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A Paraíba perde Cassiano… de novo

publicado: 11/05/2021 08h00, última modificação: 11/05/2021 07h49
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- Foto: Robin Lynne Gibson/Reprodução

tags: cassiano , covid-19 , cultura , mpb

 

Por volta das quatro da tarde da última sexta-feira, o coração do paraibano Genival Cassiano dos Santos batia uma última vez, antes de entregar os pontos de uma luta iniciada com mais intensidade em abril, em função de complicações na saúde. Sem muita segurança, a imprensa alardeou que Cassiano foi mais uma das mais de 420 mil vítimas fatais da covid-19 no Brasil.

Uma morte que se tornou corriqueira em pouco mais de um ano, em um país que enterrou mais mães, pais, irmãos, parentes e amigos do que gostaria por conta de um vírus que não se conhece bem. Mas Cassiano, é bom lembrar, não foi mais uma morte na multidão: nascido em Campina Grande, na Paraíba, o músico tem um papel importante na história da cultura brasileira. Suas canções, seu entendimento de ritmo e seu balanço extremamente original levaram a música brasileira a um outro patamar. Mas pouca gente sabe disso, em especial, na Paraíba.

A Paraíba perdeu Cassiano em definitivo. Já o havia perdido para o Rio de Janeiro, quando ele se mudou com a família para a capital carioca, no fim de 1940, em busca de dias melhores. E perdeu uma outra vez ao ignorá-lo, junto com o resto do país, quando relegou-o ao ostracismo que permaneceu por 40 anos.

Durante todo esse tempo, pouco se falou da imensa importância que aquele sujeito que muitos chamam, agora, de gênio, teve junto à soul music brasileira, seu sucesso nos anos 1970 e como inspirou nomes como Tim Maia (cujo primeiro grande hit é, justamente, ‘Primavera’, uma canção de Cassiano em parceria com Sílvio Rochael), Marisa Monte, Sandra de Sá, Luiz Melodia, Djavan e, sobretudo, Ed Motta, que tentou resgatar a carreira do irmão de música do tio ao produzir uma coletânea em CD, em 2000, unindo as melhores faixas dos três primeiros LPs do paraibano, todos lançados nos anos 1970.

“Gênio imenso, uma benção eterna sua arte na minha vida. Descanse em suas criações divinas #cassiano”, escreveu Ed Motta em suas redes sociais, um dia após a morte do ídolo.

Cassiano gravou pouco – um total de três LPs e um CD, já em 1991, beirando os 50 anos e sem uma parte do pulmão, que lhe foi retirada em 1978, por motivos ainda não muito claros, encerrando um ano difícil na carreira do músico, afinal foi naquela época que a CBS (mais tarde, Sony Music) desistiu do contrato com o cantor, alegando que ele não dava retorno financeiro à gravadora.

Ao que me consta, Cassiano morreu aos 77 anos, com um balaio de canções inéditas, que escondeu da indústria que lhe fechou a porta na cara naquele final dos anos 1970, o momento em que ele saiu definitivamente de cena, apesar do disco Cedo ou Tarde, lançado em 1991, repleto de estrelas da MPB, e a coletânea de Ed Motta, em 2000, tentarem lhe trazer de volta aos trilhos do sucesso. Foram as únicas vezes que Cassiano entrou em pauta ao longo de quatro décadas.

Arredio, Cassiano escolheu ficar longe dos holofotes. Por dez anos, sem sucesso, tentei contato com ele. Eu e parte antenada da imprensa de música do Brasil. Ninguém conseguiu entrevistá-lo nas últimas décadas! Ele conseguiu tirar de Geraldo Vandré o título de ícone paraibano inalcançável, blindado em seu rigoroso exílio.

O pouco que Cassiano fez, no entanto, foi suficiente para assinalar o nome do paraibano, nascido no chamado “Zepa”, o bairro do Zé Pinheiro, em Campina Grande, na história brasileira, apesar das novas gerações desconhecerem por completo isso, assim como a origem e a importância do músico, o que explica a baixíssima repercussão que a morte do músico gerou aqui, em seu berço, a Paraíba.

Portanto, não foi a covid-19 que matou Cassiano. Fomos nós, brasileiros, que não demos o devido valor ao artista. Foi a mídia, que tirou o artista do radar e não deu atenção a sua devida importância para a música. Foram as gravadoras, que o descartaram como um “produto” sem importância. Foi o desgosto que ele teve com a vida. Foi o ostracismo e o esquecimento. Siga em paz, Cassiano, e muito obrigado.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 11 de maio de 2021.