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A volta dos que não foram

publicado: 25/08/2020 09h24, última modificação: 25/08/2020 09h24
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Um case recente e emblemático para o frisson pela volta de blu-rays é o filme "O Barco: Inferno no Mar (Das Boot, 1981)", do alemão Wolfgang Petersen.

 

Continuo acompanhando, com misto de alegria e espanto, o ressurgimento do mercado de DVDs e blu-rays. Tido como um comércio falido após a popularização dos serviços de streaming, a mídia física ganhou um novo fôlego a partir do interesse (e da mobilização em redes sociais) dos colecionadores, como cheguei a comentar algumas colunas atrás. E se a pandemia aqueceu esse mercado, hoje ele pega fogo com anúncios de títulos através de lives, muitos deles exclusivos desta ou daquela loja, todas on-line.

Aquele comércio de DVD de “balaio” que os consumidores do home vídeo encontravam nas Lojas Americanas pré-streaming, em que era possível comprar três DVDs e pagar dois, acabou. A mídia física se reinventa a partir de um mercado de nicho, tal qual aconteceu como o LP: a diferença é que, com os filmes, o mercado me parece mais dinâmico, com donos de lojas especializadas conversando diretamente com os clientes através das redes sociais, e negociando, na outra ponta, com as distribuidoras a partir de uma demanda palpável que emana diretamente do público interessado.

Um case recente e muito emblemático para esse frisson é o filme O Barco: Inferno no Mar (Das Boot, 1981), do alemão Wolfgang Petersen. Tido como o Santo Graal dos colecionadores, a edição nacional, lançada na aurora do blu-ray em uma tiragem minúscula, logo se tornou mosca branca e chegou a ser comercializada por coisa de R$ 2 mil o mísero disco acondicionado no famoso estojo azul.

De olho nessa cobiça, a FamDVD entrou em campo e negociou com a Sony (detentoras dos direitos da obra) uma nova tiragem a partir do próprio bolso, bancando, para isso, os direitos para o Brasil de uma master da Coreia. O resultado foi uma bela edição dupla, com tiragem limitada a mil unidades, vendidas a R$ 59,90, cada, que, em menos de dois meses, esgotou. 

Nada mal para um filme que não é de super-herói, não é blockbuster, nem franquia de sucesso, mas, sim, um filme alemão com quase 40 anos, apreciado apenas por cinéfilos, que talvez tivesse passado despercebido se não se tornasse um item raro e alcançasse preços estratosféricos no Mercado Livre a partir dos valores praticados por comerciantes de raridades.

O Barco ilustra bem o mercado que se formou em torno do home vídeo neste ano da pandemia. Distribuidoras como Versátil e Obras-Primas do Cinema têm entrado numa corrida para lançar edições cada vez mais caprichadas, dentro e fora dos discos de alta definição, em em um volume que os colecionadores comemoram, mas sentem no bolso: afinal, têm saído muitos e apetitosos títulos, para todos os gostos, com preços que variam de R$ 29,90 a R$ 129,90. 

Somente na semana passada, a Versátil anunciou, para janeiro, o lançamento de uma caixa contendo quatro conhecidos faroestes do diretor John Ford, restaurados e com impressionantes sete horas de material extra, entre documentários e entrevistas, além de uma apresentação que inclui luva reforçada que embala o produto, pôster e um card (pôster em miniatura) para cada filme (a saber, Rastros de Ódio, No Tempo das Diligências, O Homem Que Matou o Facínora e Paixão dos Fortes).

No dia seguinte, a Obras-Primas lançou uma caixa que vai embalar Halloween: A Noite do Terror e Halloween 2: O Pesadelo Continua!, em uma edição que se anuncia com mais de quatro horas de material extra, tudo acomodado em embalagem digipak com luva, quatro cards, um pôster para cada filme e livreto… numa tiragem inicial, acompanha o kit até uma máscara para evitar a transmissão da covid-19.

Há quem vibre muito com esses penduricalhos. Acompanhando esse mercado há bastante tempo, enxergo que há dois tipos de colecionadores de DVDs e blu-rays: os que compram a embalagem e os que compram o filme. No primeiro grupo estão consumidores mais jovens, que se deixam encantar pela apresentação e pelo potencial “item de colecionador”, sem se importar muito com a qualidade da obra. No segundo, há os cinéfilos, pessoal interessado na obra, em si, e nos extras que a edição oferece. E, claro, há os híbridos...

Fato é: viva a mídia física! Mercado, ou não, importante é que toda obra de arte tangível, seja filme, música, pintura, literatura etc., deve ter um lar, um lugar aconchegante onde possa reluzir e dizer, ao seu modo: estou aqui, para lhe informar, emocionar ou fazer pensar. E não em sua forma etérea, submersa em um mar de informações chamado Internet.

*coluna publicada originalmente na edição impressa de 25 de agosto de 2020.