unido. Mas ao contrário dos finais amargos e tristes dos dois filmes anteriores, Loach conclui seu último filme com uma bela e positiva mensagem: para mudar a visão de mundo, não é necessário um plano mirabolante, mas apenas um pequeno gesto em favor de quem precisa. Na visão do filme, isso gera uma forte reação em cadeia, que aproxima ao invés de separar quem não fala o mesmo idioma, ou tem os mesmos costumes, mas que têm muito mais em comum do que supõe a filosofia de gente vã.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 04 de junho de 2024.