Há cerca de um mês, aderi ao Kindle - lê-se “quindôu”. É um aparelhinho fino, pouco maior que um smartphone e da largura de um tablet de 7’’. Ele é um “e-reader”, ou leitor de livros digitais, os tais “e-books”, que começaram a se popularizar no mercado há pouco mais de dez anos, com o advento justamente do e-reader da Amazon. A ele seguiram-se o Lev (da Saraiva) e o Kobo (comercializado pela Cultura), entre outros menos populares.
É curioso como no filme, ou na música, a transição para o streaming foi tranquila e até favorável. Quer ver um Tarantino ou a série do momento? Tem Netflix, Amazon Prime, Google Play Movies e mais de uma dezena de aplicativos similares que oferecem assinatura, locação e/ou venda de títulos. Os apps são facilmente instalados em smartphones ou já vem na sua TV. E são fáceis de usar.
Na música, idem! Tão fácil que a venda de fones de ouvido e caixas de som bluetooth explodiu no mercado. Essas tecnologias aposentaram os DVDs, CDs e LPs, que se tornaram itens de colecionador, talvez tão exótico quanto os colecionadores de tampinhas de refrigerante ou figurinhas de chiclete. Afinal, para que se dar ao trabalho de procurar uma mídia física se há milhares de títulos a um clique de distância?
A digitalização, ao que parece, ainda está longe de aposentar o livro. Bem longe. E uma das razões para isso é a tal da experiência: enquanto os arquivos digitais de filme e de música até melhoraram a experiência com o advento da tecnologia - as novas TVs estão cada vez mais perto do som e da imagem do cinema, por exemplo, e há caixinhas de som do tamanho de um pequeno abajur que têm um som mais potente e de qualidade que os produzidos por muitas vitrolas, os leitores digitais não substituíram o prazer de passar uma folha de papel.
É o que eu ouço de muitos amigos que são leitores vorazes, inclusive da minha mãe. O formato que mais dá prazer ao leitor ainda é o bom e velho livro de papel, completamente ajustável a qualquer tipo de mãos e com aquele cheiro sedutor de quando comprado novinho em folha - com o perdão do trocadilho - numa boa livraria. Ou seja, ainda não inventaram nada melhor em mais de cinco séculos!
Eu estou curtindo o Kindle, que já vai na 10ª geração, imprimindo (ooops!) melhorias consideráveis, como iluminação embutida e ajuste do texto. E encontro pessoas de várias gerações que o defendem. Mas mesmo entre estes, eles não abandonam o livro de papel e uma razão, como me colocou o amigo Astier Basílio certa vez, é que a oferta de e-books, especificamente em português, ainda é bastante limitada, então é mais uma razão pela qual os livros ainda terão uma vida longeva.
Confesso que de largada, eu demorei um pouco para me acostumar a ler naquela tela pequena (ele mede cerca de 140 mm x 105 mm), de um preto e branca opaco, e com aqueles contadores (o Kindle dá quanto tempo falta para terminar o capitulo, ou o livro, ou a porcentagem da obra você já leu), que são pura pressão. Mas depois que me acostumei, acho até que me tornei um leitor mais voraz.
Primeiro, há a praticidade do gaget: leve e pequeno, cabe até no bolso da bermuda, ou do paletó. E comporta dezenas e dezenas de livros ali dentro. Então se eu for parar numa ilha deserta, eu só preciso dele, devidamente abastecido – e entre adquiri o e-book e começar a lê-lo, leva-se menos de um minuto. Segundo, ao contrário do tablet e do celular - minhas primeiras plataformas para e-book -, o e-reader é extremamente mais confortável para a leitura. Terceiro, é possível marcar páginas e destacar passagens do texto, tal qual fazemos com o lápis no livro físico. E acessá-las é num instante.
Mas nem tudo são flores: nosso querido Felipe Gesteira, editor do 2º Caderno aqui de A União, me alertou que, quando nós vamos até uma livraria comprar um livro de papel, nós estamos comprando o objeto, que é nosso e ninguém tasca, nem muito menos irão confisca-lo, ou reescrevê-lo, caso o autor (ou editora) perca um eventual processo na justiça. Já no Kindle, o que ele nos vende é uma licença de uso. Em tese, por tempo indeterminado. Mas em questões judiciais, por exemplo, a Amazon, que detém a marca, pode deletá-lo, se a decisão for por recolher os livros das prateleiras, ou reedita-lo, caso a justiça obrigue. Mas aí a gente está falando de um caso ou outro, claro. No dia-a-dia, não há ebooks apagados ou alterados. Pelo menos até aqui, nada significativo.
É o mesmo processo pelo que passam as obras audiovisuais no stream. Não faz muito tempo, os produtores do seriado ‘Os Simpsons’ resolveram “deletar” a participação do malfadado Michael Jackson após a polêmica que recaiu sobre a memória do astro a partir do documentário ‘Deixando Neverland’, da HBO (escrevi sobre ele na edição do dia 19/3/2019). Pronto! Num clique, todas as plataformas que tinham o episódio em seu catálogo foram “remodeladas”, por assim dizer.
O e-book é uma realidade que não volta mais atrás. Numa sociedade hiperconectada e digital, é difícil que um dia o livro eletrônico suma e a sociedade siga só no analógico. Mas que o livro em papel vai longe, ah, isso vai!
*publicada originalmente na edição impressa de 23 de julho de 2019